RESUMOS DAS DISCIPLINAS PEDAGOGIA CEDERJ ( 2 )

1 - PAULO FREIRE: PENSAMENTO E OBRA
CONSCIENTIZAÇÃO/ PEDAGOGIA DO OPRIMIDO/ PEDAGOGIA DA AUTONOMIA
2 - METODOLOGIA DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
3 - LITERATURA NA FORMAÇÃO DO LEITOR
4 - CIÊNCIAS NATURAIS NA EDUCAÇÃO 1
5 - TÓPICOS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL

Resumo - Paulo Freire – CONSCIENTIZAÇÃO
Teoria e Prática da Libertação

Como diretor do Departamento de Educação e de Cultura do SESI, em Pernambuco, e depois na Superintendência, de 1946 a 1954, fiz as primeiras experiências que me conduziram mais tarde ao método que iniciei em 1961. Isto teve lugar no movimento de Cultura Popular do Recife, um de cujos fundadores fui, e que mais tarde teve continuidade no Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife; coube-me ser seu primeiro diretor.
O golpe de Estado (1964) não só deteve todo este esforço que fizemos no campo da educação de adultos e da cultura popular, mas também levou-me à prisão por cerca de cerca de 70 dias (com muitos outros, comprometidos no mesmo esforço). Fui submetido durante quatro dias a interrogatórios, que continuaram depois no IPM do Rio. Livrei-me, refugiando-me na Embaixada da Bolívia em setembro de 1964. Na maior parte dos interrogatórios a que fui submetido, o que se queria provar, além de minha “ignorância absoluta” (como se houvesse uma ignorância ou sabedoria absolutas; esta não existe senão em Deus), o que se queria provar, repito, era o perigo que eu representava.
Fui considerado como um “subversivo internacional”, um “traidor de Cristo e do povo brasileiro”, "Nega o senhor – perguntava um dos juízes – que seu método é semelhante ao de Stalin, Hitler, Perón e Mussolini? Nega o senhor que com seu pretendido método o que quer é tornar bolchevique o país?...”
O que aparecia muito claramente em toda esta experiência, de que saí sem ódio nem desesperação, era que uma onda ameaçadora de irracionalismo se estendia sobre nós: forma ou distorção patológica da consciência ingênua, perigosa ao extremo por causa da falta de amor que a alimenta, por causa da mística que a anima1.


Seu movimento começou em 1962 no Nordeste, a região mais pobre do Brasil – 15 milhões de analfabetos sobre 25 milhões de habitantes. Neste momento, a "Aliança para o Progresso”, que fazia da miséria do Nordeste seu “leitmotiv” no Brasil, interessou-se pela experiência realizada na cidade de Angicos, Rio Grande do Norte (interesse que teve seu fim pouco tempo depois da própria experiência).
Os resultados obtidos – 300 trabalhadores alfabetizados em 45 dias – impressionaram profundamente a opinião pública. Decidiu-se aplicar o método em todo o território nacional, mas desta vez com o apoio do Governo Federal.



De acordo com a pedagogia da liberdade, preparar para a democracia não pode significar somente converter o analfabeto em eleitor, condicionando-o às alternativas de um esquema de poder já existente. Uma educação deve preparar, ao mesmo tempo, para um juízo crítico das alternativas propostas pela elite, e dar a possibilidade de escolher o próprio caminho.
Os políticos populistas não compreendem as relações entre alfabetização e “conscientização”. Obsecados por um único resultado – o aumento do número de eleitores –, deram somente um apoio muito escasso, do ponto de vista político, a esta forma de mobilização.
Na realidade, raciocinavam de maneira muito simplista ante o problema. Se um educador de fama oferece a possibilidade de alfabetizar em muito pouco tempo o conjunto do povo brasileiro, ideal este desejado durante décadas por todos os governos, por que não dar-lhe o apoio do Estado? Por isso não compreenderam a agitação criada ao redor da pedagogia de Paulo Freire pelos grupos de direita. Os políticos viram o Movimento de Educação Popular como qualquer outra forma de mobilização de massas: em função de suas preocupações eleitorais; e propuseram uma revolução verbal e abstrata, aí onde era necessário prosseguir a reforma prática em curso.
O método de Paulo Freire é utilizado em todos os programas oficiais de alfabetização do Chile.
Como o presidente Frei assinalou num discurso sobre o estado da nação, sua administração queria “aumentar a participação popular no desenvolvimento de toda a comunidade. Não somente nas políticas dos partidos... mas, sobretudo, nas expressões reais de nossa vida atual: o trabalho, a vida local e regional, as necessidades da família, a cultura de base e a organização econômica-social”.
O problema converteu-se, naquele momento, em tornar aceito no Chile um método considerado subversivo no Brasil.
O Escritório de Planejamento para a Educação de Adultos, como o seu próprio nome indica, não se ocupa somente da alfabetização, mas também do conjunto de programas que tem por finalidade permitir àqueles que não receberam educação superar esta inferioridade. Recentemente o Escritório incentivou os analfabetos, graças ao método de Paulo Freire, a continuar seus estudos em um curso superior.

ALFABETIZAÇÃO E CONSCIENTIZAÇAO

Acredita-se geralmente que sou autor deste estranho vocábulo “conscientização” por ser este o conceito central de minhas idéias sobre a educação. Na realidade, foi criado por uma equipe de professores do INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS BRASILEIROS por volta de 1964. Pode-se citar entre eles o filósofo Álvaro Pinto e o professor Guerreiro. Ao ouvir pela primeira vez a palavra conscientização, percebi imediatamente a profundidade de seu significado, porque estou absolutamente convencido de que a educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade.
Desde então, esta palavra, conscientização, forma parte de meu vocabulário. Mas foi Hélder Câmara quem se encarregou de difundi-la e traduzi-la para o inglês e para o francês.
Conscientização é um compromisso histórico. É também consciência histórica: é inserção crítica na história, implica que os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece...4
A conscientização não está baseada sobre a consciência, de um lado, e o mundo, de outro; por outra parte, não pretende uma separação. Ao contrário, está baseada na relação consciência – mundo.
o processo de alfabetização política – como o processo lingüístico – pode ser uma prática para a “domesticação dos homens”, ou uma prática para sua libertação. No primeiro caso, a prática da conscientização não é possível em absoluto, enquanto no segundo caso o processo é, em si mesmo, conscientização. Daí uma ação desumanizante, de um lado, e um esforço de humanização, de outro.5
No nosso método, a codificação, a princípio, toma a forma de uma fotografia ou de um desenho que representa uma situação existencial real ou uma situação existencial construída pelos alunos. Quando se projeta esta representação, os alunos fazem uma operação que se encontra na base do ato de conhecimento; se distanciam do objeto cognoscível. Desta maneira os educadores fazem a experiência da distanciação, de forma que educadores e alunos possam refletir juntos, de modo crítico, sobre o objeto que os mediatiza. O fim da descodificação é chegar a um nível crítico de conhecimento, começando pela experiência que o aluno tem de sua situação em seu “contexto real”.
Para ser válida, toda educação, toda ação educativa deve necessariamente estar precedida de uma reflexão sobre o homem e de uma análise do meio de vida concreto do homem concreto a quem queremos educar (ou melhor dito: a quem queremos ajudar a educar-se).

Faltando uma tal reflexão sobre o homem, corre-se o risco de adorar métodos educativos e maneiras de atuar que reduzem o homem à condição de objeto.


Assim, a vocação do homem é a de ser sujeito e não objeto. Pela ausência de uma análise do meio cultural, corre-se o perigo de realizar uma educação pré-fabricada, portanto, inoperante, que não está adaptada ao homem concreto a que se destina.

Por outra parte, não existem senão homens concretos (“não existe homem no vazio”). Cada homem está situado no espaço e no tempo, no sentido em que vive numa época precisa, num lugar preciso, num contexto social e cultural preciso. O homem é um ser de raízes espaço-temporais.

Para ser válida, a educação deve considerar a vocação ontológica do homem – vocação de ser sujeito – e as condições em que ele vive: em tal lugar exato, em tal momento, em tal contexto.

Mais exatamente, para ser instrumento válido, a educação deve ajudar o homem, a partir de tudo o que constitui sua vida, a chegar a ser sujeito. E isto o que expressam frases como: “A educação não é um instrumento válido se não estabelece uma relação dialética com o contexto da sociedade ao qual o homem está radicado.”
O homem chega a ser sujeito por uma reflexão sobre sua situação, sobre seu ambiente concreto.
Quanto mais refletir sobre a realidade, sobre sua situação concreta, mais emerge, plenamente consciente, comprometido, pronto a intervir na realidade para mudá-la.
Através destas relações é que o homem chega a ser sujeito. O homem, pondo em prática sua capacidade de discernir, descobre-se frente a esta realidade que não lhe é somente exterior (... não pode, por outro lado, ter relações mais que com algo ou alguém exterior a si mesmo, nunca consigo mesmo), mas que o desafia, o provoca. As relações do homem com a realidade, com seu contexto de vida – trata-se da realidade social ou do mundo das coisas da natureza – são relações de afrontamento: a natureza se opõe ao homem; ele se defronta continuamente com ela; as relações do homem com os outros homens, com as estruturas sociais são também de choque, na medida em que, continuamente, o homem nas suas relações humanas se sente tentado a reduzir os outros homens à condição de objeto, coisas que são utilizadas para o proveito próprio.
O importante é advertir que a resposta que o homem dá um desafio não muda só a realidade com a qual se confronta: a resposta muda o próprio homem, cada vez um pouco mais, e sempre de modo diferente. “Pelo jogo constante destas respostas o homem se transforma no ato mesmo de responder”, diz Paulo Freire.


Na medida em que o homem, integrando-se nas condições de seu contexto de vida, reflete sobre elas e leva respostas aos desafios que se lhe apresentam, cria cultura.
A partir das relações que estabelece com seu mundo, o homem, criando, recriando, decidindo, dinamiza este mundo. Contribui com algo do qual ele é autor... Por este fato cria cultura.
Neste sentido, é lícito dizer que o homem se cultiva e cria a cultura no ato de estabelecer relações, no ato de responder aos desafios que lhe apresenta a natureza, como também, ao mesmo tempo, de criticar, de incorporar a seu próprio ser e de traduzir por uma ação criadora a aquisição da experiência humana feita pelos homens que o rodeiam ou que o precederam.
Não só por suas relações e por suas respostas o homem é criador de cultura, ele é também “fazedor” da história. Na medida em que o ser humano cria e decide, as épocas vão se formando e reformando.
O homem não pode participar ativamente na história, na sociedade, na transformação da realidade, se não é auxiliado a tomar consciência da realidade e de sua própria capacidade para transformá-la.
A realidade não pode ser modificada, senão quando o homem descobre que é modificável e que ele pode fazê-lo.
É preciso, portanto, fazer desta conscientização o primeiro objetivo de toda educação: antes de tudo provocar uma atitude crítica, de reflexão, que comprometa a ação.10

Método
Contradizendo os métodos de alfabetização puramente mecânicos, projetávamos levar a termo um.a alfabetização direta, ligada realmente à democratização da cultura e que servisse de introdução; ou, melhor dizendo, uma experiência susceptível de tornar compatíveis sua existência de trabalhador e o material que lhe era oferecido para aprendizagem. Verdadeiramente, só uma paciência muito grande é capaz de suportar, depois das dificuldades de uma jornada de trabalho, as lições que citam a “asa”: “Pedro viu a asa”; “A asa é do pássaro”; ou as que falam de “Eva e as uvas” a homens que, com freqüência, sabem pouquíssimo sobre Eva e jamais comeram uvas.
Daí, nossa descrença inicial em relação aos abecedários que pretendem oferecer a montagem dos signos gráficos, reduzindo o analfabeto ao estado de objeto e não de sujeito de sua própria alfabetização. Tínhamos, por outro lado, que pensar em limitar o número de palavras, fundamentais, chamadas geradoras, na aprendizagem de uma língua silábica como a nossa.
Não tínhamos necessidade de 40, 50, 80 palavras geradoras, para permitir a compreensão das sílabas de base da língua portuguesa. Seria uma perda de tempo. 15 ou 18 nos pareceram suficientes para o processo de alfabetização pela conscientização.
Fases de Elaboração e Aplicação do Método
Primeira fase: a "descoberta do universo vocabular” dos grupos com os quais se há de trabalhar se efetua no curso de encontros informais com os habitantes do setor que se procura atingir. Não só se retêm as palavras mais carregadas de sentido existencial – e, por causa disto, as de maior conteúdo emocional –, senão também as ex-pressões típicas do povo: formas de falar particulares, palavras ligadas à experiência do grupo, especialmente à experiência profissional.
“Janeiro em Angicos – disse um homem do sertão do Rio Grande do Norte – é muito duro de se viver, porque janeiro é cabra danado parti judiar de nós.”
As palavras geradoras devem nascer desta procura e não de uma seleção que efetuamos no nosso gabinete de trabalho, por mais perfeita que ela seja do ponto de vista técnico.

Segunda fase: Seleção de palavras, dentro do universo vocabular.
Esta seleção deve ser submetida aos seguintes critérios:
a) O da riqueza silábica;
b) O das dificuldades fonéticas. As palavras escolhidas devem responder às dificuldades fonéticas da língua e colocar-se na ordem de dificuldade crescente;
c) O do conteúdo prático da palavra, o que implica procurar o maior compromisso possível da palavra numa realidade de fato, social, cultural, política...
Hoje, conforme o professor Jarbas Maciel, vemos que estes critérios estão contidos no critério semiológico: a melhor palavra geradora é aquela que reúne em si a porcentagem mais alta de critérios sintáticos (possibilidade ou riqueza fonética, grau de dificuldade fonética complexa, possibilidade de manipulação de conjuntos de signos, de sílabas etc.), semânticos (maior ou menor intensidade de relação entre a palavra e o ser que designa), poder de conscientização que a palavra tem potencialmente, ou conjunto de reações sócio-culturais que a palavra gera na pessoa ou no grupo que a utiliza.
Terceira fase: A terceira fase é a criação de situações existenciais típicas do grupo com o qual se trabalha.
Estas situações desempenham o papel de “desafios” apresentados aos grupos. Trata-se de situações problemáticas, codificadas, que levam em si elementos para que sejam descodificados pelos grupos com a colaboração do coordenador. O debate a este propósito – como o que se leva a termo com as situações que nos proporcionam o conceito antropológico da cultura – conduzirá os grupos a “conscientizar-se” para alfabetizar-se.
Estas são as situações locais que abrem perspectivas para a análise de problemas nacionais e regionais. Entre estas perspectivas se situam as palavras geradoras, ordenadas conforme o grau de suas dificuldades fonéticas. Uma palavra geradora pode englobar a situação completa ou referir-se somente a um dos elementos da situação.
Quarta fase: A quarta fase é de elaboração de fichas indicadoras que ajudam os coordenadores do debate em seu trabalho. Tais fichas deverão simplesmente ajudar os coordenadores, não serão uma prescrição rígida e imperativa.

Quinta fase: Consiste na elaboração de fichas nas quais aparecem as famílias fonéticas correspondentes às palavras geradoras.
Uma vez elaborado o material, em forma de diapositivos ou cartazes, constituídas as equipes de supervisores e de coordenadores, devidamente treinados nos debates relativos às situações já elaboradas, e de posse de suas fichas indicadoras, começa o trabalho efetivo de alfabetização.
Os Atos Concretos da Alfabetização
Uma vez projetada a situação, com a indicação da primeira palavra geradora, ou melhor, depois de representar graficamente a expressão oral da percepção do objeto, abre-se o debate.

Quando o grupo, com a colaboração do coordenador, esgotou a análise – processo de descodificação – da situação dada, o educador propõe a visualização da palavra geradora, e não a memorização. Quando se visualiza a palavra e se estabelece o laço semântico entre ela e o objeto a que se refere – representado na situação –, mostra-se ao aluno, por meio de outro diapositivo, a palavra sozinha, sem o objeto correspondente.


Imediatamente depois apresenta-se a mesma palavra separada em sílabas, que o analfabeto, geralmente, identifica como partes. Reconhecidas as partes, na etapa da análise, passa-se à visualização das famílias silábicas que compõem as palavras em estudo.

Estas palavras, estudadas primeiro de forma isolada, são examinadas depois em seu conjunto, o que conduz à identificação das vogais. A ficha, que apresenta as famílias em seu conjunto, foi qualificada pela professora Aurenice Cardoso de “ficha de descoberta”, porque, ao sintetizar por meio dela, o homem descobre o mecanismo de formação das palavras de uma língua silábica como o português, que repousa sobre combinações fonéticas.

Assumindo este mecanismo de maneira crítica e não pela memorização – o que não seria uma apropriação –, o analfabeto começa a estabelecer por si mesmo seu sistema de sinais gráficos.
Desde o primeiro dia, se põe com grande facilidade a criar palavras com as combinações fonéticas postas à sua disposição, graças à separação de uma palavra com três sílabas.

Tornemos a palavra “tijolo” como primeira palavra geradora na “situação” de uma obra em construção. Depois do debate da situação sob todos os aspectos possíveis, estabelece-se a relação semântica entre as palavras e o objeto representado por ela.

A palavra visualizada na situação apresenta-se imediatamente depois sem o objeto. Logo, em sílabas: “tijo-lo”.

A visualização das partes segue o reconhecimento das famílias fonéticas.

A partir da sílaba “ti”, conduz-se o grupo a reconhecer toda a família fonética que resulta da combinação
da consoante inicial com as outras vogais. Depois, o grupo, ao descobrir a segunda família pela visualização de “jo”, chega finalmente ao reconhecimento da terceira. Quando se projeta a família fonética, o grupo reconhece somente a sílaba da palavra visualizada: ta-te-ti-to-tu, ja-je-ji-jo-ju, la-le-li-la-lu.

Tendo reconhecido a sílaba “ti”, da palavra geradora “tijolo”, o grupo compara estas sílabas com outras, o que leva a descobrir que, se é verdade que começam da mesma maneira, no entanto, não podem chamar-se todas “ti”.

O processo é idêntico para as sílabas “jo” e “la” e suas famílias. Uma vez feito o reconhecimento de cada família fonética, os exercícios de leitura fixam as sílabas novas.

Abordamos neste momento o estágio decisivo, o da apresentação simultânea das três famílias na ficha de descobrimento.
ta-te-ti-to-tu
ja-je-ji-jo-ju
la-le-li-lo-lu


Depois de uma leitura horizontal e uma vertical, co-meça a síntese oral. Um a um, todos criam palavras com as combinações possíveis: luta, lajota, jato, juta, lote, tela etc. Alguns, utilizando a, vogal de uma das sílabas, unindo-a a outra e acrescentando uma consoante, formam uma palavra. Outros, como um analfabeto de Brasília, que comoveu a assistência e nela o antigo Ministro de Educação, Paulo de Tarso, a quem o interesse pela educação levava, ao fim de seu dia de trabalho, a assistir aos debates dos Círculos de Cultura, compôs uma frase “tu ja le”, que em bom português seria: “tu já lês”. E isto na primeira tarde de sua alfabetização.

Da Leitura à Escrita
Uma vez terminados os exercícios orais, através dos quais se produz são somente o conhecimento mas também o reconhecimento, sem o qual não há verdadeiro aprendizado, o aluno passa à escrita, e isto desde o primeiro dia. Na tarde seguinte, leva ao círculo, como “tarefa”, todas as palavras que pôde criar pela combinação de fonemas comuns. O que importa, no dia em que põe o pé neste terreno novo, é a descoberta do mecanismo das combinações fonêmicas.

Na experiência realizada no Estado do Rio Grande do Norte, chamou-se “palavras de pensamento” aquelas que tinham significado e “palavras mortas” as que não o tinham. Foram numerosos os que, depois da assimilação do mecanismo fonético e graças à ficha de descoberta, conseguiram escrever as palavras partindo de fonemas complicados que o coordenador ainda não lhes havia apresentado.

Num dos Círculos de Cultura da experiência de Angicos (Rio Grande do Norte), coordenado por minha filha Magdalena, no quinto dia do debate, quando ainda não se retinham senão fonemas simples, um dos participantes foi ao quadro-negro para escrever – disse ele – uma palavra de pensamento. Escreveu: “O povo vai resouver (por resolver) os poblemas (por problemas) do Brasil votando conciente (por consciente).”

Acrescentamos que, nestes casos, os textos eram discutidos em grupos, estudando o seu significado em relação à nossa realidade.

Como explicar que um homem, uns dias antes analfabeto, escreva palavras partindo de fonemas complexos que ainda não estudou? Deve-se a que, havendo dominado o mecanismo das combinações fonéticas, intenta e consegue expressar-se graficamente da maneira como fala. Isto verifica-se em todas as experiências que se realizaram no país, e se estendeu e aprofundou através do Programa Nacional de Alfabetização do Ministério de Educação e Cultura, que coordenávamos naquela época e que desapareceu depois do golpe militar.

Para que a alfabetização não seja puramente mecânica e assunto só de memória, é preciso conduzir os adultos a conscientizar-se primeiro, para que logo se alfabetizem a si mesmos. Conseqüentemente, este método – na medida em que ajuda o homem a aprofundar a consciência de sua problemática e de sua condição de pessoa e, portanto, de sujeito – converte-se para ele em caminho de opção. Neste momento, o homem se politizará a si mesmo.

Quando um ex-analfabeto do município de Angicos, pronunciando um discurso para o presidente Goulart – que sempre nos apoiou com entusiasmo –, declarou que ele não era mais massa e sim povo, fez mais que uma simples frase: afirmou-se a si mesmo, consciente de uma opção. Havia escolhido a participação na decisão, que só o povo possui, e havia renunciado à dimensão emocional das massas. Havia se politizado.
Os temas geradores submetidos à análise dos especialistas deviam ser reduzidos a unidades de aprendizagem (como fizemos com o conceito de cultura e com as situações relacionadas com as palavras geradoras). Havíamos preparado cartazes a partir destas reduções, ou de textos simples que se referissem aos temas originais.
Além disso, elaborando um catálogo de temas reduzidos e de referências bibliográficas, que pusemos à disposição de colégios e universidades, pudemos ampliar o campo de ação da experiência.

Por outro lado, havíamos começado a preparar um material que devia permitir-nos realizar de maneira concreta uma educação na qual havia lugar para o que Aldous Huxley chama “a arte de dissociar idéias”, arte que é o antídoto da forca de domesticação da propaganda. Os alunos deviam discutir as situações – desafios –, desde a simples propaganda comercial à propaganda ideológica, e isto desde a fase de alfabetização.

À medida que os grupos percebem na discussão o que há de enganoso na propaganda – por exemplo, uma marca de cigarros, fumados por uma bela moça de biquini, sorridente e feliz, e que com seu sorriso, sua beleza e seu biquini nada tem a ver com os cigarros –, descobrem na primeira fase a diferença entre educação e propaganda. Preparam-se assim para perceber os mesmos enganos na propaganda ideológica ou política, no uso de “slogans”.

Capacitados para a crítica, estarão armados para a “dissociação de idéias” evocada por Huxley.11
No Brasil, quando pensava nas possibilidade de desenvolver um método com o qual fosse possível para os analfabetos aprender facilmente a ler e escrever, percebi que a melhor maneira não era desafiar o espeto crítico, a consciência do homem, mas (e é muito interessante ver como. mudei) procurar introduzir, na consciência das pessoas, alguns símbolos associados a palavras. E, em um segundo momento, desafiá-las criticamente para redescobrir a associação entre certos símbolos e as palavras, e assim apreendê-las.
Lembro-me que pedi ajuda a uma mulher de idade, muito amável, uma camponesa analfabeta que trabalhava em nossa casa como cozinheira. Um domingo, lhe disse: “Olha, Maria, eu procuro uma maneira nova de ensinar a ler aos que não sabem e tenho necessidade da sua ajuda. Você quer ajudar-me?” Ela aceitou. Levei-a à minha biblioteca e projetei um desenho com um menino e abaixo do desenho estava escrita a palavra “menino”. Perguntei-lhe: “Maria, o que é isso?” E ela: “um menino”. Projetei outro desenho com o mesmo menino, mas ortograficamente “menino” estava escrito sem a sílaba do meio ("meno”, em lugar de menino). Perguntei-lhe: “Maria, falta alguma coisa?” Ela me disse: “Oh, sim, falta. o do meio.” Sorrindo, mostrei-lhe outro desenho com um menino, mas com a palavra escrita sem m última sílaba (somente “meni”), e lhe perguntei outra vez: “Falta algo?” “Sim, o final.”
Discutimos cerca de uns 15 minutos sobre as diferentes possibilidades com menino, meno, nino, meni etc., e em cada ocasião ela descobria a parte da palavra que faltava. Par fim, me disse: “Estou cansada. É muito interessante, mas estou cansada,” Podia trabalhar, real-mente, o dia todo e, sem dúvida, depois de dez ou quinze minutos de um exercício intelectual, cansava-se. É compreensível. Ao terminar perguntou-me: “Você acredita que pude ajudá-lo?” Respondi-lhe: “Sim, ajudou-me muito, porque mudou minha maneira de pensar.” E ela: “Obrigada.” É formidável o poder do amor.
Deixou então minha biblioteca, para voltar cinco minutos depois com uma xícara de café. Quando me vi sozinho, voltei a pensar em minha primeira hipótese em função desta experiência. Descobri que faltava desafiar, desde o início, a intencionalidade da consciência, ou melhor, o poder de reflexão da consciência, e não como eu pensava antes. Creio que tudo isto é um bom exemplo para mostrar como é preciso refletir, constantemente, e mudar o rumo da investigação em que estamos compro-metidos. Assim, com este simples caso de Maria, me convenci de que era necessário proceder de outro modo, que faltava desafiar a consciência crítica, desde o começo. Alguns dias depois, comecei a trabalhar com um grupo de cinco homens, mas, desta vez, desafiando-os de maneira crítica, desde o começo.12
Aplicação
A concepção de liberdade, expressa por Paulo Freire, é a matriz que dd sentido a uma educação que não pode ser efetiva e eficaz senão na medida em que os educandos nela tomem parte de maneira livre e crítica. Este é um dos princípios essenciais da organização dos Círculos de Cultura, unidade de ensino que substitui a escola tradicional e reúne um coordenador com algumas dezenas de homens do povo, num trabalho comum de conquista da linguagem. O coordenador não exerce as funções de “professor”, a condição essencial da tarefa é o diálogo: "Coordenar, jamais impor sua influência.”
O respeito à liberdade dos alunos – que não são qualificados de analfabetos, mas de homens que aprendem a ler – existe muita antes da criação do Círculo de Cultura. Já na etapa da procura do vocabulário popular, durante a fase da preparação do curso, procura-se tanto quanto possível a intervenção do povo na elaboração do programa e a definição das palavras geradoras cuja discussão permitirá, àquele que aprende a ler, apropriar-se de sua linguagem ao mesmo tempo que expressa uma situação real – uma “situação-desafio”, como diz Paulo Freire. A alfabetização e a conscientização são inseparáveis. Todo aprendizado deve estar intimamente associado à tomada de consciência de uma situação real e vivida pelo aluno.
Para Paulo Freire, a aprendizagem é já uma maneira de tomar consciência do real e, portanto, não pode efetuar-se a não ser no seio desta tomada de consciência
Como chegar a isto? Utilizando um método ativo de educação, um método de diálogo – crítico e que convide à crítica –, modificando o conteúdo dos programas de educação.

Freire e sua equipe pensaram que a primeira dimensão deste conteúdo novo, com o qual poderiam ajudar o analfabeto – antes ainda de começar sua alfabetização – a passar da compreensão mágica e ingênua à compreensão crítica, era o conceito antropológico da cultura.

Consideraram que era indispensável, para realizar esta transformação essencial, fazer o homem simples percorrer todo um caminho através do qual descobrisse e tornasse consciência de:
– a existência de dois mundos, o da natureza e o da cultura;
– o papel ativo do homem na realidade e com ela;
– o papel de mediação, que joga a natureza nas relações e nas comunicações entre os homens;
– a cultura como resultado de seu trabalho, de seu esforço criador e recriador;
– a cultura como aquisição sistemática da experiência humana;
– a cultura como incorporação – crítica e criadora – e não como uma justaposição de informações ou de prescrições superadas;
– a democratização da cultura como dimensão da democratização fundamental;
– a aprendizagem da leitura e da escrita como chaves com as quais o analfabeto começará sua introdução no mundo da comunicação escrita;
- o papel do homem, que é o de sujeito e não de simples objeto.
Assim, a primeira situação, que trata de excitar a curiosidade do analfabeto e procura fazê-lo distinguir o mundo da natureza do mundo da cultura, apresenta um homem simples. Ao seu redor, seres da natureza (árvores, sol, pássaros...) e objetos da cultura (casa, poço, vestidos, ferramentas etc.), além de uma mulher e uma criança. Com a ajuda de um animador, estabelece-se um longo debate. Com perguntas simples, como: "Quem fez o poço? Par que o fez? Como? Quando o fez?”, perguntas que se repetem com relação aos diferentes elementos da situação, surgem dois conceitos fundamentais: o de “necessidade” e o de “trabalho”. Explica-se, então, a cultura num primeiro nível: o da subsistência.
O analfabeto chega a compreender que a falta de conhecimento é relativa e que a ignorância absoluta não existe. O simples fato de ser, penetra o homem de 'onhecimento, controle e criatividade.
Novamente, o coordenador faz perguntas: “Por que dançam? Quem inventou -a dança? Por que os homens criaram a música? Aquele que compõe uma ‘cueca’ pode ser um grande compositor?” A situação tende a mostrar que quem compõe música popular é tão grande artista como um célebre compositor.

Com o oitavo desenho entramos propriamente na fase da alfabetização. Organiza-se uma reunião ao redor de uma palavra e de um desenho. O grupo aprende que se pode simbolizar uma experiência vivida desenhando-a ou escrevendo-a. No lugar de uma casa luxuosa do médio burguês, comum nas cartilhas. encontramos uma casa humilde do Chile, e uma família com as características típicas da classe inferior. À esquerda, uma casa um pouco mais modesta ainda.

O coordenador do Círculo de Cultura guia o grupo na reflexão e na discussão sobre o sentido de “casa”, utilizando temas tais como a necessidade de um abrigo confortável para a vida familiar, o problema da habitação nos diferentes países e regiões e os problemas da habitação em relação à urbanização. Para desenvolver uma atitude crítica ante os acontecimentos diários, fazem-se perguntas como as seguintes: “Todos os chilenos têm habitações convenientes? Onde faltam casas? Por quê? R suficiente o sistema de poupança e de empréstimo para a aquisição de uma casa?"

No desenho número nove aparece uma situação diferente: uma “fábrica” com o letreiro que diz: “Não há vagas.” A expressão dos rostos revela, provavelmente, uma experiência que é real para muitos. Ainda que a palavra dirija-se a um grupo de camponeses, todos têm sua interpretação pessoal do sentido de “fábrica”, As perguntas para a discussão são as seguintes: “Onde são feitas as roupas que usamos, os instrumentos de que aos servimos para trabalhar, o papel e o lápis com que escrevemos? Uma fábrica intervém na produção de nosso alimento e na construção de nossas casas? Por que agora a gente não faz a maior parte dos artigos de que necessitamos como se fazia antes? Por que os países têm necessidade de industrializar-se? O Chile pode se industrializar mais? Que necessita um país para desenvolver-se do ponto de vista industrial? Que indústrias têm maiores possibilidades em nosso país? Recebem as zonas rurais influência da expansão industrial? Contribuem estas zonas para o progresso? Pode-se industrializar a agricultura e a pecuária?
A última situação gira ao redor da dimensão da cultura como aquisição sistemática da experiência humana. Daí passa-se ao debate sobre a democratização da cultura, com o que se abrem as perspectivas da alfabetização.

Estes debates, realizados nos Círculos de Cultura, com a ajuda dos educadores especialmente preparados para este trabalho de animação, revelam-se imediatamente como um meio bem poderoso e eficaz de conscientização, capaz de transformar radicalmente a atitude frente à vida.

Muitos dos que participaram deles afirmaram, durante os debates e as situações, que "não lhes era mostrado nada de novo, mas que se lhes refrescava a memória”, e isto os fazia felizes.

“Faço sapatos – disse uma vez um deles – e agora descobri que tenho o mesmo valor que o homem instruído que faz livros.”
“Amanhã – afirmou outro a propósito de uma discussão sobre o conceito de cultura – vou começar meu trabalho com a cabeça bem alta.” Era um varredor de rua que havia descoberto o valor de sua pessoa e a dignidade de seu trabalho.
PRÁXIS DA LIBERTAÇÃO
Três palavras chaves
A Opressão
Quem, melhor que os oprimidos, está preparado para compreender o terrível significado de uma sociedade opressora? Quem sofre os efeitos da opressão com mais intensidade que os oprimidos? Quem com mais clareza que eles pode captar a necessidade da libertação? Os oprimidos não obterão a liberdade por acaso, senão procurando-a em sua práxis e reconhecendo nela que é necessário lutar para consegui-la. E esta luta, por causa da finalidade que lhe dão os oprimidos, representará realmente um ato de amor, oposto à falta de amor que se encontra no coração da violência dos opressores, falta de amor ainda nos casos em que se reveste de falsa generosidade.

Mas quase sempre, durante a fase inicial do combate, em lugar de lutar pela liberdade, os oprimidos tendem a converter-se eles mesmos em opressores ou em “subopressores”.
É raro o caso de um camponês, promovido a chefe, que não seja mais tirano em relação a seus antigos camaradas que o próprio proprietário. Isto deve-se a que o contexto da situação do camponês (a opressão) permanece sem mudança. Neste exemplo, o chefe, para assegurar seu trabalho, tem de ser tão duro como o proprietário ou ainda mais. Isto ilustra nossa afirmação, segundo a qual, durante a fase inicial da luta, os oprimidos encontram no opressor seu “tipo de homem”.
Somente os oprimidos podem libertar os seus opressores, libertando-se a si mesmos. Eles, enquanto classe opressora, não podem nem libertar-se, nem libertar os outros. É pois essencial que os oprimidos levem a termo um combate que resolva a contradição em que estão presos, e a contradição não será resolvida senão pela aparição de um “homem novo” : nem o opressor, nem o oprimido, mas um homem em fase de libertação.
A Dependência
a tarefa fundamental dos países sub-desenvolvidos – o compromisso histórico de seus povos – é superar sua “situação-limite” de sociedades dependentes, para converterem-se em “seres-para-si-mesmos”. Sem isto estas sociedades continuarão a experiência da “cultura do silêncio”, que, havendo resultado das estruturas de dependência, reforça estas mesmas estruturas. Há, portanto, uma relação necessária entre dependência e “cultura do silêncio”. Ser silencioso não é não ter uma palavra autêntica, mas seguir as prescrições daqueles que falam e impõem sua voz. Alcançar a estado de “ser-para-si-mesmos” representa para as sociedades subdesenvolvidas o que eu chamo a possibilidade “não-experimentada”.
Não é possível compreender a cultura do silêncio senão vista como uma totalidade que faz dela parte de um conjunto maior. Neste conjunto de maior magnitude devemos também reconhecer a cultura ou as culturas que determinam o caminho da “cultura do silêncio”. Não queremos dizer que a “cultura do silêncio” seja à maneira de entidade, criada pela “metrópole” em laboratórios especializados e levada ao Terceiro Mundo. Tampouco é verdade que a “cultura do silêncio” nasça por geração espontânea. Na realidade, a “cultura do silêncio” nasce da relação do Terceiro Mundo com a metrópole. “Não é o dominador que constrói uma cultura e a impõe aos dominados. Ela é o resultado de relações estruturais entre os dominados e o dominador.” Assim, para compreender a “cultura do silêncio”, é necessário primeiro fazer uma análise da dependência como fenômeno relacional que dá origem a diferentes formas de ser, de pensar, de expressar-se, as da cultura do silêncio e as da cultura que “tem uma palavra”...
A sociedade dependente é, por definição, uma sociedade silenciosa. Sua voz não é uma voz aut8ntica, mas um simples eco da voz da metrópole.
De todas as maneiras, a metrópole fala e a sociedade dependente escuta.
O silêncio da sociedade-objeto, em relação à sociedade-dirigente, repete-se nas relações que se estabelecem no seio da mesma sociedade-objeto. Suas elites no poder, silenciosas frente à metrópole, fazem calar, por sua vez, ao povo. E somente quando o povo de uma sociedade dependente rompe a “cultura do silêncio” e conquista o direito da palavra – ou melhor, quando as mudanças radicais de estrutura transformam a sociedade dependente –, é quando uma tal sociedade, em seu conjunto, pode deixar de ser silenciosa em relação à sociedade dirigente.
Por aí as massas começarão a sair de seu silêncio, assumindo atitudes cada vez mais exigentes. Na medida em que vão sendo satisfeitas suas exigências, as massas tenderão não só a multiplicá-las, como também a modificar a natureza das mesmas.
Um tipo de consciência corresponde à realidade concreta destas sociedades em estado de dependência. Uma consciência historicamente condicionada pelas estruturas sociais. A principal característica desta consciência – tão dependente como é a sociedade da estrutura a que se conforma – é sua “quase-aderência” à realidade objetiva ou sua “quase-imersão” na realidade. A consciência dominada não se distancia suficientemente da realidade para objetivá-la, a fim de conhecê-la de maneira crítica.
A este tipo de consciência chamamos "semi-intransitiva”.
A consciência semi-intransitiva é característica das estruturas fechadas.
A Marginalidade
A percepção não-estrutural do analfabetismo tem revelado uma visão errônea dos analfabetos, como homens marginalizados. Aqueles que os consideram como marginalizados devem, todavia, reconhecer a existência de uma realidade em relação à qual os analfabetos são marginalizados: não somente no espaço físico, mas realidades históricas, sociais, culturais e econômicas; ou seja a dimensão estrutural da realidade. Desta maneira, deve-se considerar os analfabetos como seres “fora de”, “à margem de” algo, já que é impossível estarem marginalizados sem relação a uma coisa. Mas, estar “fora de”, “à margem de”, implica necessariamente num movimento daquele que se diz marginalizado em direção ao que é o centro em relação à periferia. Este movimento, que é uma ação, pressupõe não somente um agente, como também a existência de algumas razões. Se se admite a existência de homens “fora de”, ou “à margem” da realidade estrutural, parece legítimo perguntar-se quem é o autor deste movimento do centro da estrutura para sua margem. São aqueles que se dizem marginalizados – entre eles os analfabetos – que decidem deslocar-se para a periferia da sociedade?
Os educadores seriam benevolentes conselheiros que percorreriam os bairros da cidade à procura dos analfabetos escapados da vida reta, para fazê-los encontrar a felicidade, entregando-lhes o presente da palavra.
Dentro de tal visão, infelizmente muito difundida, os programas de alfabetização não podem jamais ser esforças para alcançar a liberdade. Nunca colocarão em questão a própria realidade que priva os homens do direito de falar – não somente aos analfabetos, como também a todos aqueles que são tratados como objeto numa relação de dependência. Na realidade, estes homens – analfabetos ou não – não são marginalizados. Repetimos: não estão “fora de”, são seres “para o outro”. Logo, a solução de seu problema não é converterem-se em “seres no interior de”, mas em homens que se libertam, porque não são homens à margem da estrutura, mas homens oprimidos no interior desta mesma estrutura. Alienados, não podem superar sua dependência incorporando-se à estrutura que é responsável por esta mesma dependência. Não há outro caminho para a humanização – a sua própria e a dos outros –, a não ser uma autêntica transformação da estrutura desumanizante.
Sob esta perspectiva, o analfabeto não é então uma pessoa que vive à margem da sociedade, um homem marginal, mas apenas um representante dos extratos dominados da sociedade, em oposição consciente ou inconsciente àqueles que, no interior da estrutura, tratam-no como uma coisa. Assim, quando se ensina os homens a ler e a escrever, não se trata de um assunto intranscendente de ba, be, bi, bo, bu, da memorização de uma palavra alienada, mas de uma difícil aprendizagem para “nomear o mundo”.
Nova Relação Pedagógica
Nas sociedades em que a dinâmica estrutural conduz à escravização das consciências, “a pedagogia dominante é a pedagogia das classes dominantes”. Porque, pelo duplo mecanismo da assimilação, ou melhor, da introjeção, a pedagogia que impõe-se às classes dominadas como “legítima” – como fazendo parte do saber oficial – provoca ao mesmo tempo o reconhecimento por parte das classes dominadas da “ilegitimidade” de sua própria cultura. Encontra-se, assim, ao nível da educação, esta “alienação da ignorância’ com u qual Paulo Freire tem freqüentemente experiência em suas investigações: o pobre absolutiza sua própria ignorância em proveito do “patrão” e “daqueles que são como o patrão”, que se convertem em juízes e garantidores de todo saber.
Deste modo, a opressão encontra na lógica do sistema de ensino atual um instrumento de eleição para fazer aceitar e prolongar o “status quo”; quer dizer, sob pretexto de melhorar e de “integrar socialmente”, a ação pedagógica contribui para aprofundar e legalizar “um abismo profundo entre as classes”.
Uma análise exata das relações professor – aluno em todos os níveis, na escola ou fora dela, revela seu caráter essencialmente narrativo. Esta relação supõe um sujeito narrador: o professor, e supõe objetos pacientes que escutam: os alunos. O conteúdo, seja de valores ou de dimensões empíricas da realidade, tem tendência a converter-se em algo sem vida e a petrificar-se uma vez enunciado. A educação padece da doença da narração.
O professor fala da realidade como se esta fosse sem movimento, estática, separada em compartimentos e previsível; ou então, fala de um tema estranho à experiência existencial dos estudantes: neste caso sua tarefa é “encher” os alunos do conteúdo da narração, conteúdo alheio à realidade, separado da totalidade que a gerou e poderia dar-lhe sentido.
Assim, a educação passa a ser “o ato de depositar”, no qual os alunos são os depósitos e o professor aquele aquele que deposita. Em lugar de comunicar, o professor dá comunicados que os alunos recebem pacientemente, aprendem e repetem. É a concepção “acumulativa” da educação (concepção bancária).

.. Na concepção bancária da educação, o conhecimento é um dom concedido por aqueles que se consideram como seus possuidores àqueles que eles consideram que nada sabem. Projetar uma ignorância absoluta sobre os outros é característica de uma ideologia de opressão. É uma negação da educação é do conhecimento como processo de procura. O professor apresenta-se a seus alunos como seu “contrário” necessário: considerando que a ignorância deles é absoluta, justifica sua própria existência. Os alunos, alienados como o escravo na dialética hegeliana, aceitam sua ignorância como justificativa para a existência do professor, mas diferentemente do escravo, jamais descobrem que eles educam o professor.

...A educação bancária mantém e ainda reforça as contradições através das práticas e das atitudes seguintes, que refletem a sociedade opressora em seu conjunto:
a) o professor ensina, os alunos são ensinados;
b) o professor sabe tudo, os alunos nada sabem;
c) o professor pensa para si e para os estudantes;
d) o professor fala e os alunos escutam;
e) o professor estabelece a disciplina e os alunos são disciplinados;
f) o professor escolhe, impõe sua opção, os alunos submetem-se;
g) o professor atua e os alunos trem a ilusão de atuar graças à ação do professor;
h) o professor escolhe o conteúdo do programa e os alunos – que não foram consultados – adaptam-se;
i) o professor confunde a autoridade do conhecimento com sua própria autoridade profissional, que ele opõe à liberdade dos alunos;
j) o professor é sujeito do processo de formação enquanto que os alunos são simples objetos dele.

Aqueles que utilizam o método bancário, conscientemente ou não – porque há inúmeros professores “bancários”, bem-intecionados, que não se dão conta de que servem somente para desumanizar –, não percebem que os próprios depósitos contêm contradições sobre a realidade.
Mas o educador humanista revolucionário não pode esperar que esta possibilidade se apresente. Desde o começo, seus esforços devem corresponder com os dos alunos para comprometer-se num pensamento crítico e numa procura da mútua humanização. Seus esforços devem caminhar junto com uma profunda confiança nos homens e em seu poder criador. Para obter este resultado deve colocar-se ao nível dos alunos em suas relações com eles.
Em resumo: a teoria e a prática bancária, enquanto forças de imobilização e de fixação, não reconhecem os homens como seres históricos; a teoria e a prática críticas tornam como ponto de partida a historicidade do homem.

A educação crítica considera os homens como seres em devir, como seres inacabados, incompletos em uma realidade igualmente inacabada e juntamente com ela. Por oposição a outros animais, que são inacabados mas não históricos, os homens sabem-se incompletos. Os homens têm consciência de que são incompletos, e assim, nesse estar inacabados e na consciência que disso têm, encontram-se as raízes mesmas da educação como fenômeno puramente humano. O caráter inacabado dos homens e o caráter evolutivo da realidade exigem que a educação seja 'uma atividade contínua. A educação é, deste modo, continuamente refeita pela práxis. Para ser, deve chegar a ser. Sua duração – no sentido bergsoniano da palavra – encontra-se no jogo dos contrários: estabilidade e mudança. O método bancário põe o acento sobre a estabilidade e chega a ser reacionário. A educação problematizadora – que não aceita nem um presente bem conduzido, nem um futuro predeterminado – enraíza-se no presente dinâmico e chega a ser revolucionária.

A educação crítica é a "futuridade” revolucionária. Ela é profética – e, como tal, portadora de esperança – e corresponde à natureza histórica do homem. Ela afirma que os homens são seres que se superam, que vão para a frente e olham para o futuro, seres para os quais a imobilidade representa uma ameaça fatal, para os quais ver o passado não deve ser mais que um meio para compreender claramente quem são e o que são, a fim de construir o futuro com mais sabedoria. Ela se identifica, portanto, com o movimento que compromete os homens como seres conscientes de sua limitação, movimento que é histórico e que tem o seu ponto de partida, o seu sujeito, o seu objetivo.
O diálogo é o encontro entre os homens, mediatizados pelo mundo, para designá-lo.
Se ao dizer suas palavras, ao chamar ao mundo, os homens o transformam, o diálogo impõe-se como o caminho pelo qual os homens encontram seu significado enquanto homens; o diálogo é, pois, uma necessidade existencial.
“O homem de diálogo” é crítico e sabe que embora tenha e poder de criar e de transformar tudo, numa situação completa de alienação, pode-se impedir os homens de fazer uso deste poder.
O método correto é o diálogo. A convicção dos oprimidos de que devem lutar por sua libertação não é um presente dos líderes revolucionários, mas o resultado de sua própria conscientização.
Ação Cultural e Revolução Cultural
Uma pedagogia utópica de denúncia e de anúncio, como a nossa, tem de ser um ato de conhecimento da realidade denunciada, ao nível da alfabetização e da pós-alfabetização, que constituem, em cada caso, uma ação cultural. Por isto se acentua a problematização contínua das situações existenciais dos educandos tal como são apresentadas nas imagens codificadas. Quanto mais progride a problematização, mais penetram os sujeitos na essência do objeto problematizado e mais capazes são de “desvelar” esta essência. Na medida em que a “desvelam”, se aprofunda sua consciência nascente, conduzindo assim à conscientização da situação pelas classes pobres.
Por isso a conscientização é um projeto irrealizável para as direitas. A direita é, por natureza, incapaz de ser utópica e não pode, portanto, praticar uma forma de ação cultural que conduziria à conscientização. Não se pode dar conscientização ao povo sem uma denúncia radical das estruturas desumanizantes, que marche junto com a proclamação de uma nova realidade que pode ser criada pelos homens. A direita não pode desmascarar-se; não pode também dar ao povo os meios de desmascará-la mais do que ela deseja. Quando a consciência popular se esclarece, sua própria consciência aumenta, mas esta forma de conscientização não pode jamais se transformar numa práxis que conduza à conscientização das pessoas. Não pode haver conscientização sem denúncia das estruturas injustas, o que não se pode esperar da direita. Também não pode haver conscientização popular para a dominação. Somente para a dominação a direita inventa novas formas de ação cultural.
Assim, os dois tipos de ação cultural são antagônicos.
Enquanto a ação cultural para a liberdade se caracteriza pelo diálogo e seu fim principal é conscientizar as massas, a ação cultural para a dominação se opõe ao diálogo e serve para domesticá-las.
Para terminar, expliquemos as razões pelas quais falamos de ação cultural e revolução cultural como de momentos dísticos do processo revolucionário. A ação cultural para a liberdade empreende-se contra a elite dominadora do poder, enquanto que a revolução cultural desenvolve-se em harmonia com o regime revolucionário, apesar de isto não significar que esteja subordinada ao poder revolucionário. Toda revolução cultural apresenta a liberdade como finalidade. Ao contrário, a ação cultural, se for conduzida por um regime opressor, pode ser uma estratégia de dominação: nesse caso jamais chegará a ser revolução cultural.





Perguntas para Estudos da AP 1

Considere as citações abaixo, retiradas do Livro Conscientização, e discuta-as.

1) (...) “a educação, como prática da liberdade é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade.”

Para Freire, de acordo com a pedagogia da liberdade, preparar para a democracia não pode significar somente converter o analfabeto em eleitor, condicionando-o às alternativas de um esquema de poder já existente. Uma educação deve preparar, ao mesmo tempo, para um juízo crítico das alternativas propostas pela elite, e dar a possibilidade de escolher o próprio caminho.

2) “A conscientização, como atitude crítica dos homens na história, não terminará jamais.”

De acordo com Freire, Conscientização é um compromisso histórico. É também consciência histórica: é inserção crítica na história, implica que os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece...
A conscientização não está baseada sobre a consciência, de um lado, e o mundo, de outro; por outra parte, não pretende uma separação. Ao contrário, está baseada na relação consciência – mundo.

3) “Pensávamos em uma alfabetização que fosse ao mesmo tempo um ato de criação, capaz de gerar outros atos criadores; uma alfabetização na qual o homem, que não é passivo e nem objeto, desenvolvesse a atividade e a vivacidade da invenção e da reinvenção, características dos estados de procura.”

Contradizendo os métodos de alfabetização puramente mecânicos, projetávamos levar a termo uma alfabetização direta, ligada realmente à democratização da cultura e que servisse de introdução; ou, melhor dizendo, uma experiência susceptível de tornar compatíveis sua existência de trabalhador e o material que lhe era oferecido para aprendizagem.

4) Faltando uma tal reflexão sobre o homem, corre-se o risco de adorar métodos educativos e maneiras de atuar que reduzem o homem à condição de objeto.

Para ser válida, toda educação, toda ação educativa deve necessariamente estar precedida de uma reflexão sobre o homem e de uma análise do meio de vida concreto do homem a quem queremos educar (ou melhor dito: a quem queremos ajudar a educar-se).

5) Para Freire, a vocação do homem é a de ser sujeito e não objeto.(...) O homem é um ser de raízes espaço-temporais.

Para ser válida, a educação deve considerar a vocação ontológica do homem – vocação de ser sujeito – e as condições em que ele vive: em tal lugar exato, em tal momento, em tal contexto.

6 ) “A educação não é um instrumento válido se não estabelece uma relação dialética com o contexto da sociedade ao qual o homem está radicado.”

Mais exatamente, para ser instrumento válido, a educação deve ajudar o homem, a partir de tudo o que constitui sua vida, a chegar a ser sujeito.(...) O homem chega a ser sujeito por uma reflexão sobre sua situação, sobre seu ambiente concreto.
Quanto mais refletir sobre a realidade, sobre sua situação concreta, mais emerge, plenamente consciente, comprometido, pronto a intervir na realidade para mudá-la.

7 ) O homem, pondo em prática sua capacidade de discernir, descobre-se frente a esta realidade que não lhe é somente exterior (... não pode, por outro lado, ter relações mais que com algo ou alguém exterior a si mesmo, nunca consigo mesmo), mas que o desafia, o provoca.

O importante é advertir que a resposta que o homem dá um desafio não muda só a realidade com a qual se confronta: a resposta muda o próprio homem, cada vez um pouco mais, e sempre de modo diferente. “Pelo jogo constante destas respostas o homem se transforma no ato mesmo de responder”, diz Paulo Freire.

8 ) Na medida em que o homem, integrando-se nas condições de seu contexto de vida, reflete sobre elas e leva respostas aos desafios que se lhe apresentam, cria cultura.

A partir das relações que estabelece com seu mundo, o homem, criando, recriando, decidindo, dinamiza este mundo. Contribui com algo do qual ele é autor... Por este fato cria cultura.



Concluindo

O objetivo da Conscientização da Educação, segundo Freire, é provocar uma atitude crítica, de reflexão, que comprometa a ação.




Dois resumos postados sobre PEDAGOGIA DO OPRIMIDO: Um mais sucinto (netsaber) e outro mais analítico (Jeane Vanessa)

Escrito no período em que o autor esteve exilado de seu país, o Brasil, durante o período da Ditadura Militar, o livro oferece um mergulho no pensamento de Paulo Freire sobre seu modo de ver e ler o mundo. Neste livro Paulo Freire esboça caminhos sociais rumo a uma sociedade livre através da extinção da relação de opressão presentes no sistema capitalista. Para Freire, só a libertação dos opressores, feita pela movimentação e conscientização dos oprimidos, poderia ser o elo propulsor para construir uma sociedade de iguais.
Neste sentido, a educação aparece com o papel central para efetivar o seu pensamento, pois que através de uma educação libertária, o oprimido poderia tomar consciência de sua situação e buscar sua liberdade bem como a de seu opressor. Para tal, propõe que o educador conheça em profundidade cada comunidade que irá educar, conheça a realidade e as palavras que são significativas para cada grupo de pessoas. Desta forma, as palavras que serão ensinadas na escrita e na leitura, são justamente as que fazem parte do cotidiano destas pessoas.
Assim, Freire acredita que ao conhecer a sua palavra e transformá-la em ação e posterior reflexão, o oprimido passaria de um estágio ingênuo para um estado consciente de sua situação social e tentaria suplantá-la.

http://resumos.netsaber.com.br

PEDAGOGIA DO OPRIMIDO (Resumo)

Jeane Vanessa Santos Silva*
Graduada em filosofia pela Universidade Federal de Sergipe e Mestranda em Filosofia Analítica do Programa de Pós Graduação da Universidade Federal da Paraíba; também faz parte do Grupo de Estudos sobre Conhecimento e Ciência (GE2C).



Paulo Freire é caracterizado com um pensador que se comprometeu, além das idéias, com a própria vida, com a própria existência; na Pedagogia do Oprimido ele nos apresenta sua experiência cativada no exílio durante cinco anos, bem como nos mostra o papel conscientizador da educação numa ação libertadora do próprio "medo da liberdade".Para Paulo Freire vivemos numa sociedade dividida em classes, sendo que os privilégios de uns impedem que a maioria usufrua dos bens produzidos e, coloca como um desses bens produzidos e necessários pata concretizar a vocação necessária do ser mais, a educação, da qual é excluída grande parte da população do Terceiro Mundo.Refere-se então a dois tipos de pedagogia: a pedagogia dos opressores, onde a educação existe como uma prática de dominação e a pedagogia do oprimido que precisa ser realizada para que surja uma educação com prática de liberdade.
O movimento da liberdade deve surgir e partir dos próprios oprimidos, e a pedagogia decorrente será gerada nos homens e não para os homens; vê-se que não é suficiente que o oprimido tenha consciência crítica da opressão, mas, que se disponha a transformar essa realidade, trata-se de um trabalho de conscientização e politização. A violência dos opressores é gerada por uma ordem que se posiciona injustamente sendo resultado de um processo histórico de desumanização.Esta desumanização dá margem ao surgimento da luta pelo direito de cada ser humano, a luta pela liberdade trabalhista, e pela afirmação do homem enquanto indivíduo possuidor destes direitos.
Em relação à definição de oprimidos e opressores pode haver algumas contradições; o que torna os opressores desumanizados é sua violência, e essa violência faz com que os oprimidos tendam a reagir lutando contra quem os oprime, contra quem os fez menos.Essa luta só adquire sentido quando o ser menos, ao buscar sua humanização, não se reconhece opressor devolvendo a quem o oprimiu tal violência.A libertação se dá á medida que o oprimido reconquista sua humanidade em ambos os papéis que possivelmente ocupa o do ser mais e o do ser menos.
Toda a Pedagogia do Oprimido se apresenta como um texto problematizador, que explicita a própria teoria da educação do homem; essa teoria da educação se reflete em generosidade verdadeira e humanista podendo alcançar o objetivo da libertação.Só unindo teoria e prática essa libertação pedagógica será possível, além disto, quando os líderes de uma revolução estabelecem uma relação dialógica, ao contrário de tentar sobrepor-se aos oprimidos querendo mantê-los como quase "coisas", isso se dá efetivamente.A pedagogia que parte de interesses individuais, a pedagogia "humanitarista", que está repleta de opressores que se disfarçam de generosos, essa pedagogia promove e constrói a desumanização.Quando os oprimidos se reconhecem como seus próprios refazedores permanentes é porque foram capazes de alcançar na prática o saber da realidade.Esta presença dos oprimidos na busca de sua libertação mesma é, assim como deve ser, um engajamento, desta forma esta atitude se configura como mais que uma pseudo-participação.
Paulo Freire também estabelece uma diferença crucial quando trata de educação bancária e educação libertadora.A pedagogia dominante é fundamentada em uma concepção bancária de educação (predomina o discurso e a prática, na qual, quem é o sujeito da educação é o educador, sendo os educandos como vasilhas a serem enchidas; o educador deposita "comunicados", que estes, recebem, memorizam e repetem), da qual deriva uma prática totalmente verbalista, dirigida para a transmissão e avaliação de conhecimentos abstratos, numa relação vertical, o saber é dado, fornecido de cima pra baixo, e autoritária, pois manda quem sabe.Na educação bancária o educador é sempre o que sabe, enquanto os educandos serão os que não sabem. A rigidez destas posições nega a educação e o conhecimento como processo de busca; educador é o sujeito do processo enquanto o educando o mero objeto.Desta maneira o educando, em sua passividade, torna-se apenas um objeto receptor numa falsa pressuposição de um mundo harmonioso, no qual não há contradições.
O método freireano não ensina a mera repetição de palavras, mas, a despeito disto, coloca o educando numa posição de poder re-existenciar criticamente as palavras de seu mundo.É a palavra que o homem constrói seu mundo e se diferencia dos animais.Aprender a escrever sua vida é o principal e mais exato sentido da alfabetização, aprender a escrever sua própria vida enquanto autor e testemunha constituindo historicamente sua forma e sua consciência se fazendo reflexivamente responsável pela história.

Enquanto a educação bancária é vista como uma modalidade em que o educador é o único detentor do conhecimento e o educando é vaso vazio a ser preenchido pela sabedoria do mestre, na educação libertadora, ao contrário, há interação entre educando e educador onde o ensino e a aprendizagem partem, ambos, de ambos os lados.Quem ensina aprende e quem aprende ensina simultaneamente. Nesta educação problematizadora proposta por Paulo Freire o conhecimento não é transferido do educador para o educando, mas, a despeito disto, ocorre um compartilhamento de experiências onde se encontram as condições necessárias para a construção de seres críticos, no decorrer do diálogo com o educador, por sua vez, também ser crítico.
Dentro da situação concreta de opressão e oprimidos, a auto-desvalia é uma das características do oprimido, que resulta da introjeção que fazem eles da visão que deles tem os opressores. De tanto ouvirem de si mesmos que são incapazes, indolentes, que não sabem nada, que não podem saber, acabam por se convencer de sua "incapacidade".Quando isto efetivamente ocorre o mundo do oprimido não é visto a partir de uma nova perspectiva que valoriza a verdade das palavras numa mediatização dos sujeitos conhecedores, que, por sua vez, não culminam em sua própria humanização.
O diálogo não é um produto histórico, é a própria historicização, é ele, pois, o movimento constitutivo da consciência que abrindo-se para a infinitude, vence intencionalmente as fronteiras da finitude e, incessantemente, busca reencontrar-se além de si mesmo. Expressar-se expressando o mundo, implica o comunicar-se.Alfabetização não é um jogo de palavras, é a consciência reflexiva da cultura, a reconstrução critica do mundo humano, é toda a pedagogia: aprender a ler é aprender a dizer sua palavra-ação.A teoria contrária, a anti-dialógica, se caracteriza nas elites dominadoras e essas classes têm interesse em dividir a sociedade entre eles e a 'massa popular', pois se não ocorrer tal divisão a classe oprimida pode despertar em um sentimento de união que é indispensável à ação libertadora; já a teoria da ação dialógica se caracteriza numa classe ocupada em revolucionar libertadoramente os métodos estabelecidos, nesta classe é possível encontrar os sujeitos que visam à transformação do mundo através da educação.
Vemos que na teoria anti-dialógica o sujeito domina o objeto, enquanto na teoria dialógica os sujeitos unidos e reunidos pronunciam o mundo.Enquanto na ação anti-dialógica a elite dominadora disfarça o mundo para dominá-lo de melhor forma a ação dialógica visa desvelar o mundo; este desvelamento do mundo e do próprio indivíduo enquanto parte dele possibilita, na prática cotidiana, à adesão das massas populares.Esta adesão se dá ao mesmo tempo que as massas populares confiam em si mesmas e em suas lideranças revolucionárias, pois percebem a dedicação e a verdadeira defesa da libertação dos homens. Para os opressores, o que vale é ter cada vez mais, à custa, inclusive do ter menos ou do nada ter dos oprimidos. Ser para eles, é ter, e ter como classe que tem. O sadismo aparece como uma das características da consciência opressora, na sua visão necrófila do mundo. Por isto é que seu amor é um amor as avessas – um amor a morte e não a vida.
Na teoria dialógica as lideranças revolucionárias se sentem obrigadas a manter a união dos oprimidos entre si em virtude da libertação; esta obrigação na prática é pó ponto fundamental.O contrário do que ocorre com a elite opressora que mantém sua unidade interna no intuito de fortalecer sua organização e poder e por isso importa sua separação das massas; para a liderança revolucionária deve haver unidade entre ela e as massas.A ação da unidade em virtude da libertação se contrapõe á vontade da classe dominante e por este motivo é tão difícil para as lideranças revolucionária manter esta união; o ponto inicial para manter a unidade é o desvelamento da realidade, a desmistificação do real, de modo que também é imprescindível uma forma de ação cultural através da qual se possa conhecer o porquê e o como da "aderência" à realidade que lhes dá um conhecimento falso dela e de si mesmo; também é necessário desfazer a ideologia e conhecer a verdadeira maneira que o mundo se apresenta, realizando, deste modo, uma adesão à verdadeira prática de transformação da realidade injusta.
É na tentativa da liderança manter um testemunho de que busca a libertação, que é uma tarefa comum entre um povo, que se faz presente a teoria dialógica; e é este testemunho que, por sua vez, singelo e corajoso, exercita uma tarefa comum, a fim de evitar o risco dos direcionamentos anti-dialógicos; este testemunho é ainda uma das principais interpretações das características culturais e pedagógicas da revolução.Os homens humanizam-se, trabalhando juntos para fazer do mundo, sempre mais, a mediação de consciências – que se coexistenciam em liberdade. Um método pedagógico de conscientização alcança as últimas fronteiras do humano, e como o homem sempre se excede, o método também o acompanha, é a educação como prática de liberdade.A luta do ser menos pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação do homem como pessoa, somente tem sentido quando os oprimidos buscarem recuperar sua humanidade, não se sentem idealisticamente opressores, nem se tornam de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos.
A ação cultural, no entender de Paulo Freire, se põe ou a serviço dos opressores, ou a serviço da libertação dos homens, de forma consciente ou inconsciente.Quando se põe a serviço dos opressores, na ação cultural não se encontra a possibilidade de seu caráter de ação induzida; quando se põe a serviço da libertação dos homens, a ação cultural se coloca em posição dialógica e se acha a condição para superar a indução. Segundo Paulo Freire a libertação é um processo doloroso, pois depende do próprio individuo expulsar ou não o opressor de dentro de si. O homem que nasce deste parto é um homem novo que só é viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos. A superação da contradição é o parto que traz ao mundo este homem novo, não o opressor, não mais o oprimido, mas homem libertando-se.Um dos problemas mais graves que se põem à libertação é que opressores e oprimidos precisam ganhar a consciência critica da opressão, na práxis desta busca. Através da práxis autêntica que, não sendo "blábláblá", nem ativismo, mas ação e reflexão, e possível fazê-lo. Práxis é a reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo, sem ela é impossível à superação da contradição opressor-oprimido.
Deste modo, se os indivíduos puderem se descobrir a partir de uma modalidade de ação cultural que problematize em si mesma a ação de confronto com o mundo, isto significa, num primeiro momento, que se descubram como tal e reconheçam sua identidade com toda a significação profunda que tem esta descoberta.Não levar em conta a visão do mundo que o povo tem é um dos erros que a liderança comete.No caso da liderança revolucionária, o conhecimento desta visão do mundo lhe é indispensável para sua ação, enquanto síntese cultural.O que a ação cultural dialógica pretende é o não desaparecimento da dialeticidade entre permanência e mudança, e a superação das contradições antagônicas de que resulte a libertação dos homens.
É como homens que os oprimidos tem que lutar e não como "coisas", na relação de opressão em que estão, que se encontram destruídos. A luta por esta reconstrução começa no auto conhecimento dos homens destituídos.Um educador humanista, revolucionário deve orientar-se no sentido da humanização de ambos. Do pensar autêntico e não no sentido de doação, da entrega do saber, sua ação deve estar fundida da crença nos homens. Isto tudo exige dele um companheiro dos educandos, em suas relações com estes.A educação como pratica de liberdade implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade ausente.
A prática problematizadora propõe ao homem sua situação como situação problema, propõe a ele a sua situação como incidência de seu ato cognoscente, através do qual será possível a superação da percepção mágica ou ingênua que dela tenham.O diálogo é também uma exigência existencial, e se ele é o encontro em que solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo e ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de idéias a serem consumidas pelos permutantes.A auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Homens que não tem humildade ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar para chegar ao lugar do encontro com eles.
A confiança vai fazendo os sujeitos dialógicos cada vez mais companheiros na pronuncia do mundo. Falar em democracia e silenciar o povo, falar em humanismo e negar os homens é uma mentira.Para o educador educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição mas devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregar de forma desestruturada.A investigação da temática envolve investigação do próprio pensar. Pensar que não se dá fora dos homens, nem num homem só, nem no vazio, mas nos homens e entre os homens, e sempre referido a realidade.No processo da descodificação cabe ao investigador, auxiliar, não apenas ouvir os indivíduos, mas desafiá-lo cada vez mais problematizando, de um lado, a situação existencial codificada e de outro, as próprias respostas que vão dando aqueles no decorrer do diálogo.
A solidariedade nasce no testemunho que a liderança dá ao povo, no encontro humilde, amoroso e corajoso. Nem todos temos a coragem deste encontro e nos enrijecemos no desencontro, no qual transformamos os outros em puros objetos, e ao assim agirmos nos tornamos 'necrófilos', em lugar de 'biófilos', matamos a vida, em lugar de alimentarmos, em lugar de buscá-la, corremos dela.Manipulação é uma das características da teoria da ação anti-dialógica, é a manipulação das massas oprimidas. Através da manipulação vão tentando conformar as massas populares e seus objetivos.Crianças deformadas num ambiente de desamor, opressivo, frustradas na sua potência, se não conseguem na juventude, endereçar-se no sentido da rebelião autêntica, ou se acomodam numa demissão total do seu querer, alienados a autoridades e aos mitos, poderão vir a assumir formas de ação destrutiva.
O trabalho de Paulo Freire pode ser visto não apenas como um método de alfabetização, mas como um processo de conscientização, por levar em conta a natureza política da educação.ara ele o objetivo da educação deveria ser a libertação do oprimido, que lhe daria meios de transformar a realidade social e sua volta mediante "conscientização" (conhecimento crítico do mundo).A eficácia e a validade de seu método fundamentam-se no fato de partir da realidade do alfabetizando, do seu universo, do valor pragmático das coisas e fatos de sua vida cotidiana, de suas situações existenciais.
Obedece às normas metodológicas e lingüísticas, mas vai além delas, ao desafiar o homem ou a mulher que se alfabetizam a se apropriarem do código escrito com vistas a sua politização.Vale a pena ressaltar que apesar de os educadores e profissionais da área educacional sofrerem diferentes tipos pressões, degradação salarial e até mesmo queda no prestigio social, ainda depende deles a valorização, a qualidade e a excelência da educação.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 28 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
Fonte: http://www.webartigos.com/articles/40397/1/Resumo-de-Pedagogia-do-Oprimido/pagina1.html#ixzz14VR9Nxkt





RESUMO PEDAGOGIA DA AUTONOMIA – PAULO FREIRE

Ensinar exige rigorosa metódica
Ensinar exige pesquisa ...
Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos
Ensinar exige criticidade ..
Ensinar exige estética e ética ..
Ensinar exige corporeificação das palavras pelo exemplo ..
Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer
forma de discriminação ..
Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática
Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural ..
Ensinar não é transferir conhecimento ..
Ensinar exige consciência do inacabado ...
Ensinar exige o reconhecimento de ser condicionado ..
Ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando ..
Ensinar exige bom senso ..
Ensinar exige humildade, tolerância e
Luta em defesa dos direitos dos educadores ..
Ensinar exige apreensão da realidade ..
Ensinar exige alegria e esperança ..
Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível ..
Ensinar exige curiosidade ..
Ensinar é uma especificidade humana ..
Ensinar exige segurança,
Competência profissional e generosidade ..
Ensinar exige comprometimento ..
Ensinar exige compreender que a educação
é uma forma de intervenção no mundo ..
Ensinar exige liberdade a autoridade ..
Ensinar exige tomada consciente de decisões ..
Ensinar exige saber escutar ..
Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica..
Ensinar exige disponibilidade para o diálogo
Ensinar exige querer bem aos educandos ..
Não há docência sem discência

(...) O formando, desde o principio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se com sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.

Se, na experiência de minha formação, que deve ser permanente, começo por aceitar que o formador é o sujeito em relação a quem me considero o objeto por ele formado, me considero como um paciente que recebe os conhecimentos-conteúdos-acumulados pelo sujeito que sabe e a são a mim transferidos. Nesta forma de compreender e de viver o processo formador, eu, objeto agora, terei a possibilidade, amanhã, de me tornar o falso sujeito da “formação” do futuro objeto de meu ato formador. É preciso que, pelo contrário, desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina ensina alguma coisa a alguém.

Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a serenidade.

(...) quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais se constrói e se desenvolve o que venho chamando “curiosidade epistemológica”, sem a qual não alcançamos o conhecimento cabal do objeto. É isto que nos leva, de um lado, à crítica e à recusa ao ensino “bancário”, de outro, a compreender que, apesar dele, o educando a ele submetido não está fadado a fenecer, em que pese o ensino “bancário”, que deforma a necessária criatividade do educando e do educador, o educando a ele sujeitado pode, não por causa do conteúdo cujo “conhecimento” lhe foi transferido, mas por causa do processo mesmo de aprender, dar, como se diz na linguagem popular, a volta por cima e superar o autoritarismo e o erro epistemológico do “bancarismo”.

O necessário é que, subordinado, embora à prática “bancária”, o educando mantenha vivo em si o gosto da rebeldia que, aguçando sua curiosidade e estimulando sua capacidade de arriscar-se, de aventurar-se, de certa forma o “imuniza” contra o poder apassivador do “bancarismo”. Neste caso, é a força criadora do aprender de que fazem parte a comparação, a repetição, a constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não facilmente satisfeita, que supera os efeitos negativos do falso ensinar.

Ensinar exige rigorosidade metódica

O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua submissão. Uma de suas tarefas primordiais é trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica com que devem se “aproximar” dos abjetos cognoscíveis.

(...)nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinando, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo. Só assim podemos falar realmente de saber ensinando, em que o objeto ensinado é apreendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido pelos educandos.
Percebe-se, assim, a importância do papel do educador, o mérito da paz com que viva a certeza de que faz parte de sua tarefa docente não apenas ensinar os conteúdos mas também ensinar a pensar certo. Aí a impossibilidade de vir a tornar-se um professor crítico se, mecanicamente memorizador, é muito mais um repetidor cadenciado de frases e de idéias inertes do que um desafiador. O intelectual memorizador, que lê horas a fio, domesticando-se ao texto, temeroso de arriscar-se, fala de suas leituras quase como se estivesse recitando-as de memória - não percebe, quando realmente existe, nenhuma relação entre o que leu e o que vem ocorrendo no país, na sua cidade, no seu bairro. Repete o lido com precisão mas raramente ensaia algo pessoal. Fala bonito de dialética mas pensa mecanicistamente. Pensa errado. É como se os livros todos a cuja leitura dedica tempo parto nada devessem ter com realidade de seu mundo. A realidade com que eles têm que ver é a realidade idealizada de uma escola que vai virando cada vez mais um lado aí, desconectado do concreto.

Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pensa errado, é quem pode
ensinar a pensar certo.
O professor que pensar certo deixa transparecer aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo , como seres históricos, é a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mundo. Mas, histórico como nós, o nosso conhecimento do mundo tem historicidade. Ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro antes que foi novo e se fez velho e se “dispõe” a ser ultrapassado por outro amanhã. Daí que seja tão fundamental conhecer o conhecimento existente quanto saber que estamos abertos e aptos à produção do conhecimento ainda não existente. Ensinar, aprender e pesquisar lidam com esses dois momentos do ciclo gnosiológico: o em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente e o em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente. A “dodiscência” – docência-discência – e a pesquisa, indicotomizáveis, são assim práticas requeridas por estes momentos do ciclo gnosiológico.

Ensinar exige pesquisa

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo, educo e me educo. Pesquiso para conhecer e o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.

Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos

Porque não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? Porque não estabelecer uma necessária “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? Porque não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes elas áreas pobres da cidade? A ética de classe embutida neste descaso? Porque, dirá um educador reacionariamente pragmático, a escola não tem nada que ver com isso. A escola não é partido. Ela tem que ensinar os conteúdos, transferí-los aos alunos. Aprendidos, estes operam por si mesmos.

Ensinar exige criticidade

A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere e alerta faz parte integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos.

Ensinar exige estética e ética

A necessária promoção da ingenuidade a criticidade não pode ou não deve ser feita a distância de uma rigorosa formação ética ao lado sempre da estética. (...) Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens, é uma transgressão. (,,,)Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando. Educar é substantivamente formar.

Ensinar exige a corporeificação das palavras pelo exemplo

Quem pensa certo está cansado de saber que as palavras a que falta corporeidade do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é fazer certo. (...)O clima de quem pensa certo é o de quem busca seriamente a segurança naargumentação, é o de quem, discordando do seu oponente não tem por que contra ele ou contra ela nutrir uma raiva desmedida, bem maior, as vezes, do que a razão mesma da discordância. (...) Faz parte do pensar certo o gosto da generosidade que, não negando à quem o tem o direito à raiva, a distingue da raivosidade irrefreada.

Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de Discriminação

Faz parte igualmente do pensar certo a rejeição mais decidida qualquer forma de discriminação. A prática reconceituosa de raça, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia.

(...)o penar certo a ser ensinado concomitantemente com o ensino dos conteúdos não é um pensar formalmente anterior ao e desgarrado do fazer certo. Neste sentido é que ensinar a pensar não é uma experiência em que ele – o pensar certo – é tomado em si mesmo e dele se faz e que se vive enquanto dele se fala com a força do testemunho. Pensar certo implica a existência de sujeitos que pensam mediados por objeto ou objetos sobre que incide o próprio pensar dos sujeitos. Pensar certo não é que – fazer de quem se isola, de quem se “aconchega” a se mesmo na solidão, mas um ato comunicante.

(...)A grande tarefa do sujeito que pensa certo não é transferir, depositar, oferecer, doar ao outro, tomado como paciente de seu pensar, a inteligibilidade das coisas, dos fatos, dos conceitos. A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica e a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado. Não há inteligibilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não se funde na dialogicidade. O pensar certo por isso é dialógico e não polêmico.

Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática

A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. (...) o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador.
Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser tal modo concreto que quase se confunde com a prática. O seu “distanciamento” epistemológico da prática enquanto objeto de sua análise e maior comunicabilidade exercer em torno da superação da ingenuidade pela rigorosidade.
(...) Está errada a educação que não reconhece na justa raiva, na raiva que protesta contra as in justiças, contra a deslealdade, contra o desamor, contra a exploração e a violência um papel altamente formador.

Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural

Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em relação uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a “outredade” do “não eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu.

Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode um gesto aparentemente insignificante valer como força formadora ou como contribuição à do educando por si mesmo. (...) O professor trouxera de casa os nossos trabalhos escolares e, chamando-nos um a um, devolvia-os com o ser ajuizamento. Em certo momento me chama e, olhando ou reolhando o meu texto, sem dizer palavra, balança e cabeça numa demonstração de respeito e de consideração. O gesto do professor valeu mais do que a própria nota dez que atribuiu à minha redação. O gesto do professor me trazia uma confiança ainda obviamente desconfiada de que era possível trabalhar e produzir.

É incrível que não imaginemos a significação do “discurso” formador que faz uma escola respeitada em seu espaço. A eloqüência do discurso “pronunciado” na e pela limpeza do chão, na boniteza das salas, na higiene dos sanitários, nas flores que adornam. Há uma pedagogicidade indiscutível na materialidade do espaço. (...)O que importa, na formação docente, não é a repetição mecânica do gesto, este ou aquele, mas a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do desejo, da insegurança a ser superada pela segurança, do medo que, ao ser “educado”, vai gerando a coragem.

Ensinar não é transferir conhecimento

(...)ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições, um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a ele ensinar e não a de transferir conhecimento.

É preciso insistir: este saber necessário ao professor – que ensinar não é transferir conhecimento – não apenas precisa ser apreendido por ele e pelos educandos nas suas razoes de ser – ontológica, política, ética, epistemológica, pedagógica, mas também precisa ser constantemente testemunhado, vivido.

O meu discurso sobre a Teoria deve ser o exemplo concreto, prático, da teoria. (...)Ao falar da construção do conhecimento, criticando a sua extensão, já devo estar envolvido nela, e nela, a construção, estar envolvendo os alunos.

O clima do pensar certo não tem nada que ver com o das formulas preestabelecidas, mas seria a negação do pensar certo se pretendêssemos forja-lo na atmosfera da licenciosidade ou do espontaneísmo. Sem rigorosidade metódica não há pensar certo.

Ensinar exige consciência do inacabamento

Como professor crítico, sou um “aventureiro” responsável, predisposto à mudança, à aceitação diferente. Nada do que experimentei em minha atividade docente deve necessariamente repetir-se. Repito, porém, como inevitável, a franquia de mim mesmo, radical, diante dos outros e do mundo. Minha franquia ante os outros e o mundo mesmo é a maneira radical como me experimento enquanto ser cultural, histórico, inacabado e consciente do inacabamento. (...)Quanto mais cultural é o ser, maior a sua infância, sua dependência de cuidados especais.

Só os seres que se tornam éticos podem romper com a ética. Não se sabe de tigres africanos que tenham jogado bombas altamente destruidoras em “cidades” de tigres asiáticos.

Ensinar exige o reconhecimento de ser condicionado

Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. Esta é a diferença profunda entre o ser condicionado e o ser determinado. A diferença entre o inacabado que não se sabe como tal e o inacabado que histórica e socialmente alcançou a possibilidade de saber-se inacabado.

(...)minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também há história.

A consciência do mundo e a consciência de si inacabado necessariamente inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num permanente movimento de busca. Na verdade, seria uma contradição se, inacabado e consciente do inacabamento, o ser humano não se inserisse em tal movimento. É neste sentido que, para mulheres e homens, estar no mundo necessariamente significa estar com o mundo e com os outros. Estar no mundo sem história, sem por ela ser feito, sem cultura, sem “tratar” sua própria presença no mundo, sem sonhar sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem idéias de formação, sem politizar não é possível.

É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente. Mulheres e homens se tornam educáveis na medida em que se reconheceram inacabados. Não foi educação que fez mulheres e homens educáveis, mas a consciência de sua de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade.

Este é um saber fundante da nossa prática educativa, da formação docente, o da nossa inconclusão assumida. O ideal é que, na experiência educativa, educandos, educadores e educadoras, juntos, “convivam” de tal maneira com este como com outros saberes de que falarei que eles não virando sabedoria. Algo que não nos é estranho a educadores e educadoras. Quando saio de casa para trabalhar com os alunos, não tenho dúvida nenhuma de que, inacabados e conscientes do inacabamento, abertos à procura, curiosos, “programados, mas para aprender”, exercitaremos tanto mais e melhor a nossa
capacidade de aprender e de ensinar quanto mais sujeitos e não puros objetos do processo nos façam.

Ensinar exige respeito à autonomia

O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua prosódia; o professor que ironiza o aluno, que minimiza, que manda que “ele se ponha em seu lugar” ao mais tênue sinal de sua rebeldia legitima, tanto quanto o professor que se exige do cumprimento de seu dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência. (...)Saber que devo respeito à autonomia e à identidade do educando exige de mim uma prática em tudo coerente com este saber.

Ensinar exige bom senso

A vigilância do meu bom senso tem uma importância enorme na avaliação que, a todo instante, devo fazer de minha prática. Antes, por exemplo, de qualquer reflexão mais detida e rigorosa é o meu bom senso que me diz ser dão negativo, do ponto de vista de minha tarefa docente, o formalismo insensível que me faz recusar o trabalho de um aluno por perca de prazo, apesar das explicações convincentes do aluno, quanto o desrespeito pleno pelos princípios reguladores da entrega dos trabalhos. É o meu bom senso que me adverte de exercer a minha autoridade de professor na classe, tomando decisões, orientando atividades, estabelecendo tarefas, cobrando a produção individual e coletiva do grupo não é sinal de autoritarismo de minha parte. É a minha autoridade cumprindo o seu dever. Não resolvemos bem, ainda, entre nos, a tensão que a contradição autoridade-liberdade nos coloca e confundimos quase sempre autoridade com autoritarismo, licença com liberdade. (...)De nada serve, a não ser para irritar o educando e desmoralizar o discurso hipócrita do educador, falar em democracia e liberdade mais impor ao educando a vontade de arrogante do mestre.

O exercício do bom senso, com o qual só temos o que ganhar, se faz no corpo da curiosidade. Neste sentido, quanto mais pomos em prática de forma metódica a nossa capacidade de indagar, de comparar, de duvidar, de aferir, tanto mais eficazmente curiosos nos podemos tornar e mais crítico se pode fazer o nosso bom senso.

Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores

É como profissionais idôneos – na competência que se organiza politicamente está talvez a maior força dos educadores – que eles e elas devem ver-se a si mesmos e a si mesmas. É nesse sentido que os órgãos de classe deveriam priorizar o empenho de formação permanente dos quadros do magistério como tarefa altamente política e repensar a eficácia das greves. A questão que se coloca, obviamente, não é parar de lutar, mas reconhecendo-se que a luta é uma categoria histórica, reinventar a forma também histórica de lutar.

Ensinar exige apreensão da realidade

Creio poder afirmar, na altura destas considerações, que toda prática educativa demanda a existência de sujeitos, um que, ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina, daí o seu cunho gnosiológico; a existência de objetos, conteúdos a serem ensinados e aprendidos; envolve o uso de métodos, de técnicas, de materiais; implica, em função de seu caráter diretivo, objetivo, sonhos, utopias, ideais. Daí a sua politicidade, qualidade que tem a prática educativa de ser política, de não poder ser neutra.

Ensinar exige alegria e esperança

Há uma relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a esperança. A esperança de professor e alunos juntos podemos aprender, ensinar, inquietar-nos, produzir e juntos igualmente resistir aos obstáculos à nossa alegria. Na verdade, do ponto de vista da natureza humana, a esperança não é algo que a ela se justaponha. A esperança faz parte da natureza humana. Seria uma contradição se, inacabado e consciente do inacabado, primeiro o ser humano não se inscrevesse ou não se achasse predisposto a participar de movimento constante de busca e, segundo, se buscasse sem esperança. A desesperança é a negação da esperança. A esperança é uma espécie de ímpeto natural possível e necessário, a desesperança é o aborto deste ímpeto. A esperança é um condimento indispensável à experiência histórica. Sem ela, não haveria História, mas puro determinismo. Só há História onde há tempo problematizado e não pré- dado. A inexorabilidade do futuro é a negação da história.

Tive recentemente em Olinda, numa manhã como os trópicos conhecem, entre chuvas e ensolarada, uma conversa, que diria exemplar, com um jovem educador popular que, a cada instante, a cada palavra, a cada reflexão, revelava a coerência com que vive sua opção democrática e popular. Caminhávamos, Danilson Pinto e eu, com alma aberta ao mundo, curiosos, receptivos, pelas trilhas de uma favela onde cedo se aprende que só a custo de muita teimosia se consegue tecer a vida com sua quase ausência – ou negação - , com carência, com ameaça, com desespero, com ofensa e dor. Enquanto andávamos pelas ruas daquele mundo maltratado e ofendido eu ia me lembrando de experiências de minha juventude em outras favelas de Olinda ou do Recife, dos meus diálogos com favelados e faveladas de alma rasgada. Tropeçando na dor humana, nós nos perguntávamos em torno de um sem número de problemas. Que fazer, enquanto educadores, trabalhando num contexto assim? Há mesmo o que fazer? Como fazer o que fazer? Que precisamos nós, os chamados educadores, saber para viabilizar até mesmo os nossos primeiros encontros com mulheres, homens e crianças cuja humanidade vem sendo negada e traída, cuja existência vem sendo esmagada? Paramos no meio de um pontilhão estreito que possibilita a travessia da favela para uma parte menos maltratada do bairro popular. Olhávamos de cima um braço de rio poluído, sem vida, cuja lama, e não água, empapa os mocambos nela quase mergulhados. “Mais além dos mocambos”, me disse Danilson, “há algo pior: um grande terreno onde se faz o depósito do lixo público. Os moradores de toda esta redondeza “pesquisam” no lixo o que comer. O que vestir, o que os mantenha vivos”. Foi desse horrendo aterro, que há dois anos, uma família retirou de lixo hospitalar pedaços de seio amputado com que preparou seu almoço domingueiro. A imprensa noticiou o fato que citei, horrorizado e pleno de justa raiva, no meu último livro À Sombra desta Mangueira. É possível que a notícia tenha provocado em pragmáticos neoliberais sua reação habitual e fatalista sempre em favor dos poderosos. “É triste, mas, que fazer? A realidade é mesmo esta.” A realidade, porém, não é inexoravelmente esta. Está sendo esta como poderia ser outra e é para que seja outra que precisamos, os progressistas, lutar. Eu me sentiria mais do que triste, desolado e sem achar sentido para minha presença no mundo, se fortes e indestrutíveis razões me convencessem de que a existência humana se dá no domínio da
determinação. Domínio em que dificilmente se poderia falar de opções, de decisão, de liberdade, de ética. “Que fazer? A realidade é assim mesmo”, seria o discurso universal. Discurso monótono, repetitivo, como a própria existência humana. Numa história assim determinada, as posições rebeldes não têm como tornar-se revolucionárias.

Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível

Uma das questões centrais com que temos de lidar é a promoção de posturas rebeldes em posturas revolucionárias que nos engajam no processo radical de transformação do mundo. A rebeldia é ponto de partida indispensável, é deflagração da justa ira, mas não é suficiente. A rebeldia enquanto denúncia precisa se alongar até uma posição mais radical e crítica, a revolucionária, fundamentalmente anunciadora. A mudança do mundo implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de superação, no fundo, o nosso sonho.

É a partir deste saber fundamental: mudar é difícil mas é possível, que vamos programar nossa ação político – pedagógica, não importa se o projeto com o qual nos comprometemos é de alfabetização de adultos ou de crianças, se de ação sanitária, se de evangelização, se de formação de mão – de – obra técnica.

(...)não posso de maneira alguma, nas minhas relações políticos-pedagógicas com os grupos populares, desconsiderar seu saber de experiência feito. Sua explicação do mundo de que faz parte a compreensão de sua própria presença no mundo. E isso tudo vem explicitado ou sugerido ou escondido no que chamo “leitura do mundo” que precede sempre a “leitura da palavra”.

A alfabetização, por exemplo, numa área de miséria, só ganha sentido na dimensão humana se, com ela, se realiza uma espécie de psicanálise histórico-político-social de que vá resultando a extrojeção da culpa indevida. A isto corresponde a “expulsão” do opressor de “dentro” do oprimido, enquanto sombra invasora. Sombra que, expulsa pelo oprimido, precisa de ser substituída por sua autonomia e sua responsabilidade. Salientese contudo que, não obstante a relevância ética e política do esforço conscientizador que acabo de sublinhar, não se pode parar nele, deixando-se relegado para um plano secundário o ensino da escrita e da leitura da palavra. Não podemos, numa perspectiva democrática, transformar uma classe de alfabetização num espaço em que se proíbe toda reflexão em torno da razão de ser dos fatos nem tampouco num “comício libertador”.

Ensinar exige curiosidade

Se há uma prática exemplar como negação da experiência formadora é a que dificulta ou inibe a curiosidade do educando e, em conseqüência, a do educador. É que o educador que, entregue a procedimentos autoritários ou paternalistas que impedem ou dificultam o exercício da curiosidade do educando, termina por igualmente tolher sua própria curiosidade. (...)O bom clima pedagógicodemocrático é o em que o educando vai aprendendo à custa de sua prática mesma que sua curiosidade como sua liberdade deve estar sujeita a limites, mas em permanente exercício. Limites eticamente assumidos por ele. Minha curiosidade não tem o direito de invadir a privacidade do outro e expô-lo aos demais

A construção ou a produção do conhecimento do objeto implica o exercício da curiosidade, sua capacidade crítica de “tomar distância” do objeto, de observá-lo, de delimitá-lo, de cindi-lo, de “cercar” o objeto ou fazer sua aproximação metódica, sua capacidade de comparar, de perguntar.

A dialogicidade não nega a validade de momentos explicativos, narrativos em que o professor expõe ou fala do objeto. O fundamental é que o professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos.

Outro saber indispensável à prática educativo-crítica é o de como lidaremos com a relação autoridade-liberdade, sempre tensa e que gera disciplina como indisciplina. Resultando da harmonia ou do equilíbrio entre autoridade e liberdade, a disciplina implica necessariamente o respeito de uma pela outra, expresso na assunção que ambas fazem de limites que não podem ser transgredidos.


ENSINAR É UMA ESPECIFICIDADE HUMANA

Que possibilidade de expressar-se, de escrever, vem tendo a minha curiosidade? Creio que uma das qualidades essenciais que a autoridade docente democrática deve revelar em suas relações com as liberdades dos alunos é a segurança em si mesma. É a segurança que se expressa na firmeza com quem atua, com que decide, com que respeita as liberdades, com que discute suas próprias posições, com que aceita rever-se. Segura de si, a autoridade não necessita de, a cada instante, fazer o discurso sobre sua existência, sobre si mesma. Não precisa perguntar a ninguém, certa de sua legitimidade, se “sabe com quem está falando?” Segura de si, ela é por que tem autoridade, porque a exerce com indiscutível sabedoria.

Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade
A incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor. Outra qualidade indispensável à autoridade em suas relações com as liberdade é a generosidade. Não há nada mais que inferiorize mais a tarefa formadora da autoridade do a mesquinhez com que se comporte.

A autoridade coerentemente democrática está convicta de que a disciplina verdadeira não existe na estagnação, no silêncio dos silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, na dúvida que instiga, na esperança que desperta.

O educando que exercita sua liberdade ficará tão mais livre quanto mais eticamente vá assumindo a responsabilidade de suas ações. Decidir é romper e, para isso, preciso correr o risco.

Se recusa, de um lado, silenciar a liberdade dos educandos, rejeita, de outro, a sua supressão do processo de construção de boa disciplina. (...)O ensino dos conteúdos implica o testemunho ético do professor.

Outro saber que devo trazer comigo e que tem que ver com quase todos os de que tenho falado é o de que não é possível exercer a atividade do magistério como se nada ocorresse conosco. Como impossível seria sairmos na chuva expostos totalmente a ela, sem defesas, e não nos molhar. Não posso ser professor sem me por diante dos alunos, sem revelar com facilidade ou relutância minha maneira de ser, de pensar politicamente.

Se a minha opção é democrática, progressista, não posso ter uma prática reacionária, autoritária, elitista. Não posso discriminar o aluno em nome de nenhum motivo.

Precisamos aprender a compreender a significação de um silêncio, ou de um sorriso ou de uma retirada da sala. O tom menos cortês com que foi feita uma pergunta. Afinal, o espaço pedagógico é um texto para ser constantemente lido, interpretado, escrito e reescrito. Neste sentido, quanto mais solidariedade exista entre o educador e educandos no trato deste espaço, tanto mais possibilidades de aprendizagem democrática se abrem na escola.

Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo.

Ao reconhecer que, precisamente porque nos tornamos seres capazes de observar, se comparar, de avaliar, de escolher, de decidir, de intervir, de romper, de optar, nos fizemos seres éticos e se abriu para nós a probabilidade de transgredir a ética, jamais poderia aceitar a transgressão como direito mas como uma possibilidade.

É importante que os alunos percebam o esforço que faz o professor ou a professora procurando sua coerência.

Ensinar exige liberdade e autoridade

A liberdade amadurece no confronto com outras liberdades, na defesa de seus direitos em face da autoridade dos pais, do professor, do estado. É claro que, nem sempre, a liberdade do adolescente faz a melhor decisão com relação a seu amanhã. É indispensável que os pais tomem parte das discussões com os filhos em torno desse amanhã. Não podem nem devem omitir-se mas precisam saber e assumir, que o futuro de seus filhos é de seus filhos e não seu. É preferível, para min, reforçar o direito que tem a liberdade de decidir, mesmo correndo o risco de não acertar, a seguir a decisão dos pais. É decidindo que se aprende a decidir. Não posso aprender a ser eu mesmo se não decido nunca, porque há sempre a sabedoria e a sensatez de meu pai e minha mãe a decidir por mim.

O que é preciso, fundamentalmente mesmo, é que o filho assuma eticamente, responsavelmente, sua decisão, fundante de sua autonomia. Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas.

A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiência respeitosas da liberdade.

Ensinar exige tomada consciente de decisões

A educação não vira política por causa da decisão deste ou daquele educador. Ela é política.

O educador e a educadora críticos não podem pensar que, a partir do curso que coordenam ou do seminário que lideram, podem transformar o país. Mas podem demonstrar que é possível mudar. E isto reforça nele ou nela a importância de sua tarefa político-pedagógica.

Ensinar exige saber escutar

Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é falando dos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fôssemos os portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles. Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas condições , precise de falar a ele. O que jamais faz quem aprende a escutar para poder falar com é falar impositivamente. Até quando, necessariamente, fala contra posições ou concepções do outro, fala com ele como sujeito da escuta de sua fala crítica e não como objeto de seu discurso. O educador que escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso, às vezes necessário, ao aluno, em uma fala com ele.

A importância do silêncio no espaço da comunicação é fundamental. De um lado, me proporciona que, ao escutar, como sujeito e não como objeto, a fala comunicante de alguém, procure entrar no movimento interno do seu pensamento, virando linguagem, de outro, torna possível a quem fala, realmente comprometido com comunicar e não fazer puros comunicados, escutar a indagação, a dúvida, a criação de quem escutou. Fora disso, fenece a comunicação.

Sou tão melhor professor, então, quanto mais eficazmente consiga provocar o educando no sentido de que prepare ou refine sua curiosidade, que deve trabalhar com minha ajuda, com vistas a que produza sua inteligência do objeto ou do conteúdo de que falo. Na verdade, meu papel como professor, ao ensinar o conteúdo a ou b, não é apenas o de me esforçar para, com clareza máxima, descrever a substantividade do conteúdo para que o aluno o fixe. Meu papel fundamental, ao falar com clareza sobre o objeto, é iniciar o aluno a fim de que ele, com os materiais que ofereço, produza a compreensão do objeto em lugar de recebe-la, na integra, de mim. Ele precisa de se apropriar da inteligência do conteúdo para que a verdadeira relação de comunicação entre mim, como professor, e ele, como aluno se estabeleça. É por isso, repito, que ensinar não é transferir conteúdo a ninguém, assim como aprender não é memorizar o perfil do conteúdo transferido no discurso vertical do professor. Ensinar e aprender tem que ver com o esforço metodicamente crítico do professor de desvelar a compreensão de algo e com o empenho igualmente crítico do aluno de ir entrando como sujeito em aprendizagem,, no processo de desvelamento que o professor ou professora deve deflagrar. Isso não tem nada que ver com a transferencia de conteúdo e fala da dificuldade mas, ao mesmo tempo, da boniteza da docência e da discência.

Escutar é obviamente algo que vai mais além da possibilidade auditiva de cada um. Escutar, no sentido aqui discutido, significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro. (...)é escutando bem que me preparo para melhor me colocar ou melhor me situar do ponto de vista das idéias. Como sujeito que se dá ao discurso do outro, sem preconceitos, o bom escutador fala e diz de sua posição com desenvoltura. Precisamente porque escuta, sua fala discordante, em sendo afirmativa, porque escuta, jamais é autoritária.

Sem bater fisicamente no educando o professor pode golpeá-lo, impor-lhe desgostos e prejudicá-lo no processo de sua aprendizagem. A resistência do professor, por exemplo, em respeitar a “ leitura de mundo” com que o educando chega á escola, obviamente condicionada por sua cultura de classe e revelada em sua linguagem , também de classe, se constitui em um obstáculo à sua experiência de conhecimento.

O desrespeito à leitura de mundo do educando revela o gosto elitista, portanto antidemocrático, do educador que, desta forma, não escutando o educando, com ele não fala. Nele deposita seus comunicados.

Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica.

Saber igualmente fundamental à prática educativa do professor ou da professora é o que diz respeito à força, às vezes maior do que pensamos. Da ideologia. É o que nos adverte de suas manhas, das armadilhas em que nos faz cair. É que a ideologia tem que ver diretamente com a ocultação da verdade dos fatos, com o uso da linguagem para penumbrar ou opacizar a realidade ao mesmo tempo em que nos torna "míopes".

A própria "miopia" que nos acomete dificulta a percepção mais clara, mais nítida da sombra. Mais séria ainda é a possibilidade que temos de docilmente aceitar que o que vemos e ouvimos é o que na verdade é, e não a verdade distorcida. A capacidade de penumbrar a realidade, de nos "miopizar", de nos ensurdecer que tem a ideologia faz, por exemplo, a muitos de nós, aceitar docilmente o discurso cinicamente fatalista neoliberal que proclama ser o desemprego no mundo uma desgraça do fim do século. Ou que os sonhos morreram e que o válido hoje é o "pragmatismo" pedagógico, é o treino técnico-científico do educando e não sua formação de que já não se fala. Formação que, incluindo a preparação técnico-científica, vai mais além dela.

Uma das eficácias de sua ideologia fatalista é convencer os prejudicados das economias submetidas de que a realidade é assim mesmo, de que não há nada a fazer mas a seguir a ordem natural dos fatos. Pois é como algo natural ou quase natural que a ideologia neoliberal se esforça por nos fazer entender a globalização e não como uma produção histórica.

O discurso da globalização que fala da ética esconde, porém, que a sua é a ética do mercado e não a ética universal do ser humano, pela qual devemos lutar bravamente se optarmos, na verdade, por um mundo de gente. O discurso da globalização astutamente oculta ou nela busca penumbrar a reedição intensificada ao máximo, mesmo que modificada, de medonha malvadez com que o capitalismo aparece na História. O discurso ideológico da globalização procura disfarçar que ela vem robustecendo a riqueza de uns poucos e verticalizando a pobreza e a miséria de milhões. O sistema capitalista alcança no neoliberalismo globalizante o máximo de eficácia de sua malvadez intrínseca.

É na minha disponibilidade permanente á vida a que me entrego de corpo inteiro, pensar crítico, emoção, curiosidade, desejo, que vou aprendendo a ser eu mesmo em minha relação com o contrário de mim. E quanto mais me dou à experiência de lidar sem medo, sem preconceito, com as diferenças, tanto melhor me conheço e construo meu perfil.

Ensinar exige disponibilidade para o diálogo.

Como professor não devo poupar oportunidade para testemunhar aos alunos a segurança com que me comporto ao discutir um tema, ao analisar um fato, ao expor minha posição em face de uma decisão governamental. Minha segurança não repousa na falsa suposição de que sei tudo, de que sou o "maior". Minha segurança se funda na convicção de que sei algo e de que ignoro algo que se junta a certeza de que posso saber melhor o que já sei e conhecer o que ainda não sei. Minha segurança se alicerça no saber confirmado pela própria existência de que, se minha inconclusão, de que sou consciente, atesta, de um lado, minha ignorância, me abre, de outro, o caminho para conhecer.

Me sinto seguro porque não há razão para me envergonhar por desconhecer algo.

O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História.

Certa vez, numa escola da rede municipal de São Paulo que realizava uma reunião de quatro dias com professores e professoras de dez escolas da área para planejar em comum suas atividades pedagógicas, visitei uma sala em que se expunham fotografias das redondezas da escola. Fotografias de ruas enlameadas, de ruas bem postas também. Fotografias de recantos feios que sugeriam tristeza e dificuldades. Fotografias de corpos andando com dificuldade, lentamente, alquebrados, de caras desfeitas, de olhar vago. Um pouco atrás de mim dois professores faziam comentários em torno do que lhes tocava mais perto. De repente, um deles afirmou: "Há dez anos ensino nesta escola. Jamais conheci nada de sua redondeza além das ruas que lhe dão acesso. Agora, ao ver esta exposição de fotografias que nos revelam um pouco de seu contexto, me convenço de quão precária deve ter sido a minha tarefa formadora durante todos estes anos. Como ensinar, como formar sem estar aberto ao contorno geográfico, social, dos educandos?"

A formação dos professores e das professoras devia insistir na constituição deste saber necessário e que me faz certo desta coisa óbvia, que é a importância inegável que tem sobre nós o contorno ecológico, social e econômico em que vivemos.

Não podemos nos pôr diante de um aparelho de televisão "entregues" ou "disponíveis" ao que vier. Quanto mais nos sentamos diante da televisão -há situações de exceção- como quem, em férias, se abre ao puro repouso e entretenimento, tanto mais risco corremos de tropeçar na compreensão de fatos e de acontecimentos. A postura crítica e desperta nos momentos necessários não pode faltar. (...)Talvez seja melhor contar de um a dez antes de fazer a afirmação categórica a que Wright Mills se refere: "É verdade, ouvi no noticiário das vinte horas."

Ensinar exige querer bem aos educandos

Não é certo, sobretudo do ponto de vista democrático, que serei tão melhor professor quanto mais severo, mais frio, mais distante e "cinzento" me ponha nas minhas relações com os alunos, no trato dos objetos cognoscíveis que devo ensinar. A afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade. O que não posso obviamente permitir é que minha afetividade interfira no cumprimento ético de meu dever de professor no exercício de minha autoridade. Não posso condicionar a avaliação do trabalho escolar de um aluno ao maior ou menor bem querer que tenha por ele.

É digna de nota a capacidade que tem a experiência pedagógica para despertar, estimular e desenvolver em nós o gosto de querer bem e o gosto da alegria sem a qual a prática educativa perde o sentido. É esta força misteriosa, às vezes chamada vocação, que explica a quase devoção com que a grande maioria do magistério nele permanece, apesar da imoralidade dos salários. E não apenas permanece, mas cumpre, como pode,
seu dever. Amorosamente, acrescento.

A prática educativa é tudo isso: afetividade, alegria, capacidade científica, domínio técnico a serviço da mudança ou, lamentavelmente, da permanência do hoje. É exatamente esta permanência do hoje neoliberal que a ideologia contida no discurso da "morte da História" propõe.

Lido com gente e não com coisas. E porque lido com gente, não posso, por mais que, inclusive, me dê prazer entregar-me à reflexão teórica e crítica em torno da própria prática docente e discente, recusar a minha atenção dedicada e amorosa à problemática mais pessoal deste ou daquele aluno ou aluna. Desde que não prejudique o tempo normal da docência, não posso fechar-me a seu sofrimento ou à sua inquietação porque não sou terapeuta ou assistente social. Mas sou gente. O que não posso, por uma questão de ética e de respeito profissional, é pretender passar por terapeuta. Não posso negar a minha condição de gente de que se alonga, pela minha abertura humana, uma certa dimensão terápica.

Foi convencido disto que, desde jovem, sempre marchei de minha casa para o espaço pedagógico onde encontro os alunos, com quem comparto a prática educativa. Foi sempre como prática de gente que entendi o que fazer docente. De gente inacabada, de gente curiosa, inteligente, de gente que pode saber, que pode por isso ignorar, de gente que, não podendo passar sem ética se tornou contraditoriamente capaz de transgredí-la. Mas, se nunca idealizei a prática educativa, se em tempo algum a vi como algo que, pelo menos, parecesse com um que fazer de anjos, jamais foi fraca em mim a certeza de que vale a pena lutar contra os descaminhos que nos obstaculizam de ser mais. Naturalmente, o que de maneira permanente me ajudou a manter esta certeza foi a compreensão da História como possibilidade e não como determinismo, de que decorre necessariamente a importância do papel da subjetividade na História, a capacidade de comparar, de analisar, de avaliar, de decidir de romper e por isso tudo, a importância da ética e da política.

É esta percepção do homem e da mulher como seres "programados, mas para aprender" e, portanto, para ensinar, para conhecer, para intervir, que me faz entender a prática educativa como um exercício constante em favor da produção e do desenvolvimento da autonomia de educadores e educandos. Como prática estritamente humana jamais pude entender a educação como uma experiência fria, sem alma, em que os sentimentos e as emoções, os desejos, os sonhos devessem ser reprimidos por uma espécie de ditadura reacionalista. Nem tampouco jamais compreendi a prática educativa como uma experiência a que faltasse o rigor em que se gera a necessária disciplina intelectual.

Estou convencido, porém de que a rigosidade, a séria disciplina intelectual, o exercício da curiosidade epistemológica não me fazem necessariamente um ser malamado, arrogante, cheio de mim mesmo. Ou, em outras palavras, não é a minha arrogância intelectual a que fala de minha rigorosidade científica. Nem a arrogância é sinal de competência nem a competência é causa de arrogância. Não nego a competência , por outro lado, de certos arrogantes, mas lamento neles a ausência de simplicidade que, não diminuindo em nada seu saber, os faria gente melhor. Gente mais gente.



Resumo sucinto Pedagogia da Autonomia – Paulo Freire - Fonte: Net Saber Resumos

Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.
Não existe docência sem discente, por isto o discente é a única razão do docente estar ali, mas ensinar exige rigoroso metódico, não deixando escapar nenhum detalhe em seus discentes, e deve despertar no educando a curiosidade e capacidade crítica, ensinar exige pesquisa, não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino, busco o ensino porque perguntei e porque pergunto. Pesquiso para constatar, aquilo que já sei, educo e me educo. Pesquiso para conhecer e o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.
Ensinar exige respeito aos educandos, exige criticidade, deixar de ser ingênuo e passar a ser crítico, mas no sentido de ser curioso, seja em forma de pergunta ou não isto gera o fenômeno da aprendizagem, tudo isto acompanhado da ética e da estética porque ética e beleza andam sempre de mão dadas, ensinar exige dar vida às palavras pelo exemplo, o professor que não consegue traduzir aquilo que diz em exemplos práticos, de nada serve o que ele fala, saber quer dizer segurança no que diz. Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação, exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural, exige consciência de que nunca esta acabado e sim que tudo recomeça, exige o reconhecimento de ser condicionado, exige respeito à autonomia, exige bom senso, exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores, exige entender a realidade e não ficar alheio a ela, exige a convicção de que a mudança é possível, exige segurança, competência profissional e generosidade, exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo, exige liberdade e autoridade, exige tomada consciente de decisões, e saber escutar que é muito importante e ser aberto ao diálogo, exige reconhecer que a educação é ideológica, exige querer bem aos educandos, e por fim exige alegria e esperança, nos homens que fazem as leis deste pais e na instituição família que apesar de tudo continua sendo um porto seguro para aqueles que não entendem e não aceitam as violências praticadas por quem tem o poder o conseqüentemente a força.

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2 - METODOLOGIA DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO

Resumo aula 1 - Apresentação e a importância da pesquisa no processo de formação docente

Historicamente, a formação de professores foi concebida de acordo com o pensamento dominante na sociedade e com as concepções do que era necessário para formar um professor competente para o exercício da docência. Durante muito tempo acreditou-se que um bom professor precisava apenas dominar os conteúdos da sua disciplina e ser um bom transmissor desses.

A questão colocada por COMENIUS – como ensinar tudo a todos – passou a ser prioritária. Era preciso, então, adequar as técnicas e os métodos de ensino à idade dos alunos, ao conteúdo das disciplinas e aos objetivos específicos. Assim, foram empregados muitos esforços no desenvolvimento de disciplinas como Didática, Metodologia de Ensino e Prática de Ensino.

Fundamentando essas preocupações estavam estudos baseados nas disciplinas de Sociologia, Filosofia, Psicologia e História. A partir dessas disciplinas, cujos conhecimentos se apresentam mais formalizados e teóricos e referem-se aos fundamentos da ação educativa, foram organizadas, criadas e implantadas as disciplinas da chamada área de FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO.

AUGUSTE COMTE (precursor do pensamento positivista), entendia que as ciências sociais deviam se adaptar aos métodos e técnicas das ciências naturais de modo a “aperfeiçoar”, cientificamente, os conhecimentos que produziam.

Chegar ao momento da prática, apenas no final do curso, e descobrir que os modelos idealizados pelas teorias geralmente não correspondem ao real, empobrece as possibilidades criativas que podemos desenvolver através do diálogo teoria-prática ao longo do curso.

POR QUE A PESQUISA É TÃO IMPORTANTE NA FORMAÇÃO DOCENTE ?

Entendemos a pesquisa desde o 1º período como um dos elementos de inovação e de desafio desse curso. Não concordamos com a idéia de que a prática só deve vir depois da teoria. Queremos que a formação de vocês seja mais completa, incluindo processos de reflexão e de organização dessa reflexão, vinculados à realidade de cada um.

Poder estabelecer um diálogo entre a prática pedagógica e os elementos teóricos que dela fazem parte; ter acesso a novos conhecimentos que possam facilitar a compreensão de problemas reais enfrentados no cotidiano das escolas; articular os saberes tecidos a partir da experiência, com os saberes formais que sustentam ou desautorizam as práticas; esses são os objetivos mais importantes da formação.

O professor-pesquisador é aquele que articula prática e teoria, buscando desenvolver práticas político-pedagógicas, cada vez mais conscientes e capazes de ajudar os alunos nos seus processos de aprendizagem.

Mas que pesquisa, então, pode ser feita desde o início do curso?
Exatamente aquela que mais nos interessa, aquela que se dá no cotidiano das ESCOLAS ONDE TRABALHAMOS, na vida de todo dia, nos pequenos ou grandes problemas que enfrentamos para trabalhar com nossos alunos, os sucessos que temos quando fazemos uma atividade prazerosa ou bem-sucedida pedagogicamente, as relações com os colegas de trabalho, com nossos alunos e com outros membros da comunidade escolar, entre tantas outras coisas que acontecem todo dia nas escolas.

formar professores capazes de modificar as práticas desenvolvidas através de estudos e diálogos entre as teorias e os outros saberes que possuem, procurando coletivizar experiências boas, inserindo-se mais efetivamente nos projetos e propostas de trabalho das escolas onde atuam. Para isso, além dos elementos fundamentais ao trabalho de pesquisa, de métodos e técnicas adequados aos mais diversos interesses
que vocês possam ter, também estaremos trabalhando com saberes necessários à elaboração de PROJETOS POLÍTICO-PEDAGÓGICOS.

PROJETOS POLÍTICO-PEDAGÓGICOS
É o nome atribuído a uma proposta formulada pelo coletivo de uma escola e que trata tanto das formas de organização decisória quanto de questões relacionadas aos currículos e às metodologias de ensino que, consensualmente, a escola decidiu adotar.


Resumo aula 2 - Tópicos relacionados às atividades de pesquisa na formação do professor

As pessoas que freqüentam uma escola, sejam elas alunos, professores, diretores ou responsáveis, vivem esse cotidiano em todos os aspectos de sua personalidade e individualidade, mas sem condições de “aguçá-lo em toda a sua intensidade”. Por quê? Porque o cotidiano também está nas entrelinhas, em algumas subjetividades e objetividades dos sujeitos, já que a participação de tais sujeitos neste cotidiano contém aspectos de suas vivências, experimentadas fora deste cotidiano.
Como ainda afirma Agnes Heller (2000), a “significação da vida cotidiana, tal como o seu conteúdo, não é apenas heterogênea, mas igualmente hierárquica” (p. 18). Esse fato é percebido quando desvalorizam-se a cultura e a realidade trazidas pelo aluno para o cotidiano escolar, quando certos conteúdos curriculares são colocados em segundo plano, em detrimento de outros.

É importante o professor adotar uma postura reflexiva, questionadora e, portanto, de pesquisador do seu próprio cotidiano.

O saber em Educação, como em outras áreas do conhecimento, ocorre, rotineiramente, nas universidades e nos institutos de pesquisa. Essa produção do conhecimento tem como suporte a atividade de pesquisa e funciona como instrumentação orientada para gerar ciência, construir o saber, manter a COMUNIDADE atualizada e questionar o conhecimento já existente com rigor e continuidade (NUNES SOBRINHO, 1996, p. 32).
Entretanto, o ambiente da escola se constitui, também, em espaço para a realização de pesquisas administradas pelo próprio corpo docente. O Projeto Político-Pedagógico, por exemplo, favorece a possibilidade do exercício de variadas modalidades de pesquisa em condições diversas. Nesse aspecto, destacamos a necessidade do aluno, dos cursos de formação de professores, aprender a tomar decisões sobre as modalidades e a condução de projetos de pesquisa no contexto educacional.

Cabe às universidades, portanto, a responsabilidade de produzir o conhecimento e de torná-lo acessível a todos (PAVIANI e BOTOMÉ, 1994, p. 12). A pesquisa em Educação caracteriza-se por ser uma atividade que pode ser desenvolvida individual e coletivamente entre especialistas, ou ainda em parceria com outros órgãos da própria universidade, ou mesmo fora dela (RECHE, 2001).
Segundo Zeichner (1994, p. 220), sem abrir-se mão do conhecimento produzido na universidade, admite-se que os professores comuns também desenvolvem teorias contribuintes para a constituição de uma base de conhecimento sobre o ensino. Para o autor, o aperfeiçoamento da escola não pode basear-se, exclusivamente, no conhecimento produzido nas universidades. Paradoxalmente, mesmo que as mudanças propostas, em Educação, tenham as suas bases na pesquisa científica, a transição do saber construído para o seu consumo não é tão tranqüila e imediata quanto poderia ser. Um dos motivos pelos quais os resultados de pesquisa não chegam a ser integrados à prática escolar é a forma como ocorre a comunicação entre o pesquisador e o professor de sala de aula.
Neste sentido, Stenhouse (1987) afirma que os resultados de uma investigação devem ser submetidos à crítica daqueles que possuem uma experiência mais educativa do que de pesquisa, e que estejam dispostos a analisar tais resultados à luz de sua experiência. Deste modo, os docentes, com base em seu fazer pedagógico, podem acrescentar aspectos significativos para a construção do conhecimento.
Para compreender o conceito de uma inovação e aplicar este conhecimento em sua sala de aula, os professores deverão ter a oportunidade de discutir as novas intervenções com colegas, aprender sobre os conceitos subjacentes e intenções. De fato, abandonar velhos hábitos e assumir mudanças implica envolvimento do grupo de professores como um todo. Além disso, deverão compreender, também, as mudanças que ocorrem no processo de aprendizagem dos alunos, provocadas pelas mudanças na instrução.
Um erro comum entre os pesquisadores é coletar e organizar os dados referentes ao desempenho dos estudantes, sem ajudar o professor a utilizá-los de forma produtiva em sala de aula. Em se tratando de avaliação quantitativa, por exemplo, o professor percebe mais o que acontece com o desempenho do aluno do que propriamente o que os dados estão apontando.

Cabe à direção da escola criar situações que favoreçam e encorajem os professores na aplicação de conceitos e princípios inovadores. Os administradores educacionais podem reforçar o comportamento dos professores no sentido de compartilharem responsabilidades, para tomadas de decisão sobre o seu trabalho docente.
Quando a administração da escola favorece a disseminação dos resultados de uma pesquisa bem-sucedida, por professores da mesma escola, é provável que essa atitude possa influenciar os colegas na adoção de tais procedimentos. Um dos mecanismos para garantir a união entre professores e pesquisadores são os diálogos colaborativos.
Até recentemente, os pesquisadores percebiam os professores como consumidores potenciais de resultados de pesquisa, mais do que mediadores do conhecimento. Atualmente, aceitamos que o conhecimento dos professores, as suas crenças e saberes afetam as suas interpretações e os modos como implementam a prática instrucional com base na pesquisa. O professor passa a ser reconhecido como gerador de conhecimento e a produção desse saber, como uma responsabilidade compartilhada entre ele e a comunidade científica.

A produção de conhecimento tem como suporte a atividade de pesquisa e funciona como instrumentação, orientada para gerenciar ciência, construir o saber, manter a comunidade atualizada e questionar com rigor e continuamente. A literatura científica aponta obstáculos para a utilização da técnica e dos procedimentos gerados pela pesquisa, assim como a manutenção desses recursos, em Educação. Um dos motivos pelos quais os resultados de pesquisa não chegam a ser integrados à prática escolar é a forma como ocorre a comunicação entre o pesquisador e o professor de sala de aula e que um erro comum entre os pesquisadores é coletar e organizar os dados referentes ao desempenho dos estudantes, sem ajudar o professor a utilizá-los de forma produtiva em sala de aula. A colaboração entre professor e pesquisador permite a troca de conhecimentos, melhorando as práticas instrucionais, permitindo maiores oportunidades de acesso ao acervo de pesquisa e promovendo reflexões e questionamentos permanentes.



Resumo aula 10 - Saberes cotidianos e saberes formais: uma falsa oposição

Todos nós começamos nossa aprendizagem quando nascemos.
Concluímos, desse modo, que é através dos SABERES DA EXPERIÊNCIA, ou seja, experiências vivenciadas no nosso cotidiano, que aprendemos muito daquilo que usamos para estar no mundo e conviver com o outro.
Ao considerarmos, portanto, a vida cotidiana como fonte de aprendizagem e de influência sobre os nossos comportamentos individuais e sociais, somos levados a questionar a idéia de que os processos escolares de aprendizagem estão dissociados dos demais. É como se, no interior de cada um de nós houvesse um “botão de desligar”, separando a nossa vida fora da escola dos momentos em que estamos sendo submetidos às aulas formais sobre conteúdos de ensino.

Esses processos cotidianos de formação e de aprendizagem envolvem acasos, imprevistos, redes de informações e estímulos que nos chegam e se tornam conhecimentos novos a todo momento. Desse modo, podemos dizer que os nossos processos de aprendizagem não são nem lineares, nem previsíveis.
As redes de saberes tecidas a partir de todas as formas de interação com o mundo definem, portanto, as opiniões e idéias que desenvolvemos a respeito do ambiente que nos cerca.

Percebemos, então, que os processos de aprendizagem, pelos quais passamos em nossas vidas, se articulam uns com os outros formando as redes de subjetividades que cada um de nós é (SANTOS, 1995). São essas redes que definem o que somos e o que nos tornamos, ao longo dos processos de formação de nossas identidades, construídas pela articulação entre os múltiplos saberes que aprendemos cotidianamente – tanto aqueles instituídos formalmente como tais, quanto os que se originam e tecem nas práticas sociais que desenvolvemos.
O objetivo dessa discussão é superar a dicotomia e a hierarquia entre esses saberes diversos, produzidas e legitimadas pelo pensamento ocidental moderno, e que se manifesta através dos pares de idéias opostas, tais como: certo e errado, bom e mau, verdade e mentira. Podemos, assim, entrar no universo da noção de tessitura do conhecimento em redes. A partir dessa noção, os diversos saberes são entendidos como ‘diferentes mas não desiguais’ e, portanto, não hierarquizáveis.

Aprendemos através das práticas sociais que desenvolvemos e com as quais convivemos, sejam elas ligadas aos discursos e saberes formais com os quais entramos em contato, sejam elas ligadas ao que vivemos na rua, na escola, em casa, nas conversas com os amigos, nas leituras que fazemos, na TV que assistimos. Todos esses saberes estão sempre e permanentemente articulados, sendo, portanto, impossível destacar este ou aquele tipo de experiência como mais ou menos relevante na nossa formação.
Os processos reais de aprendizagem são dinâmicos e ininterruptos durante toda nossa vida e incluem, nas nossas redes de conhecimento, tudo aquilo a que podemos atribuir sentido quando entramos em contato. Aprendemos o que nos é ensinado e também o que não é, através dos contatos que mantemos nos diversos espaços sociais nos quais nos inserimos.
Por isso não podemos nem devemos agir dentro da escola como se a criança que ali chegasse pudesse descartar sua história de vida e seus saberes anteriores, para aprender a partir apenas das “lições” escolares os saberes necessários à sua vida.
A oposição entre os saberes aprendidos na vida cotidiana e os saberes formais, presentes na escola ou em outras situações oficiais de aprendizagem não se justifica, pois cada sujeito, ao aprender coisas novas, enreda-as aos seus saberes anteriores, modificando-os e às suas possibilidades de ação sobre o mundo.

Entendendo os processos de aprendizagem dessa forma, perde o sentido até a idéia de que existe uma diferença fundamental entre os diversos saberes, que os saberes formais são utilizados no cotidiano tanto quanto os saberes cotidianos são usados quando estamos em processos formais de ensino e aprendizagem, à medida que estes diversos saberes interagem formando redes de saberes.


Resumo aula 11 - As redes de saberes tecidas pelos sujeitos sociais

O ser humano constrói sua estrutura de personalidade no interior de uma trama de relações sociais na qual ele está inserido. Podemos, por exemplo, nos reportar ao antigo ditado popular “dize-me com quem andas e te direi quem és”. Com isto estamos dizendo que todos nós construímos nossos saberes e fazeres dentro de um conjunto de relações sociais das quais participamos ativamente.
Uma das características do ser humano é ser prático, ativo, já que é por suas ações que ele modifica o meio ambiente, moldando-o para atender às suas necessidades. Enquanto transforma a realidade à sua volta, ele constrói a si mesmo, tecendo sua rede de saberes, através da qual irá interagir com seu meio social, determinar suas ações, suas reações, suas convivências sadias ou neuróticas, enfim, todas as suas práticas sociais. Portanto, não é possível compreender o ser humano através do estudo isolado de cada uma das partes que o constituem. Como nos diz Morin (1996, p.2), ao observarmos uma sociedade, verificaremos que nela há interações entre indivíduos.

Essas interações formam um conjunto, uma rede em que todos os elementos constitutivos deste grupo social estão presentes, desde a língua, que serve como meio básico de comunicação entre seus membros, até a cultura que permite aos indivíduos
desenvolverem-se como tal. Assim sendo, vemos que é necessário o desenvolvimento de um modo de aprendizagem que permita ao indivíduo compreender como as organizações, os sistemas sociais, produzem os conhecimentos que os constituem e estabelecem as estruturas fundamentais que orientarão seu relacionamento com o mundo onde vive.

Como afirmava KARL MARX, as sociedades constituem-se em fenômenos históricos, já que os indivíduos se constroem uns aos outros, física e espiritualmente. Nós convivemos com nossos semelhantes em casa, no colégio, no mercado, nos clubes. Nós estamos sempre em contato com outras pessoas e através desta convivência aprendemos e ensinamos coisas. Todo nosso modo de ser e de nos comportarmos é fruto de nossa vida em sociedade.
Para sobreviver, os homens constroem coisas e objetos, criam modos de vida em comum, elaboram idéias e conceitos que regem as inter-relações pessoais entre os membros da sua comunidade. O conjunto destas criações forma o que denominamos de conhecimento.

Para Alves, Rede de Saberes formadas nos processos múltiplos e diferentes dentro das inúmeras relações que os sujeitos todos, em seus contatos cotidianos, tecem, destecem e tecem outra vez, no espaço-tempo do aqui e agora

Castells (2000, p. 498) define rede como sendo um conjunto de nós interconectados. Segundo este autor, cada um destes nós representa um ponto de inflexão na construção do conhecimento, bem como a interconexão com outros conhecimentos vindos de outras fontes. A estrutura concreta de cada um destes pontos irá variar, de acordo com o tipo de rede concreta que está estabelecida.
Na construção de uma rede de saberes, todos os membros da sociedade são parceiros possíveis, contribuindo com seus conhecimentos, suas práticas, valores e crenças. Estas contribuições não são estáticas, muito ao contrário, encontram-se em permanente mudança.
Assim, onde conceitos e valores considerados, em determinado momento, como verdades incontestáveis; em outro, podem ser considerados como algo ultrapassado e totalmente descartável.
Podemos dizer que não há apenas um único saber, mas uma rede de saberes que não é e nem se constrói de forma isolada, mas sim,dentro de um contexto social. Não há um conhecimento global, fruto de um somatório de todos os saberes, mas vários que se articulam com outros tantos, formando uma construção multilinear onde cada um deles é um nó de uma imensa e inacabada rede que a todo instante se atualiza e estabelece novas conexões ou nós.

Podemos dizer, portanto, que a aprendizagem é a construção de conhecimentos onde cada fio da rede dos saberes se encaixa nos outros formando um todo que pretendemos seja coerente e significativo, isto é, que se converta em uma aprendizagem real que perdure por um longo prazo e seja aplicável no cotidiano de quem aprende.
Essas redes são tecidas e desfeitas no contexto da diversidade histórica e cultural em que vivemos e do reconhecimento que temos um do outro. Assim sendo, dar acesso ao conhecimento para todos, de uma forma mais abrangente e global, possibilita aos indivíduos se sentirem parte integrante de um meio que avança para além do espaço comunitário onde vivem e onde podem participar de forma ativa e criativa como cidadão.

Nossos conhecimentos são construídos em forma de uma rede de saberes que pode ser entendida como um processo psicológico e um fenômeno social. A estruturação de nossos saberes, de acordo com este conceito, é destituído de uma estrutura linear e seqüencial de aprendizagem, englobando todas as maneiras de aprender, integrando estruturas afetivas, conceituais e de ação, isto é, reunindo o sentir, o pensar e o fazer no processo de aprendizagem. Esta estruturação, como vimos, tem um caráter social da construção do conhecimento através de múltiplas conexões onde todos são partícipes e co-responsáveis pela construção. O saber produzido circula e se re-estrutura a todo instante, de um modo contínuo e interminável.


Resumo aula 12 - A visão cientificista da construção / aquisição de conhecimento

Nossos conhecimentos organizam-se à semelhança de uma rede em uma estrutura multilinear e atemporal onde todos os fios se unem formando nós. Vimos que este processo começa quando nascemos e sempre estará em funcionamento até nossos últimos dias. É importante ressaltar que uma rede de saberes não representa, necessariamente uma rede de "verdades". As informações que nós recebemos ao longo de nossa vida e que vão dando forma à nossa rede de saberes, nem sempre são verdadeiras e nem sempre as percebemos tais como elas são na realidade. A interpretação que damos aos fatos que percebemos recebem influência, dentre outros fatores mais subjetivos, dos nossos órgãos sensoriais (PERCEPÇÃO) que, por sua vez são influenciados pelos nossos conhecimentos anteriores.

Assim sendo, podemos afirmar que de nossa relação com o mundo que nos cerca, surge o conhecimento e a compreensão da realidade. De um modo geral, os estudiosos dividiram em três as formas básicas para conhecermos o mundo e elas variam conforme o acesso que temos sobre o(s) objeto(s) que desejamos conhecer.

A primeira destas formas é a que nos fornece o conhecimento empírico, cotidiano ou popular. Este tipo de saber nos é fornecido pelos nossos sentidos, como resultado de nossas experiências de vida, casualmente, sem observação metódica ou, até mesmo, por meio da transmissão de geração em geração.

A segunda forma de atingirmos o conhecimento é o teológico que ocorre pela fé ou pela crença humana na existência de uma ou mais divindades. Apresenta-se como um conjunto de verdades aceito pelos homens a partir de uma revelação divina. Neste caso, a aquisição do conhecimento está baseada na autoridade de terceiros que nos apresentam respostas a questões não respondidas de outra maneira e que por serem
“verdades sagradas”, não são questionadas nem postas em dúvida.
A terceira forma de conhecimento preconizada é a do conhecimento científico, lógico ou intelectual. Este tipo de saber, utiliza-se da capacidade do ser humano de ultrapassar a mera captação pelos sentidos. O homem, diferentemente dos outros animais consegue abstrair, analisar, comparar, articular e unir dados gerando conceitos, definições e leis que permitem que ele entenda a realidade do mundo e, como nos diz Luckesi (1995, p. 48-49),

dentro deste mundo no qual somos dados, percebemo-nos diversos dele e compreendemo-lo como “outro”, como um contexto que nos desafia com suas resistências a que o enfrentemos e o tornemos mais nosso, no sentido de que ele seja arrumado e ordenado segundo o nosso modo de ser. Fazemos do mundo, que nos é dado, um mundo propriamente humano: um mundo cultural. E isso se dá pela prática do nosso viver e sobreviver neste mundo. Desde a mais tenra infância até a mais vetusta idade no mundo uma fonte constante de mistérios que nos desafiam a imaginação e a inteligência, na busca de compreensão, na busca de entendimento.

Este autor nos leva a refletir sobre a construção do conhecimento como sendo uma forma “teórico-prática” e ao mesmo tempo “prático-teórica” de compreender a realidade que nos cerca. Desse modo, podemos entender que a compreensão dos nós e dos fios que compõem a nossa rede de saberes ocorre tanto em situações simples do cotidiano quanto nas mais complexas, em instituições e laboratórios científicos.

O processo de conhecimento compreende a interação de, pelo menos, quatro elementos principais: 1) a atividade cognoscitiva do homem; 2) os meios de conhecimento; 3) os objetos do conhecimento, e; 4) os resultados da atividade cognoscitiva.

Com o desenvolvimento do saber experimental e o surgimento do método indutivo, o conceito de ciência passou a ser utilizado, modernamente, para designar o conhecimento teórico derivado da observação e experimentação metódica e sistemática sobre a realidade.
De uma forma geral, podemos considerar como características básicas das ciências ter como objetivo ou finalidade – distinguir características comuns, leis e princípios que regulam os eventos; como função – ampliar e aperfeiçoar a relação do homem com a realidade por meio do conhecimento; e possuir um objeto de investigação – tudo o que se pretende conhecer ou verificar por meio de um método científico.



Resumo metodologia - Aula 13 - A modernidade e a pós-modernidade

O surgimento da modernidade levou a humanidade a uma revolução social que modificou todos os limites geográficos e sociais até então existentes.

Os movimentos sociais ocorridos na Europa no século XVIII, particularmente a REVOLUÇÃO FRANCESA e a REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, vieram contrapor-se a esta situação, ou seja, tiveram como base uma revolução antiburguesa, causando na humanidade uma transformação social sem precedentes na história.... A sociedade experimentou uma tomada de consciência de si própria e passou a buscar a renovação em todos os contextos sociais.
O século XIX trouxe para a sociedade da época uma crise de identidade que invadiu todo o tecido social, alterando a ordem estável e imutável em que tudo – as coisas, as pessoas, as regras, os comportamentos – parecia se situar. Tudo se tornou relativo e mutável.
O cotidiano, que era caracterizado pelo elevado grau de intimidade pessoal, profundidade emocional, compromisso moral, coesão social e continuidade no tempo, passou a ser, a partir do final do século XIX, marcado pelos contatos impessoais, pela distância, pelo retraimento moral, por uma relação mediatizada com a natureza.

Para LYOTARD (1986), a modernidade alterou o entendimento científico ao decretar a falência do senso comum. A ciência voltou-se para as grandes “narrativas legitimadoras”, marcadas pela descoberta da similaridade e não pela busca da diferença como até então.
O homem, que na Antiguidade era tido como sujeito e objeto do conhecimento passou a ser visto como uma construção do pensamento, como uma representação social.
Na primeira metade do século XX, o projeto da modernidade recebe duro golpe vindo das duas Grandes Guerras Mundiais.
Isso, do ponto de vista sociológico, trouxe à tona a discussão da (im)possibilidade da sociedade experimentar projetos coletivos e racionais sem que estes terminassem em conflitos bélicos.
Isso alertou pensadores e cientistas sobre a possibilidade de que a razão não fosse onipotente para conduzir os destinos da sociedade humana. Temos, desta forma, instalada uma crise existencialista na modernidade e uma suspeita da (in)capacidade da ciência de conduzir o processo humano.

Com a continuidade do processo de modernização, chegou-se a um momento em que a vanguarda do moderno não pôde mais prosseguir, porque produziu uma nova linguagem em que não existiam mais (pré)conceitos a serem derrubados ou alterados. A solução para este novo dilema surgiu com o aparecimento de um novo movimento, denominado pelos teóricos pós-moderno. E a resposta encontrada pelo pós-modernismo ao problema da continuidade consistiu em reconhecer que o passado não pode ser destruído porque sua destruição leva ao silêncio. Ele deve, sim, ser revisitado: com ironia, de maneira não inocente, buscando uma reconstrução de paradigmas e de novas estruturas com jeito e fisionomia de moderno.

Esta transposição do moderno para o pós-moderno, no entanto, não é algo que possa ser delimitada no tempo, em uma visão cronológica, tal como aconteceu com o início da modernidade. Ao mesmo tempo em que somos convidados pelo moderno a dar um salto no abismo na busca de novos caminhos, o pós-moderno nos confronta com as incertezas de abandonar a segurança do já estabelecido, preferindo re-significar e dar
novas formas às estruturas de vida.
Assim sendo, o pós-moderno caracteriza-se, não por se tratar de uma novidade, mas sim, por trazer uma reestruturação na categoria do novo. Entretanto, esta nova visão da história do mundo acaba por destruir a idéia de um processo histórico unitário onde cada povo e cada região possui e constrói sua própria história.

No entanto, para que a pós-modernidade possa realizar-se, o homem e o ser devem ser repensados à luz de um modelo não-positivista, não-metafísico. Para tanto, ela deve apresentar-se como uma nova possibilidade de vivenciar o processo histórico e deve ser compreendida, não como uma passagem da experiência do verdadeiro ao domínio do senso comum - relativista, intimista, mas como um campo que tem uma complexidade de sentidos. Um movimento que não se limita a duplicar o que já existe, mas é capaz, inclusive, de criticar e resignificar o homem à luz de uma nova filosofia de vida.

Em resumo, o modernismo surgiu para a humanidade como uma forma de fugir dos padrões existentes até século XVI . Este movimento buscou dar um novo significado ao ser humano, tornando-o sujeito do saber e não mais objeto como era na Antiguidade.
A radical quebra e abandono de paradigmas gerados pelo modernismo gerou insegurança e incertezas. A humanidade percebeu que não pode abandonar tudo o que foi construído ao longo dos séculos para “reinventar a roda”. Isto provocou o surgimento de um novo modo de construir a história – rever velhos conceitos e adaptá-los aos novos tempos.



Resumo Metodologia - Aula 14 - Ciência e poder nas sociedades modernas

Como nos ensina a História, a transformação do mundo medieval em moderno ocorreu através dos movimentos sociais ocorridos nos séculos XVII e XVIII que buscavam a criação de uma nova sociedade, mais justa e mais igualitária. Uma das principais forças que impulsionaram esta imensa mudança foi a ciência e isto só foi possível, através da liberdade de pensamento gerada por estes movimentos.
Ainda hoje encontramos alguns povos que detêm a liderança dos movimentos científicos e outros que ainda se encontram na era medieval. A ciência, como fruto da modernidade, foi resultado de processos de racionalização e secularização dos saberes e teve como cenário o mundo ocidental.
O cientificismo (ou o culto à ciência) adquiriu tanta força que algumas pessoas chegam a afirmar que quase todas as sociedades modernas consideram a ciência como a legítima possuidora da verdade e a melhor ferramenta para a construção do conhecimento.
A ciência no mundo moderno acabou por adquirir uma importância própria, tornando-se independente de outras áreas, como por exemplo, a economia, o direito ou a política.
Apesar da ciência ter assumido uma dinâmica própria, bastante afastada do cotidiano e da esfera pública (aqui entendida como um aspecto subjetivo de formação da opinião pública na sociedade civil), ela tem estado inegavelmente relacionada com a economia e com a lógica da administração burocrática.
Neste sentido, podemos perceber que a ciência possui um potencial de transformação e manipulação da sociedade como nenhuma outra forma de conhecimento jamais teve. Infelizmente, como nos ensina a história, ela nem sempre foi utilizada a favor do bem da humanidade e da paz.
Muitas vezes, as pessoas que dedicam suas vidas na busca de conhecimentos científicos acabam cedendo à tentação de colocar-se a serviço do poder e do enriquecimento. Transformaram os seus trabalhos em meros instrumentos no recheado mundo de idéias feitas, de ideologias e de fanatismos de todos os matizes, mantendo a sociedade na ignorância, que é a pior das escravidões.

Por exemplo, a pobreza e a violência só se tornam relevantes para a ciência ao escutar a “opinião pública”. Mas quem é a opinião pública? Efetivamente poderíamos dizer que é a síntese das opiniões dos diferentes segmentos da sociedade. Mas, quais as vozes que são ouvidas e colocadas como únicas verdades representativas daquele grupo social?
A aparente neutralidade da ciência com relação ao tema investigado fica obscurecida quando estão envolvidos o poder político e o econômico com relação ao tema investigado.
A problemática que estamos discutindo, a relação entre poder e ciência na sociedade moderna, engloba, de certo modo todo o saber humano, sem o qual a vida comunitária perderia consistência e deixaria de estar presente no complexo universo da sociedade moderna.
É certo que há uma relação entre saber e poder que pode ser negativa, como denunciava Foulcault, na medida em que um saber único se converte em um único modelo de ciência possível que é submetido a outros saberes. No entanto, também há uma relação positiva entre eles, quando é recuperado o sentido da vida para os seres humanos e para a natureza.
Para Augusto Comte (1798-1857), fundador do positivismo, a realidade humana não concebe a ciência como uma atividade que tenha um fi m em si mesma. Para ele, o saber só vale por seus resultados úteis e econômicos. Segundo este pensador, o ser humano precisa saber para prever, prever para poder. O saber só interessa para antecipar, para dominar e explorar a natureza. Ou seja, saber é poder.

Diz Comte que tudo é relativo, e que esta é a única verdade absoluta, sem assustar-se ante o paradoxo que sua afirmação comporta.
O pai do positivismo concebe o saber como uma enciclopédia, sistemática e a serviço da indústria e do poder político em uma futura “sociedade positivista”.
Para Foulcault, no entanto, saber e poder não possuem natureza radicalmente distintas. Para ele, estas não são duas formas independentes e opostas de acesso e manejo da realidade. Sua teoria é de que estes dois conceitos estabelecem entre si relações circulares, de bidirecionalidade, com a ausência de hierarquia entre eles. O saber-poder, assim entendido, tem um significado único e um mecanismo de ação unitário e indissociável.

O controle sobre o conhecimento se converte em uma nova prática a serviço do poder, através do desenvolvimento de um novo saber. A população é considerada agora como suspeita e deve ser excluída de certos saberes em função da sua periculosidade. A transmissão do saber se estabelece na sociedade moderna não mais em torno da verdade ou da inverdade, mas sim em torno de normas que ditam o que é correto ou incorreto, o que se deve ou não se deve fazer em função da vontade ou da necessidade das pessoas ou grupos que detêm o poder.

O importante é que tenhamos a consciência de que, de certa forma, cada vez mais somos afetados por este binômio – saber-poder – que na modernidade parece ter sido concebido para suprir as necessidades de trabalho e consumo. A natureza, incluindo-se nela o ser humano, é relegada a mero coadjuvante neste jogo que, ao pretender nos libertar do passado, acaba por nos aprisionar em um compromisso com as mudanças sociais. Desse modo, nossa soberania fica subjugada a um poder disciplinatório estabelecido pelo capital e exercida sobre a forma de controle, recompensas e castigos.

Para Foucalut, somente através da educação, a humanidade poderá ter acesso aos valores estabelecidos no Direito Internacional e, assim, colocar a verdade acima do poder.
A educação, na sociedade moderna, acaba por tornar-se uma ferramenta poderosa no sentido de conhecer e desmascarar a natureza do poder ilegítimo. Mas para que isto aconteça, é necessário agir com cautela. A construção do conhecimento, para ser eficaz, precisa ser feita passo a passo. E, só com o conhecimento estruturado podemos
envolvê-lo numa luta contra forças que, para Foucault, são resquícios de valores burgueses não modificados.



Resumo Metodologia - Aula 15 - As relações de poder entre os diversos saberes na modernidade

A partir de agora vamos discutir os conceitos de espaço e lugar, pois é neles que se desenvolve e se expressa uma rede complexa de relações de poder-saber. Em particular, queremos mostrar como os momentos de espaço e lugar, identificados por LEFEBVRE (1991), podem contribuir para a construção de um espaço de resistência e onde formas concretas e decisivas de poder e saber interatuam e se chocam na sociedade moderna.

O poder e o saber andam sempre lado a lado nas relações humanas em todos os tempos, portanto, ao estudarmos as relações existentes entre os diversos saberes da modernidade, devemos analisar, também, os conceitos de espaço e lugar, pois estes são os terrenos concretos em que se manifestam as múltiplas relações entre saber-poder em suas formas específicas de dominação e resistência.

O espaço aqui referido não é simplesmente a área de domínio da administração e controle do estado, mas compreende também, a sempre dinâmica e fluida interação entre o local e o global, o individual e o coletivo, o privado e o público. É no espaço que encontramos também o potencial existente no saber de desafiar o poder dominante.
O conceito de lugar, desenvolvido por Agnew (1987) propõe uma perspectiva de territorialidade onde se desenvolvem os movimentos sociais estruturados na prática dos saberes e dentro de um marco mais amplo de reestruturação global da modernidade. Assim sendo, podemos entender as ORGANIZAÇÕES SOCIAIS como estruturas interativas entre saberes e poderes construídas por seres humanos capazes e conhecedores.

Segundo Lefèbvre (1991), as representações do espaço se referem aos concebidos e derivados de uma lógica particular e de saberes técnicos e racionais. É um espaço conceitualizado, um espaço de cientistas, urbanistas, tecnocratas e engenheiros sociais (p. 38). Esses saberes estão vinculados com as instituições do poder dominante e com as representações normalizadoras criadas por uma lógica de visualização hegemônica, ou seja, são superiores e prioritários em relação a todos os outros. Eles estão representados, por exemplo, por mapas, tabelas estatísticas ou por uma legislação específica. São, como podemos ver, documentos que não podem ter sua legitimidade contestada. Produzem as formas e representações presentes nas estruturas estatais, na economia e na sociedade civil. Dessa maneira são produzidas visões particulares onde o poder ignora lutas, ambigüidades e outras formas de ver, perceber e imaginar o mundo.

O que torna este conceito de representação de espaço e lugar algo muito significativo hoje em dia, é a importância crescente de formas dominantes de visualizar as relações
de poder-saber que são por ele reproduzidas e interpretadas.
Os sistemas de informação transmitidos por mídia eletrônica por exemplo (Internet, televisão e outros meios de comunicação), são indicadores dessa crescente dominação
das representações de espaço. Seu efeito aparece através de abstrações sempre apoiadas por saberes científicos e apelando para uma verdadeira representação social.
Apesar de, por exemplo, sabermos que não necessitamos adquirir ou consumir determinado produto, o poder de convencimento existente em seu anúncio e a representação de que não seremos socialmente aceitos ou desejados, faz com que acreditemos que é necessário agirmos e nos comportarmos de acordo com o que é anunciado.

Desta forma acabou surgindo um espaço abstrato entre o saber-poder em que as coisas, os eventos e as situações são sempre substituídas por representações (LEFEBVRE, 1991; p. 311).

Estas reflexões, no entanto, não nos devem levar a imaginar que o saber e o poder mesclam-se sempre de uma forma perniciosa, mas sim, de que isto ocorre por um abuso das elites dirigentes que, apropriando-se dos saberes, os transformam em ideologias que “cientificamente” amparam seus interesses econômicos e políticos.
Em outras palavras, podemos dizer que, na modernidade, o campo onde ocorrem as relações entre saber e poder é um local de constante interação e luta entre dominação e resistência. Este embate de forças antagônicas é freqüentemente organizado por movimentos sociais, e têm sido identificados como espaços privilegiados para estudar e construir os processos de mediação no campo do saber-poder.
As relações existentes entre as três esferas fundamentais que organizam a vida do homem e suas relações INTERSUBJETIVAS. O ter – que representa a esfera econômica;
o poder – representando a esfera política, e o saber – que é a esfera cultural e do reconhecimento mútuo. Estas três áreas delineiam e englobam todo o convívio humano.
O Ter
A esfera econômica (ter) está determinada pelas situações de trabalho e de apropriação; as relações com os objetos econômicos e com os bens disponíveis se impõem aos relacionamentos interpessoais.
O Poder
Neste sentido, o poder é uma relação de forças que ultrapassa os marcos da violência física. As atitudes de poder levam a cabo ações tais como incitar, induzir, facilitar, dificultar, ampliar, limitar as relações interpessoais. Sempre o poder se investe de formas de justificação, normalmente ancoradas na ciência, para legitimar as relações assimétricas. Assim, as imagens criadas orientam a relação com o outro de uma forma que o reconhecemos como igual, superior ou subordinado.
O Saber
A esfera do saber, dentro deste contexto, encontra-se intrinsecamente vinculada às estâncias de ter e poder que se revestem com formas de justificação científicas para legitimar as relações assimétricas que promovem.

O conhecimento é, na modernidade, considerado um bem de capital. Para podermos melhor entender este conceito, lembramos que a moradia, a família e o trabalho têm sido considerados, ao longo dos tempos, como os três pilares sobre os quais se apóia a inclusão social.
Assim, poderíamos considerar a moradia como o capital físico; a família, o capital de redes sociais e o trabalho, uma função do capital humano. A relação entre esses três pilares ocorre através do aperfeiçoamento da rede de saberes criada pela educação, o que permite a acumulação do capital humano. Um ser preparado para obter um bom emprego e recursos necessários para manter uma família e conseguir uma moradia condigna.
Assim, a perfeita inclusão social, por um lado e a marginalização, por outro, ocorre em função direta das relações existentes entre os saberes e do conseqüente poder daí originado.
Existe uma estreita ligação entre o poder e o saber e o que se percebe é que, cada vez mais, somos influenciados pela vontade deles, na construção de nossos saberes. O conhecimento científico que é divulgado e apresentado à sociedade como um todo, passa antes pelo crivo daqueles que detêm o poder e, só após a sua autorização, passa a ser de domínio público.



Resumo Metodologia - Aula 16 - A fragmentação e a hierarquização de saberes na modernidade

A ciência, bem como os conhecimentos por ela produzidos, vêm se tornando cada vez mais dependente do poder político e econômico, com evidentes reflexos em nossa vida cotidiana. O conhecimento, que era único e universal, acabou por fragmentar-se e hierarquizar-se.
A grande maioria de filósofos clássicos e teólogos, tanto cristãos quanto muçulmanos, sustentou seus sistemas filosóficos na classificação aristotélica que, apesar de entender o saber como algo único e universal, por outro lado estabeleceu a fragmentação e a hierarquização dos saberes segundo seu grau de abstração (quanto mais abstrato é um tema, mais importância ele tem na hierarquia do saber).

Dentre as muitas classificações inspiradas no trabalho de Aristóteles, poderíamos citar como exemplos a de AVICENA (século XI) intitulada “A sabedoria” que dividiu as ciências em duas áreas: as especulativas, constituídas pelo que ele chamava de Ciência Superior (metafísica e ciência divina), Ciência Média (matemática) e Ciência Pequena (física) e as práticas; a de DOMINGO GUNDISALVO (século XII) denominada “De Divisiones Philosophiae”; e a do franciscano SÃO BOAVENTURA (século XIII), chamada “De reductiones artium ad theologiam”.

A imagem de ciência que prevaleceu até a Idade Moderna foi a de que ela era formada por conhecimentos integrados de verdades provadas e permanentemente estabelecidas, que se acumulavam, sucessivamente, uma após a outra, formando um corpo sistemático.
Hoje não é mais assim.
Com o advento da modernidade, filósofos e sociólogos começaram a recorrer a estudos da prática real da ciência e de sua história para mostrar que, longe de ser um conhecimento ascético, racional e autônomo, como se preconizava, a ciência, como qualquer outro produto cultural, estava histórica e socialmente condicionada e era muito mais humana e irracional do que sua imagem metodológica pretendia mostrar.
Isto aconteceu, entre outras razões, porque o homem percebeu que a racionalidade e o desejo de obter o conhecimento objetivo não seriam virtudes superiores a todas as outras e que a ciência poderia ser muito mais relevante como exemplo de solidariedade entre os homens. Assim, o cientista passou a preocupar-se muito mais em pesquisar e descobrir coisas que pudessem melhorar a vida do homem – como as máquinas a vapor, os medicamentos, o avião – ao invés de continuar tentando descobrir os segredos da natureza – a vida, a morte, de onde viemos e para onde vamos.

Em resumo, o pensamento científico ocidental começou a se estruturar a partir do apogeu da civilização grega quando o pensamento investigativo existente até aquela época, que era dirigido para a descoberta dos segredos da natureza, volta-se para as necessidades do homem, em uma busca de melhorar sua qualidade de vida. Com este novo direcionamento das investigações científicas, o conhecimento que era unificado e filosófico passa a ser dividido e fragmentado entre diversas ciências, com a finalidade de facilitar e permitir o aprofundamento da pesquisa. Esta fragmentação leva os cientistas a estabelecer uma hierarquização das diversas ciências, segundo um critério por eles estabelecido. Diversos são os modelos criados que serviram para estruturar o pensamento científico que hoje temos.



Resumo Metodologia - Aula 17 - As concepções de saber na pós-modernidade

Muito tem sido discutido a respeito do tema pós-modernidade, a partir das manifestações que se apresentam na sociedade atual, expressas especialmente pelas posturas que o homem vem adotando nas suas relações interpessoais e coletivas.
No princípio da Era Moderna o homem queria emancipar-se, ou seja, queria o direito de não morrer servo, porque não nasceu rei. E esta vontade, que pouco a pouco ganhou vulto, tornou-se o combustível para o ingresso da história na modernidade. Foi para emancipar o homem que se construiu o Estado e a Nação modernos, os partidos políticos e, enfim, criou-se a figura do cidadão como a partícula indivisível do grande organismo moderno, a ser respaldado por suas instituições.
No entanto, a nação moderna vive hoje impasses profundos em decorrência dos processos conhecidos como globalização – fruto da pós-modernidade. Os partidos políticos perdem força como mediadores entre os cidadãos e o Estado. E o próprio cidadão percebe-se cada vez mais impotente e desprotegido diante de instituições sociais que pouco o representam. Esta situação tem provocado uma crise do pensamento científico que não encontra paralelo na história da humanidade.
A mudança social que percebemos desde o fi nal do século passado nos leva a crer que a sociedade moderna parece ter antecipado a pós-modernidade, antes do próprio fim da modernidade.
A difusão de um determinado comportamento social que está “na moda”, tende a reforçar a utilização generalizada desta forma de agir, criando um novo padrão de comportamento. Aproveitando-se desta tendência humana de adotarmos modismos, somos bombardeados diariamente por informações sobre novos estilos de roupas, de
músicas, de carros, de comidas, enfim de tudo que possa ser consumido (inclusive conhecimento).
Esta busca exagerada pelo novo e pelo futuro fez com que a sociedade moderna procurasse antecipar o momento seguinte, resultando na ambigüidade da pós-modernidade: a antecipação do futuro torna-se o próprio futuro.

O que está em causa, quando se trata de pós-modernidade, é uma ruptura histórica de amplas proporções, com implicações epistemológicas que exigem reflexão. Com as metamorfoses do “objeto” das ciências e a simultânea alteração das possibilidades que se abrem ao “sujeito” da reflexão, colocam-se novos desafios não só metodológicos e teóricos, mas também epistemológicos.

Não é difícil perceber que, em muitas ciências atuais, os investigadores têm de tratar com objetos que estão longe da experiência cotidiana do homem e que são formados através de um processo empírico e espontâneo do conhecimento.
O fato de constatar que a ciência, apesar de todas as suas precauções, avança por meio de falsidades provisórias nos leva a ser prudentes na hora de constituir o saber e nos faz ver a necessidade de criticar nossas crenças. Estas crenças, como sabemos, são pré-julgamentos e uma das tarefas importantes do cientista é precisamente tê-las em conta e purificá-las mediante uma crítica construtiva.
Apesar dos desajustes criados pela fragmentação e pela hierarquização da ciência, sua importância é inegável. E hoje, o grande desafio é o uso do conhecimento, colocar a concepção do saber na pós-modernidade.
Na época atual, a técnica se faz científica, pois busca na ciência apenas a fundamentação e o impulso para desenvolver-se. Por outro lado, a ciência também se faz tecnológica na medida em que seu desenvolvimento se torna impensável sem o crescimento simultâneo da técnica.

Por exemplo,
pesquisas que desenvolvem aparatos bélicos ou direcionadas para produtos de beleza recebem vultosas somas, ao passo que os estudos voltados para evitar a Síndrome de Down ou melhorar a vida de deficientes visuais que beneficiariam um pequeno grupo de pessoas e, portanto, teriam pouco retorno monetário, são colocados em segundo plano.
Hoje a ciência necessita da técnica para desenvolver-se e deve produzir técnica para financiar-se. A investigação pura, ou seja, aquela que só busca o conhecimento pelo conhecimento, vem se tornando quase um mito do passado.
Com o advento da pós-modernidade não é mais possível continuar mantendo a idéia de que as ciências constituem-se em um conjunto de conteúdos teóricos ou de produtos intelectuais que possuem um caráter objetivo e autônomo.

Assim, podemos dizer que a construção do saber na pós-modernidade não é algo exclusivamente técnico, mas também social.
Mesmo quando os cientistas conseguem salvar a “pureza básica” de suas pesquisas sob o argumento de uma remota aplicabilidade de suas descobertas, rendem-se ao fato de que seu trabalho se realiza sob o jugo de instituições ( laboratórios públicos ou particulares, empresas, fundações, governos) e submetido a pressões das mais diversas índoles que, como é notório, nem sempre são benéficas nem neutras.
Apesar de todas estas considerações, a ciência, com certeza nos serve e é útil, pois valendo-se dela podemos compreender o mundo, seus fenômenos observáveis ou perceptíveis de uma forma racional, lógica e sistemática.

Em um contexto filosófico poderíamos dizer que os saberes concebidos pela ciência nos ensinam a investigar e verificar os fatos cotidianos, a sermos reflexivos e críticos e a responder, aceitando ou rejeitando, as imposições subjetivas impostas pelas idéias daqueles que detêm certas cotas de poder ou autoridade. O saber científico nos ensina também, que os fatos não surgem do nada e que tudo o que acontece tem uma causa possível e racionalmente explicável.
Vivemos em uma época em que a busca do saber tem alimentado, cada vez mais, a aceitação do cientificismo como justificativa para a superioridade da ciência em relação às outras culturas tradicionais.
Esta atitude nos leva a deixar para a ciência a última palavra sobre todo tipo de questões teóricas e práticas sempre que esta queira tomar e, em temas decisivos, ela sempre quer.
Assim sendo, acabamos por ter como certo que conhecimento confiável é sinônimo de conhecimento científico.
Em síntese, acreditamos que na pós-modernidade, se a ciência for devidamente estudada e utilizada, pode educar o homem do futuro dentro de um padrão de atitudes democráticas, participativas, reflexivas, e construtivamente críticas.




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LITERATURA NA FORMAÇÃO DO LEITOR

Resumo Literatura aula 1 - O que é, o que é.. leitura? Leitor? Literatura?

Existem diferentes formas de ler. Uma dessas formas privilegia, num texto escrito, a decodificação dos símbolos gráficos, a compreensão das palavras e expressões e, conseqüentemente, seu sentido mais imediato. A essa prática denominamos concepção reduzida de leitura.
A outra forma de entender o ato de ler, concepção ampliada, ao contrário, apresenta a leitura e seu(s) possível(veis) sentido(s) como elementos fundamentais do ato de ler

Nem sempre os sentidos imediatos a que nos referimos (...) são únicos. Eles podem ser múltiplos e, na maioria das vezes, o são. Dependem, também, de nossa visão de mundo; dos valores e representações que temos desse mundo (...). Os sentidos imediatos dependem, ainda, do que denominamos como INTERTEXTUALIDADE... (CAPELLO; COELHO, 2003, p. 36).

Voltando à idéia de leitura ampliada, podemos dizer que esta concepção põe em xeque um pressuposto que muitos de nós utilizamos, quando trabalhamos com textos na escola: o de que existe uma interpretação única.
Com essas leituras, experimentamos o que denominamos condições internas do texto. Em outras palavras: sua construção vocabular, as imagens criadas, as nuanças fônicas, semânticas e sintáticas que percebemos como múltiplas vão constituindo um texto plural, polifônico.

Se existem concepções de leitura, sejam elas reduzidas ou ampliadas, devem existir, também, condições para sua produção, não é mesmo? Neste particular, vejamos o que nos diz Abreu (2000, pp. 123-124):

A leitura, além de uma história, tem uma sociologia (CHARTIER, 1998). As formas de ler e avaliar os textos variam, se se considerarem diferentes classes sociais, regiões, etnias etc. (...)
Diferentes leitores, espectadores, ouvintes, produzem apropriações
inventivas – e diferenciadas – dos textos que recebem. Para Michel de Certeau, o consumo cultural é ele mesmo uma produção – silenciosa, disseminada, anônima, mas uma produção. O que não significa considerar o leitor como completamente livre, pois ele está submetido a restrições e limites impostos por sua formação cultural e pela forma particular do texto que lê.

Lendo atentamente o trecho destacado, podemos inferir que ler não é uma prática social totalmente autônoma; muito menos, neutra...
Quando lemos, estamos nos posicionando diante do mundo; mas, ao mesmo tempo, esta nossa posição depende do que construímos sobre esse mundo, a partir das possibilidades com que ele nos brindou, embriagou ou – quem sabe – deixou de nos presentear... Em outras palavras, lemos de acordo com concepções que construímos a partir de nossas condições objetivas de vida.

Se somos condicionados, de certa forma, pelas oportunidades socioeconômicas e culturais que temos ao longo da vida, somos, ao mesmo tempo, donos de nossas reflexões. Em outras palavras, podemos, por meio das oportunidades que também nos concedemos, produzir práticas de leitura diferenciadas e criativas. a professora Sonia Kramer (2000) apresenta entre vivência e experiência, apontando a natureza desta última quando relacionada
ao ato de ler. Repare:

(...) na vivência, há mera reação aos choques da vida cotidiana, a ação se esgota no momento de sua realização (por isso é finita); na experiência, o que é vivido é pensado, narrado, a ação é contada a um outro, compartilhada, se tornando infinita. Esse caráter histórico, de ir além do tempo vivido e de ser coletivo, constitui a experiência. Mas o que significa entender a leitura e a escrita como experiência? (...) Quando penso na leitura como experiência (...) refiro-me a momentos em que fazemos comentários sobre livros ou revistas que lemos, trocando, negando, elogiando ou criticando, contando mesmo. (...) O que faz da leitura uma experiência é entrar nessa corrente onde a leitura é partilhada. (...) Defendo a leitura da literatura e de textos que têm dimensão artística, não por erudição, mas porque são textos capazes de inquietar (...) (KRAMER, 2000, pp. 28-29).

É interessante verificar que, com essa distinção, Kramer nos apresenta um tipo de leitor – aquele que indaga, busca, interfere, compartilha sentidos. E defende a leitura de um tipo de texto – aquele que é capaz de inquietar...

Concepções de literatura
Vejamos o que nos diz Aguiar e Silva (1973), autor de uma tradicional obra de teoria da literatura, sobre os significados da Literatura ao longo do tempo:

Na segunda metade do século XVIII (...) em vez de significar o saber, a cultura do letrado, a palavra passa a designar antes uma específica actividade deste e, conseqüentemente, a produção daí resultante (...) cerca do fim do terceiro quartel do século XVIII, literatura passa a significar o conjunto das obras literárias de um país, pelo que se lhe associa um adjectivo determinativo: inglês, francês etc. (...) Por volta da penúltima década do século XVIII, a palavra “literatura” conhece um novo e importante matiz semântico, passando a designar o fenómeno literário em geral e já não circunscrito a uma literatura nacional, em particular. Caminha-se para a noção de literatura como criação estética, como específica categoria intelectual e específica forma de conhecimento (p. 23).

Refletindo sobre as concepções de Literatura, uma pergunta nos assaltou: se Literatura pode ser, dentre outras possibilidades, uma forma de entender o mundo, trabalhando esteticamente com a língua, as pessoas – de qualquer classe ou categoria profissional, em qualquer sociedade – deveriam ter acesso aos textos literários. Afinal, esses textos seriam um complemento essencial à sua constituição como seres histórico-sociais, pertencentes a um grupo social e, ao mesmo tempo, ao mundo.


Literatura na Formação do Leitor - Aula 2 - Formamos leitores ou os leitores se formam?

Para responder a esta pergunta, é importante que se considere as relações que podemos estabelecer entre uma das concepções de Literatura e de formação de leitores, nas quais o termo refere-se a uma forma de compreender o mundo, trabalhando esteticamente com a língua e o processo de formação de leitores.

• o processo de formação do leitor está intimamente vinculado aos primeiros RITUAIS DE INICIAÇÃO – experiências – que o constituem como tal;
• as experiências iniciais sinalizam a presença de um “ingrediente” importante, que tem o potencial de deflagrar este processo de formação: o prazer/gosto pela leitura;
• o despertar do gosto pela leitura, geralmente, está atrelado à presença de agentes de formação, mediadores, “pontes rolantes” que estimulam esta interação leitor/texto literário;
• o contexto local que oportunize e enriqueça a interação leitor/ texto literário influi significativamente na sua formação, oferecendo condições de produção de leitura capazes de aproximá-lo e seduzi-lo para esta prática cotidiana.

Podemos observar a importância que devemos atribuir aos espaços de leitura e aos adultos leitores, responsáveis pelo desenvolvimento de ações positivas na formação de leitores em potencial. Tais fatores são capazes de despertar e estimular práticas impregnadas de pura fruição, prazer, afetividade, que exercem uma influência sobre a constituição humana.

Podemos observar o quanto o processo de formação do leitor deve estar necessariamente vinculado a situações/experiências que despertem o seu gosto/prazer pela leitura.
Percebemos, então, a relevância que estes vínculos entre leitor/ texto literário representam para o desenvolvimento de práticas leitoras. Práticas leitoras motivadas pelos vínculos culturais e sociais locais que o sujeito progressivamente vai estabelecendo em função de seus modos e contextos de vida.

As primeiras experiências de interação com o universo da literatura geralmente acontecem nos contextos familiares, por adultos leitores do mundo e da palavra que, com suas narrativas mágicas e permeadas de encantamento, oferecem ao leitor iniciante o livro e a literatura como
“passaportes, bilhetes de partida”, como enuncia Bartolomeu Campos de Queirós:

A leitura guarda espaço para o leitor imaginar sua própria humanidade e apropriar-se de sua fragilidade, com seus sonhos, seus devaneios e sua experiência. A leitura acorda no sujeito dizeres insuspeitados enquanto redimensiona seus entendimentos.(...) A iniciação à leitura transcende o ato simples de apresentar ao sujeito as letras que aí estão já escritas. É mais que preparar o leitor para a decifração das artimanhas de uma sociedade que pretende também consumi-lo. É mais do que a incorporação de um saber frio, astutamente construído. (...) Fundamental, ao pretender ensinar a leitura, é convocar o homem para tomar da sua palavra (QUEIRÓS, 1999, p. 24).

A possibilidade de ter acesso ao “universo da literatura”, ou seja, o direito de se tornar um leitor pleno depende, especialmente, da pluralidade de escrituras literárias que o cercam.

Diante de tudo o que foi exposto no decorrer da aula, responda nesse momento: formamos leitores... ou os leitores se formam?
Procure, para tanto, levar em consideração algumas variáveis que intervêm neste processo: contextos geradores de leitura, papel dos agentes de formação de leitores, condições de acesso ao texto literário, práticas de leitura vivenciadas.


Literatura na Formação do Leitor- Aula 3 - Pergunta dos textos literários: por que a escola nos azucrina?

Quais as características dos textos trabalhados na escola?
Geralmente, eram trechos retirados de obras da literatura infantil, nacionais ou não. Dificilmente encontrávamos outro tipo de texto. Quando apareciam outros, geralmente eram aqueles adaptados à realização de algum exercício gramatical. Não se pensava também em trabalhar com a produção escrita de nossos próprios alunos, pois, que atributos esses textos teriam para serem trabalhados em sala de aula?

Os livros, estruturados em capítulos, procuravam trabalhar com temas que tratavam, geralmente, de questões gramaticais. A abertura de cada capítulo dava-se, então, por meio de textos, fragmentados ou não, de grandes obras da literatura infantil ou, ainda, de textos criados exclusivamente para serem trabalhados com a temática daquele capítulo. no primeiro caso – textos, fragmentados ou não, de obras da literatura infantil.

No livro didático Escola é vida (2ª série), suas autoras nos apresentam, no capítulo 5, um trecho do livro Onde tem bruxa tem fada, de Bartolomeu Campos Queiroz.
Ao ler atentamente este capítulo, podemos verificar que o texto apresentado constitui-se como um fragmento da obra citada. O livro didático sequer teve a preocupação de falar pouco sobre o escritor – suas obras principais, por exemplo. Ele também não teve o cuidado de inserir o trecho destacado para aquele capítulo em uma síntese da obra citada, a fim de que os pequenos leitores contextualizassem aquele trecho. Nesse sentido, que inferências foram efetivamente oferecidas à criança para que entenda o texto, aproprie-se de sua linguagem e torne-se um leitor?

Quais elementos os autores daqueles livros didáticos apresentam aos alunos, a fim de propiciar-lhes uma leitura mais significativa?
Sem contexto, ausenta-se do texto uma parte que pode torná-lo mais, ou menos significativo para cada leitor. Em outras palavras, mais, ou menos inteligível para ele.

Lendo atentamente os trechos destacados, acreditamos até que, sem exageros, cria-se uma barreira entre leitor/texto literário, na medida em que este último não é entendido como uma linguagem artística.
O gosto, o prazer do texto não são levados em conta (tema para as próximas aulas). Essa barreira entre leitor/texto literário não permite aos alunos-leitores conhecer suas potencialidades figuradas, isto é, a sua literariedade.

Se pensamos na escola como um espaço de educação ampla e irrestrita, por ela devem passar atividades não somente intelectuais, mas também esportivas, culturais, profissionais ou artísticas. O texto literário reflete essa faceta artística que a educação deve propiciar.
Zilberman e Silva afirmam que:

Compete hoje ao ensino da literatura não mais a transmissão de um patrimônio já constituído e consagrado, mas a responsabilidade pela formação do leitor. A execução dessa tarefa depende de se conceber a leitura não como o resultado satisfatório do processo de alfabetização e decodificação da matéria escrita, mas como atividade propiciadora de uma experiência única com o texto literário. A literatura se associa então à leitura, do que advém a validade dessa. (...) A experiência da leitura decorre das propriedades da literatura, (...) esse universo, contudo, se alimenta da fantasia do autor, que elabora suas imagens interiores para se comunicar com o leitor... (...) Dúbia, a literatura (...) aciona sua fantasia (...) mas suscita um posicionamento intelectual. (...) Nesse sentido, o texto literário introduz um universo que, por mais distanciado do cotidiano, leva o leitor a refletir sobre sua rotina e a incorporar novas experiências (1990, pp. 18-19).

Se não compete à escola didatizar a leitura, quando empreende a tarefa de formação de leitores, também não lhe deve competir a de pedagogizar o texto literário, muito menos a de encerrá-lo apenas nos muros dos livros didáticos. Em outras palavras, livros à mão cheia é o que a escola precisa cultivar, e deixar que os leitores, por meio de sua criatividade e disponibilidade, façam as suas escolhas.

Pode aprender a ler na escola, desde que esse ato não seja entendido como um fazer mecânico, passível de ser contabilizado em uma prova, ou num daqueles testes-surpresa que tantas vezes nos azucrinaram.


Resumo Aula 4 - Literatura na Formação do Leitor Leitura e Literatura na escola : o que se lê?

As práticas leitoras com o texto literário no contexto escolar muitas vezes servem como mero “pretexto” para ensinar questões gramaticais, suscitando experiências nas quais o valor e o prazer da leitura não são considerados. Essas experiências são impregnadas por técnicas e cobranças de exercícios totalmente desvinculados da produção textual e de suas possibilidades de atribuição de sentidos. Neste caso, a professora Raquel Villardi ressalta que

(...) a prática pedagógica com o livro infanto-juvenil, no primeiro segmento, distancia a criança do livro, na medida em que põe o aluno frente ao tema, e não frente ao texto, trabalha a partir do livro, e não o livro. Se o aluno passa a associar o texto a algo que vem depois, se para ele o livro é apenas um elemento que detona um outro trabalho, e este sim, é o importante, então todo o processo de valorização do livro e da leitura se perde, impedindo que a criança compreenda que o prazer pode (e deve) estar no simples ato de ler, descobrindo uma variedade de sentidos no que se leu (1999, p. 22).

O professor, como agente formador de leitores, necessita da definição de certos critérios para fazer a seleção de livros de literatura infanto-juvenil que serão utilizados em seu cotidiano escolar
Esta Natureza política do educar é que me leva a ter bastante cuidado com os textos que escolho. Trato, nos cursos, de que existam leituras feitas em casa e comentadas em sala de aula, mas sempre aposto no prazer das leituras e descobertas feitas em sala de aula. Os livros, os textos escolhidos irão variar dependendo do grau de maturidade da turma, das possibilidades de aquisição do material, tudo isso girando ao redor dos meus objetivos como orientadora (VARGAS, 1993, p. 22).

Depois, o livro é indicado, não escolhido pelo leitor... Como uma única e mesma história pode interessar a toda uma classe? Como imaginar que haja uma identificação geral – de meninos e meninas – todinhos preocupados com o mesmo problema? E todos interessados num determinado gênero literário, previsto como fonte única de prazer para aquele mês do ano? Mesmo nas escolas mais democráticas, onde se dá o direito de escolher entre dois ou três títulos, quais os referenciais reais para essa prévia seleção? Por que não ampliar os horizontes, indo às livrarias ou bibliotecas e deixando cada aluno manusear, folhear, buscar, achar, separar, repensar, rever, reescolher, até se decidir por aquele volume, aquele autor, aquele gênero, que, naquele determinado dia, lhe desperta a curiosidade, a vontade, a inquietação??? Claro que, para isso, a professora teria de ler muito mais livros, e a questão que fica é esta: ela está disposta a fazer isso?

Porque, de verdade, a professora trabalha com um leque muito estreito de alternativas... Conhece pouco de literatura infantil, em geral aqueles livros que as editoras enviam para a sua casa/escola ou aqueles cujos autores estão mais dispostos a divulgar seu trabalho... O critério reinante, na maioria dos casos, não é o da qualidade do livro, mas o da pronta-entrega (ABRAMOVICH, 1995, p. 140).

Os critérios de seleção dos livros de Literatura podem ser múltiplos, porém, igualmente fundamentados em enfoques teórico-metodológicos estereotipados, frutos de uma concepção tradicional em relação às práticas leitoras. Tais critérios são ora centrados na visão do professor, ora na visão da escola - conteúdo/programa curricular – e até vinculados aos interesses das editoras. Mas será que tais critérios, geralmente utilizados nas escolhas dos textos literários que farão parte do acervo cultural de nossos alunos, despertam o interesse e o gosto pela leitura?

Para formar alunos/leitores, é fundamental que o professor desenvolva este prazer pela leitura, resgatando sua “porção” leitora, pois só ela possibilitará a escolha de um livro apaixonante, que certamente desencadeará uma leitura compartilhada e geradora de sentidos para todos.
Outro aspecto destacado anteriormente, e que também merece ser considerado neste processo de seleção do livro de literatura na escola, diz respeito à definição de quem deve escolher o que será lido. Será que a seleção deve passar única e exclusivamente pelo crivo do professor, ou do coordenador pedagógico/bibliotecário, ou – no pior dos casos – do livreiro representante da editora? Ou será que podemos delegar esta tarefa ao seu maior interessado, o aluno?

(...) que livros estamos lendo hoje ? Provavelmente aquele de que me falou um amigo, que já o leu ou aquele de que lemos uma resenha, etc. Isto é, lemos os livros de que tivemos notícia, dependendo de quem foi nosso informante. Parece-me que os livros fazem, fora da escola, um circuito que passa por relações de vários tipos que mantemos com diferentes pessoas. Nenhum não-profissional da linguagem lê um romance, por exemplo, por obrigação. Creio que a saída prática do professor de língua portuguesa é criar esse mesmo circuito entre seus alunos, deixando-os ler livremente, por indicação dos colegas, pela curiosidade, pela capa, pelo título, etc. (GERALDI, 2003, pp. 98-99).

Para tornar os alunos bons leitores, para desenvolver o gosto e o compromisso com a leitura, a escola terá que mobilizá-los internamente pois esse é um aprendizado que requer esforço. Precisará fazê-los achar que ler é interessante e desafiador, algo que, conquistado plenamente, dará a eles autonomia e independência. E terá que oferecer condições favoráveis para as práticas – que não se restringem apenas aos recursos materiais disponíveis, pois, na verdade, todas as evidências têm revelado que o uso que se faz dos livros e de materiais escritos é o aspecto mais determinante para a formação de leitores de fato (PRADO, 1999, p. 84).

Se, como Oliver Sacks ressalta, nossa visão e imaginação revelam nossos anseios, desejos, cultura e conhecimentos, o processo de seleção do livro de literatura já carrega por si só esta “marca” individual de cada leitor. Por isso, ela deve preferencialmente ser feita pelo próprio aluno/leitor, ou seja, a escolha do livro é pessoal e intransferível, possibilitando o despertar da imaginação e do prazer contidos no ato de ler o mundo e a palavra.



Resumo Lit. FL - aula 5 - Leitura e literatura na escola 2: hábito ou gosto?

Provavelmente, as crianças entrarão em sala de aula, cotidianamente, para cumprir tarefas iguais, em momentos iguais, sempre sentadas do mesmo jeito e no mesmo lugar... Que suplício!
A prática/ cultura da rotina, da “mesmice” na sala de aula, torna-se um problema grave quando se estende aos atos de leitura. Observe o que pensa Geraldi (2003) a esse respeito:

No sistema capitalista, de uma atividade importa seu produto. A fruição, o prazer, estão excluídos (para que alguns e somente alguns possam usufruir à larga). A escola, reproduzindo o sistema e preparando para ele, exclui qualquer atividade “não rendosa”: lê-se um romance para preencher uma “famigerada” ficha de leitura, para fazer uma prova ou até mesmo para se ver livre da recuperação (você foi mal na prova? Castigo: ler o romance Z, até o dia D. Depois, férias...)

O autor chama atenção para as práticas de leitura em sala de aula. Neste sentido, assinalando a relação existente entre a escola e a sociedade onde ela se insere – uma sociedade na qual as pessoas valem pelo que têm e pelo que produzem, não pelo que são. Nessas sociedades – e, por extensão, nas instituições escolares a que elas pertencem –, há sempre uma forma de “cobrança”, a procura por um produto final.
Em outras palavras, nessa instituição (a escola), o espaço, geralmente, se reduz ao “preenchimento” de fichas de leitura, com o objetivo de realizar “leituras para a prova”.
Teoricamente, resolvemos alguns impasses relativos aos sentidos da palavra “gosto”. E na prática, há como identificar o gosto? Lógico que, pelas definições que apresentamos, essa possibilidade não é objetiva, ou seja, nem todos “gostam” das mesmas coisas. Já diz o ditado popular que “o que seria do verde, se todos gostassem do amarelo”.

Quando esse “gosto” chega à escola, envolve práticas escolares, como a leitura, por exemplo.
Hábito da leitura; gosto pela leitura; prazer de ler, fruição na leitura – podem estar presentes na educação formal, mais precisamente, na escola. E por que não?
A primeira delas – o hábito da leitura – nós já tentamos implementar, nem sempre com muito sucesso. Talvez porque não tenhamos, até agora, refletido firmemente sobre os aspectos mecânicos que essa expressão encerra e que acabam interferindo, negativamente, no que pretendemos realizar em relação ao ato de ler. Já os outros três encontram-se, na maioria das vezes, bastante afastados dos pátios escolares, o que se dirá, então, das carteiras.

Se nós, professores, no mínimo “gostarmos de ler” – e isto é condição primeira, imediata –, certamente seremos capazes de criar essas possibilidades. Como nos diz Villardi, “o prazer pode (e deve) estar no simples ato de ler, descobrindo uma variedade de sentidos no que se leu” (p. 22).



Resumo Lit FL - aula 6 - Leitura e literatura na escola 3: “aprendemos” a ler na escola?

O ato de ler, no universo escolar, muitas vezes assume um sentido restrito, calcado em princípios e valores rígidos, revestindo de obrigações e cobranças a relação aluno/leitor/livro.
Baseando-se em atividades que colocam o leitor em contato com o assunto proposto no livro (o que o aluno leu), e não com o texto e sua pluralidade de sentidos (como o aluno leu), com propósitos explícitos de utilizá-lo como “pretexto” para outras atividades, a escola tende a perpetuar a cultura da rotina, da “mesmice”. Esta cultura é característica da abordagem de educação tradicional, a qual utiliza o texto literário para o ensino dos conteúdos programáticos determinados pelos programas curriculares.
Nessa forma de ensinar, ocorrem práticas de leitura rotineiras, ou seja, princípios regulatórios de educação que visam a formar alunos/leitores reprodutores de ações mecânicas (assentadas em leituras, interpretações/questionários predefinidos, produções textuais e correções direcionadas e autorizadas). Observamos, assim, na aula anterior, que a escola, por vezes, envereda por abordagens teórico-metodológicas reguladoras, nas quais a leitura é concebida como hábito..., tarefa obrigatória, monótona, rotineira.
Todavia, finalizamos a aula anterior propondo um percurso investigatório que vai na contramão desta prática. Acreditamos na possibilidade de construir uma abordagem teórico-metodológica emancipatória para a relação aluno/leitor/ livro, a ser assumida pela escola, que se baseia na concepção de leitura como prazer, como prática significativa que possibilite ao aluno/leitor a atribuição de múltiplos sentidos ao texto literário com base em uma leitura contextualizada e plurissignificativa.
Construir uma perspectiva emancipatória, de natureza literária, para a relação aluno/leitor/livro requer que a escola reestabeleça os papéis a serem assumidos pelo professor e pelo aluno e as práticas literárias desenvolvidas neste processo.

Direitos imprescritíveis do leitor:
1. O direito de não ler.
2. O direito de pular páginas.
3. O direito de não terminar um livro.
4. O direito de reler.
5. O direito de ler qualquer coisa.
6. O direito ao bovarismo.
7. O direito de ler em qualquer lugar.
8. O direito de ler uma frase aqui e outra ali.
9. O direito de ler em voz alta.
10. O direito de calar. (PENNAC, 1997, p. 139)

Daniel Pennac (1997) nos apresenta uma perspectiva emancipadora, para delinear a relação entre o leitor e o livro. Nesta perspectiva, a leitura do livro não é vista como um dever, e sim como um “passaporte” para despertar a consciência do leitor em relação ao mundo real. Por meio dos “direitos imprescritíveis do leitor”, Pennac desenha um mapa alternativo para a sua formação no âmbito escolar, defendendo a idéia de que nós, educadores, devemos oferecer a nossos alunos/leitores os mesmos direitos que proporcionamos a nós mesmos, quando interagimos com o texto literário.
Se analisarmos cada direito proposto pelo autor, observaremos que todos, de modo geral, evidenciam um novo papel a ser assumido pelo aluno/leitor: o de protagonista de seus percursos de leitura. Em vez de o professor e de o currículo escolar ditarem o uso que se fará do texto literário.
A construção deste caminho emancipatório para a relação aluno/ leitor e texto literário pode, em linhas gerais, estar baseada em alguns pressupostos básicos, inspirados nos direitos do leitor, destacados por Pennac.

• O ato de ler deve, necessariamente, estar desatrelado de qualquer obrigatoriedade, tarefa ou avaliação ortodoxa imposta pelo professor-currículo.
• O aluno/leitor deve ter o direito de escolher o livro que deseja ler, que atende melhor a seus anseios e interesses.
• Preferencialmente, o ato de ler deve ser compreendido na escola como uma atividade em si, como uma atividade livre.
• É importante estimular o desenvolvimento do espírito crítico e criativo dos alunos/leitores, por meio de discussões que visem ao confronto de idéias acerca do livro (conteúdo-forma) e à compreensão/expressão dos sentidos atribuídos.
• O ato de ler pode ser revestido de prazer, de gosto e de fruição na escola. Basta que nós, professores, no mínimo, sintamos também este prazer como leitores. E que evitemos impor regras a essa prática de leitura.
• Como desdobramento da leitura crítica e criativa, podem ser desenvolvidas atividades baseadas no texto. Estas atividades devem fazer com que o aluno/leitor busque os significados e sentidos que surgem com a leitura do texto literário. No entanto, estas atividades não devem ser vistas como roteiros, questionários ou fichas de leitura predefinidas ou definitivas.
• Oportunizar sempre o contato do aluno/leitor com diferentes gêneros textuais, a fim de que ele se familiarize e desenvolva maior competência na leitura.

Ao ser estimulado a compreender o texto de forma ampla, profunda e plurissignificativa, refletindo sobre cada elemento que compõe sua estrutura (conteúdo e forma), o aluno/leitor torna-se capaz de posicionar-se criticamente em relação ao que foi lido.
Uma vez discutindo e refletindo sobre os pressupostos teórico-metodológicos e as práticas literárias implementadas em seu universo, a escola tem condições de buscar caminhos alternativos emancipatórios para a relação aluno/leitor/livro. Por meio deste processo contínuo de reflexão/ação, a escola pode tornar-se um espaço de formação de futuros leitores da palavra e do mundo.



Resumo Lit. FL - aula 7 - Aula-síntese

É importante recordar que, nas aulas anteriores, tivemos dois pontos básicos que foram analisados com insistência: os conceitos de leitura, leitor e Literatura – por extensão, texto literário também – e sua possibilidade de trabalho no espaço formal da sala de aula mediados, obviamente, pelo professor e pelo aluno.
Em nossa disciplina, outro ponto importante é a concepção de leitura que possuímos. Se essa concepção for restrita, nossa leitura ficará limitada, reduzida ao seu sentido primeiro, imediato. Se, ao contrário, essa concepção for ampliada, ela será mais aberta a outras linguagens, buscará focalizar os múltiplos sentidos que o texto possui,
ou seja, a intertextualidade.
Leia, atentamente, o texto a seguir. Apresente, então, uma “leitura reduzida” e outra “ampliada” para este mesmo texto.

Amor é fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer. (...)
(CAMÕES, 1976. p. 123)

Uma “leitura reduzida” é uma leitura primeira, mais limitada. Já a “leitura ampliada” procura as condições internas do texto. Repare nas expressões utilizadas pelo poeta (por exemplo, o que significaria um “contentamento descontente”?)

Como você se vê, no papel de leitor(a) e de formador(a) de leitores?
Se o professor não gosta de ler ou se ele não foi despertado para a leitura, dificilmente conseguirá provocar o prazer de ler no aluno.

Um olhar sobre o hábito de ler na escola.
Nesta situação, ler torna-se uma tarefa a mais a ser cumprida pelo aluno na escola. Situam-se, assim, como tarefas monótonas, rotineiras, ou seja, habituais.

Gosto e prazer pela leitura.
Este “gostar” tem a ver com as visões sócio-históricas e culturais que temos do mundo, das coisas que nele acontecem, da realidade que nos cerca. (...) pois ler é reconhecer-se (...) este prazer vem, obviamente, da cultura que carregamos dentro de nós, das vivências que temos e com as quais não podemos romper facilmente.

Como a escola reduz a expectativa da leitura?
Há sempre uma forma de “cobrança”, a procura por um produto final.
Em outras palavras, nessa instituição (a escola), o espaço, geralmente, se reduz ao “preenchimento” de fichas de leitura, com o objetivo de realizar “leituras para a prova”.

O direito de não ler.
Quem disse que apenas gosta de ler aquele que lê tudo? Às vezes, o “direito de não terminar um livro” tem lá as suas razões estéticas, éticas



Resumo Lit FL - aula 8 - Texto literário – elementos singularizantes

Os gêneros discursivos, sempre referenciados a relações sociais concretas, constituem-se a partir de concepções e práticas textuais singulares, que os diferenciam. Optamos por determinados gêneros, a fim de melhor caracterizar os textos literários.
Texto 1
Tempo!
Acordei com a sensação de que perdi uma hora na vida. Adiantei meu relógio como manda o horário de verão e achei que isso não me traria problemas. Só agora me caiu a ficha. Uma hora a menos. Tudo bem, depois me devolvem essa hora perdida. Mas lembram quando o Collor levou nossa poupança dizendo que devolveria depois:
Alguém conseguiu ficar tranqüilo? Hora não se empresta. É que nem disco e livro. Sempre volta com um arranhão ou com uma página amassada. Isso quando volta. E essa hora que nos levaram, por exemplo, quem garante que não vai voltar faltando alguns minutos?
E quem disse que vão devolver a mesma hora que nos foi confiscada?
Podem ter me levado uma hora de felicidade, e no final do verão vão querer me empurrar uma hora de aporrinhação! Dessas que a gente perde num engarrafamento ou numa fila de banco. Se isso acontecer, com quem a gente reclama? (PAIVA, 1999)

Texto 2
A capacidade de transcender o tempo e o esforço, seja na internet, seja pilotando um avião guiado por satélite, nos permite acelerar o ritmo da vida e dilatar os limites da velocidade. Por isso nos vem a sensação de ter menos horas disponíveis para os momentos de pausa e ócio. Alguns teóricos da nova era pregam que o tempo no século XXI é equivalente ao que os combustíveis fósseis e os metais preciosos foram em outras ocasiões da história.
Minuciosamente cronometrado, ele é nossa maior riqueza individual, o nosso capital. Além de matéria-prima da economia erguida com base em informações guardadas em arquivos digitais e transmitidas por linhas telefônicas. “Uma parte dos problemas
atuais é efeito do fato de que nossa cultura imagina ser carente de tempo. No futuro, o homem revelar-se-á um bom ou mau recurso natural em função da maneira como administra sua relação com o tempo”, diz a física Bodil Jönsson, da Universidade sueca de Lund, autora de Dez considerações sobre o tempo. (MENCONI, 2005, p. 82)

Texto 3
A idéia de que os homens sempre teriam apreendido as séries de acontecimentos sob a forma que predomina nas sociedades contemporâneas – a das seqüências temporais integradas num fluxo regular, uniforme e contínuo – é contradita por toda sorte de fatos observáveis, tanto no passado quanto no presente. As correções trazidas por Einstein para o conceito newtoniano de tempo ilustram essa mutabilidade da idéia de tempo na era moderna.
Einstein mostrou que a representação newtoniana de um tempo único e uniforme, através de toda a extensão do universo físico, não era sustentável. Por pouco que nos voltemos para estágios anteriores da evolução das sociedades humanas, encontraremos múltiplos exemplos dessas metamorfoses na maneira de vivenciar
e conceituar o que hoje chamamos “tempo”. O conceito de tempo, no uso que fazemos dele, situa-se num alto nível de generalização e de síntese, que pressupõe um riquíssimo patrimônio social de saber no que concerne aos métodos de mensuração das seqüências temporais e às regularidades que elas apresentam. É claro que os homens de estágios anteriores não podiam possuir esse saber, não porque fossem menos “inteligentes” do que nós, mas porque esse saber exige, por natureza, muito tempo para se desenvolver. (ELIAS, 1998, p. 35)

Texto 4
Nos áureos tempos
A rua era tanta.
O lado direito
Retinha os jardins.
Neles penetrávamos
Indo aparecer
Já no esquerdo lado
Que em ferros jazia.
Nisto se passava
Um tempo dez mil.
(...)
(ANDRADE, 1977. p. 90)
Texto 5
Não me iludo
Tudo permanecerá do jeito
Que tem sido
Transcorrendo, transformando,
Tempo e espaço navegando
Todos os sentidos
(...)
Tempo rei, ó tempo rei,
Ó tempo rei,
Transformai as velhas formas
Do viver (...)
(GIL, 1994)
No primeiro texto, o autor partiu de uma situação em que o tempo se inscreve como centro: a mudança de horário no período do verão, em alguns Estados brasileiros, e os transtornos que causa em algumas pessoas. Para Paiva, por exemplo, o transtorno se transforma em reflexões hilariantes.

Os dois textos seguintes apresentam o tempo a partir de uma ótica conceitual e analisam sua importância social e cultural no mundo contemporâneo. Veja que os elementos irônicos e humorísticos perderam sua vez nesses textos. Ao contrário, seus autores buscam referenciar alguns estudiosos do assunto, para garantir confiabilidade ao seu discurso.
Podemos até não conhecer a física Bodil Jönsson, mas certamente já ouvimos falar de Einstein. E esse conhecimento prévio aponta para um dos elementos que nos permite categorizar os Textos 2 e 3 dentro do discurso científico, ou seja, aquele que procura argumentos que confiram validade científica às reflexões realizadas.

Conforme podemos constatar, entre os cinco textos apresentados, alguns encontram-se na situação apontada pelas duas autoras. São textos que informam, dissertam, argumentam; que procuram aprofundar e ampliar nossa compreensão sobre o tema. Por vezes, buscam influenciarnos; por outras, adicionam elementos informacionais para que possamos refletir. Este tipo de texto, cujo objetivo é informar, dirige-se a um público mais especializado. No entanto, há um outro grupo de textos cujo alvo não é a informação.

Nos Textos 4 e 5, o tema tempo vem expresso no próprio título: o Texto 4 é parte de um poema de Carlos Drummond de Andrade, denominado Os áureos tempos. Já o Texto 5 é um trecho de uma canção de Gilberto Gil, bastante conhecida , Tempo rei.
Contudo, repare que a função poética, predominante no texto literário, molda-se, por meio da subjetividade nos dois textos em questão. No poema drummondiano, a primeira pessoa do plural encarna um “nós” constitutivo de um “eu” poético, ou seja, quando o poeta nos afirma que, naquela rua, “O lado direito / Retinha os jardins. / Neles penetrávamos”, o verbo penetrar intensifica sua emoção, ao rever precisamente os jardins do lado direito daquela rua. E essa emoção é sua, do poeta, apesar do verbo no plural. Já o verbo reter amplia a carga conotativa do texto, uma vez que nos causa a sensação de algo que não se quer perder de forma alguma. Semanticamente, a palavra está carregada de sentido(s).
Na composição de Gilberto Gil, o pronome pessoal no singular expõe o “eu”, sem subterfúgios. Essa presença do pronome em primeira pessoa é elemento familiar à subjetividade e, também, à função poética presente, por exemplo, no seguinte trecho: “Não me iludo / Tudo permanecerá do jeito / Que tem sido...”

É preciso não esquecer que “a singularidade do discurso literário deve ser buscada no nível de sua organização estrutural”, como nos afirmam Capello e França (2004). Em outras palavras, critérios valorativos ou de verdade não são colocados no mesmo plano, quando nosso assunto é texto literário. Ele não é bom, ou ruim, bonito ou feio.
Ele “é”, da “forma” como foi estruturado/engendrado/criado pelo autor/poeta/trabalhador das palavras. E “é”, igualmente, pela forma como cada um de nós, seus leitores, olha para ele.
Nesse sentido, deixe-se arrebatar pelas imagens poéticas criadas pelos autores. Tente apreender, por meio de sua vivência e de sua experiência pessoal, os múltiplos sentidos e os vários significados que aquelas construções de linguagem possibilitam formar. Desta forma, “sinta” o texto literário.
• Os gêneros constituem diferentes tipos de textos. O texto literário é um deles.
• Há elementos que singularizam o discurso literário. São eles: a forte carga conotativa; a subjetividade, entendida a partir do trabalho estético, artístico; e a verossimilhança, ou seja, a criação de uma lógica específica, uma verdade própria.

Conotação
Emprego de uma palavra tomada em um sentido incomum, figurado, circunstancial, que depende sempre de contexto. Muitas vezes é um sentido poético, fazendo comparações.
• A frieza do olhar
• A lua nova é o sorriso do céu.
Os provérbios ou ditos populares são exemplos da linguagem de uso conotativo.
• "Quem está na chuva é para se molhar" seria o mesmo que: "Quando alguém opta por uma determinada experiência, deve assumir todas as regras e consequências decorrentes dessa experiência".
• "Em Casa de ferreiro, o espeto é de pau" é equivalente a que a pessoa faz favores fora de casa, para os outros, mas não faz em casa, para si mesma.
• "Ele é um ''Gato" seria o mesmo que dizer "Ele é lindo/bonito
Divisões do sentido conotativo
Comparativo
• Quando compara uma coisa com a outra usando figuras.
• Exemplo: O homem é forte como o leão.

Denotação
Em semântica, a denotação de um termo é o objeto ao qual o mesmo se refere.
A palavra tem valor referencial ou denotativo quando é tomada no seu sentido usual ou literal, ou seja, naquele que lhe atribuem os dicionários; seu sentido é objetivo, explícito, constante. Ela designa ou denota determinado objeto, referindo-se à realidade palpável. exemplo: O papel foi rabiscado por todos. papel: sentido próprio, literário.
A linguagem denotativa é basicamente informativa, ou seja, não produz emoção ao leitor. É informação bruta com o único objetivo de informar. É a forma de linguagem que lemos em jornais, bulas de remédios, em um manual de instruções etc.
Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre



Resumo Lit. FL - aula 9 - Texto literário 1 - a ficcionalidade

Nesta aula, vamos refletir sobre ficcionalidade, uma noção muito importante para a compreensão do texto literário, em especial, sobre os elementos da prosa. O que nos move é a necessidade de refletir sobre a relação entre realidade e ficção, tentando compreender o espaço ocupado pela ficção em nossa sociedade, bem como sua função nesse contexto.
AS NOÇÕES DE FICÇÃO E FICCIONALIDADE NOS ESTUDOS LITERÁRIOS
Concepções de ficção: a noção de ficcionalidade
Dentre as diversas acepções da palavra ficção presentes no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, selecionamos algumas:

Ficção s. f. ato ou efeito de fingir 1 construção, voluntária ou
involuntária da imaginação, criação imaginária (...), 1.3 grande
falácia, mentira, farsa, fraude (sua vida era uma ficção) 2 criação
artística (literária, cinematográfica, teatral, etc.) em que o autor
faz uma leitura particular e geralmente original da realidade 3 LIT.
caráter imaginativo e criativo de uma obra literária (narrativa,
lírica ou teatral) (HOUAISS, 2001, p. 1336).

Observando essas definições, percebemos claramente um ponto em comum: todas, de um modo ou de outro, fazem referência à capacidade dos seres humanos de fingir, de imaginar a realidade. A diferença entre o significado cotidiano do termo ficção e seus usos nos estudos literários está em um detalhe, que devemos observar com mais cuidado: o grau de intencionalidade dos recursos da imaginação.
Para que um autor possa imprimir a uma obra literária elementos da imaginação, não basta sair inventando o que lhe vier à cabeça, de forma aleatória. É preciso critério e recursos apropriados da língua, os quais serão harmonizados com os elementos da obra literária.
De tal modo, associando as noções que extraímos do dicionário com as reflexões indicadas anteriormente, podemos afirmar que ficção é o termo usado para descrever obras criadas a partir da imaginação.
Vamos ler um trecho do romance “vidas seca”.

(...) Fabiano, uma coisa da fazenda, um traste, seria despedido quando menos esperasse. Ao ser contratado, recebera o cavalo da fábrica, perneiras, gibão, guarda-peito e sapatões de couro cru, mas ao sair largaria tudo ao vaqueiro que o substituísse.
Sinhá Vitória desejava possuir uma cama igual a de Seu Tomás da bolandeira. Doidice. Não dizia nada para não contrariá-la, mas sabia que era doidice. Cambembes podia ter luxo? E estavam ali de passagem. Qualquer dia o patrão os botaria para fora, e eles ganhariam o mundo, sem rumo, nem teriam meio de conduzir os cacarecos. Viviam de trouxa arrumada, dormiriam bem debaixo de um pau.
Olhou a caatinga amarela, que o poente avermelhava. Se a seca chegasse, não fi caria planta verde. Arrepiou-se. Chegaria, naturalmente. Sempre tinha sido assim desde que ele se entendera. E antes de se entender, antes de nascer, sucedera o mesmo – anos bons misturados com anos ruins. A desgraça estava a caminho, talvez andasse perto. Nem valia a pena trabalhar. Ele marchando para casa, trepando a ladeira, espalhando seixos com as alpercatas – ela se avizinhando a galope, com vontade de matá-lo (RAMOS, 1971, p. 59).

Compare, agora, o trecho do romance com o fragmento do sociólogo Gilberto Freire, extraído do ensaio Nordeste. Tente estabelecer algumas relações entre as noções de ficção e não-ficção.

Segundo documento oficial – Aspectos da Economia Rural Brasileira – há no nordeste propriedades em que os trabalhadores iniciam os seus serviços com o romper do sol e só os deixam ao ocaso, com pequenos intervalos para o almoço e uma merenda. E todo esse excesso de esforço físico, dos trabalhadores de açúcar, dos cabras de engenho, dos negros de bagaceira, a despeito das condições de vida terrivelmente desfavoráveis: quase nus e minados por toda sorte de mazelas e vícios e morando em choupanas miseráveis. E não se deve esquecer o que é capital na explicação do muito que se encontra de inferior em proletariado de condições de vida tão à-toa: a alimentação a um tempo imprópria e deficiente. Não só por erros tradicionais de dieta como pela necessidade de acomodar-se o trabalhador a salários os mais reduzidos e a fontes de alimentação as mais escassas (FREIRE, 1989, p 161).

Ao compararmos os trechos destacados, podemos perceber que ambos tratam do mesmo assunto: as condições de vida de um trabalhador rural, no contexto do nordeste brasileiro. Mas a forma de tratamento desse assunto é bastante diferenciada nos dois textos.
Em Vidas secas, não há informações objetivas sobre as características do espaço, por exemplo. Contudo, podemos construí-lo em nossa imaginação através dos elementos sugeridos pelo autor, que se encontram no mesmo campo semântico e que se relacionam: a caatinga amarela e a seca que se aproximava são elementos que sugerem ao leitor o espaço retratado. Além disso, o escritor utiliza amplamente a função conotativa da linguagem, ou seja, a palavra em seu sentido figurado, para além do seu sentido primeiro.

Já a leitura do trecho extraído do estudo Nordeste oferece-nos elementos bem diferentes. Gilberto Freire, ao utilizar uma linguagem direta e objetiva, apresenta os fatos de forma descritiva e analítica. Não há apelo à nossa imaginação, e sim uma estrutura de texto lógica, com elementos de natureza explicativa, que nos fala à racionalidade. Portanto, a partir dessas evidências, já podemos concluir que o primeiro texto é de natureza ficcional e o segundo não-ficcional.

Agora, precisamos voltar ao dicionário para definir ficcionalidade; mesmo radical de ficcional, referente à ficção, que já examinamos, acrescido do sufixo dade, que denota condição. Portanto, temos:

Ficcionalidade s. f. 1 condição ou caráter do que é ficcional 2 LIT
característica de uma obra literária, especialmente da prosa, de
apresentar uma interpretação e/ou construção criadora de uma
realidade plausível ou fantástica (HOUAISS, 2001, p. 1336).
Refletindo um pouco mais sobre esta definição, podemos dizer que essa concepção coloca em jogo aquilo que o leitor da obra literária considera VEROSSÍMIL, mesmo lidando com a fantasia, ou não. Para garantir a condição de existência de uma obra literária, não vale imaginar do jeito que quiser; o leitor, exigente, deseja verossimilhança entre os elementos que a compõem.

Conforme indica o crítico literário Antônio Cândido, os três elementos principais de um romance são o enredo (a história) e a personagem – os quais representam a sua matéria – e as idéias – que representam o seu significado. Perceba que, em termos de técnica bem dosada, esses três elementos só têm sentido se estão muito bem equilibrados, oferecendo ao leitor um certo grau de ficcionalidade (realidade plausível), que tanto desejamos ressaltar.

Os conceitos de verossimilhança e ficcionalidade se aproximam. Se o escritor inserir no
romance elementos da imaginação que não se sustentam nem na estrutura da história, nem da construção da personagem, nem no nível das idéias, não há verossimilhança, prevalece um baixo nível de ficcionalidade e, assim, o romance acaba não convencendo o leitor.

• A ficcionalidade é uma característica fundamental no texto literário.
• Ficcionalidade e realidade não se excluem, antes se complementam.
• A ficção é uma modalidade de leitura indispensável à formação do leitor.



Resumo LIt FL - aula 10 - Texto literário 2 – literariedade

Desconfiamos que, se perguntarmos a um grupo de pessoas o que é um texto literário, certamente ouviremos as seguintes respostas: é “um poema”, “um texto que rima”, “um texto que fala de amor”, “um texto que emociona”. Podemos dizer que estas respostas estão “erradas”? Certamente que não. No entanto, podemos afirmar que estão respondendo, parcialmente, à pergunta formulada.

Texto 1
– Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.
Conteve-se, notou que os meninos estavam por perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. (...) Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:
– Você é um bicho, Fabiano.
Entristeceu. Considerar-se plantado em terra alheia! Engano. (...)
Deu estalos com os dedos. A cachorra Baleia, aos saltos, veio lamber-lhe as mãos grossas e cabeludas. Fabiano recebeu a carícia, enterneceu-se:
– Você é um bicho, Baleia.
Vivia longe dos homens, só se dava bem com animais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra.
Montado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia (RAMOS, 1978).

Texto 2
Canção do Vento e da Minha Vida
O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas.
O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos...
O vento varria tudo!
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo.
(BANDEIRA, 1971 pp. 151-152)
Geralmente, os textos literários chamam a atenção pela sua singularidade. Repare que o texto 1 não é, propriamente, “um texto que fala de amor”. Mas pode ser considerado como um “texto que emociona”, por algumas características que lhe são inerentes. Quando Fabiano estala os dedos e “a cachorra Baleia, aos saltos, veio lamber-lhe as mãos grossas e cabeludas”, ele se comove.
Fabiano passa, então, a se ver como um bicho, um cão, ou seja, sua existência se confunde com a de Baleia naquele sertão. A cena, em seus detalhes, o modo como a situação é narrada, o estilo utilizado pelo autor ao descrever Fabiano e as reações da cadela Baleia nos levam a essa emoção de que falamos há pouco. E isto é literariedade...
O texto 2 é “um poema”.. No entanto, não podemos afirmar que são “textos que rimam”. E quem disse que um poema “precisa” rimar? Ambos possuem musicalidade e ritmo próprios, o que já os qualifica dentro do gênero literário, independentemente da
existência da rima. Ao ler esses poemas, repare que a repetição do fonema “v”, no texto 2, empresta-lhe o som do próprio vento. Veja (ou melhor, escute): “O vento varria as folhas / O vento varria os frutos / O vento varria as flores”...

O que é, afinal, literariedade?
Segundo Aguiar e Silva (1976), dentre vários estudiosos que se debruçaram sobre a natureza e a especificidade da linguagem literária, destacam-se os formalistas russos, que, no início do século XX, buscaram definir o termo literariedade. Um desses formalistas, Roman Jakobson, escreveu: “Deste modo, o objeto do estudo literário não é a literatura, mas a literariedade, isto é, aquilo que torna determinada obra uma obra
literária” (Formalistas russos, 1973, p. IX-X). Nesse sentido, podemos afirmar que literariedade é a essência do texto literário, a sua natureza. (...) Há uma essência diferente, que os caracteriza, (...) essa essência constitui-se pela subjetividade, trabalhada esteticamente, bem como pelo uso, preferencial, da linguagem conotativa,
e ainda, pela verossimilhança.
Contudo, no aflorar dessa essência, surgem os elementos constitutivos, isto é, elementos desencadeadores da literariedade.

Plurissignificação
Aguiar e Silva (1976), em Teoria da literatura, sua obra de referência, opõe a linguagem literária – plurissignificativa – aos discursos lógico e jurídico, por exemplo, que são eminentemente monossignificativos, explicando, assim, o primeiro termo:
A linguagem literária é plurissignificativa porque nela o signo lingüístico, os sintagmas, as frases (...) são portadores de múltiplas dimensões semânticas, tendem para uma multivalência significativa, fugindo da univocidade característica do discurso científico
e didático e distanciando-se marcadamente, por conseguinte, de um grau zero da linguagem (p. 50).
Para o mesmo autor, “a palavra adquire dimensões plurissignificativas graças às relações conceptuais, simbólicas, imaginativas, rítmicas, etc., que contrai com outros elementos que constituem o seu contexto verbal “ (pp. 52, 53). Podemos afirmar, segundo essas citações, que o texto literário propõe vários sentidos e pressupõe múltiplas leituras, já que as palavras, as expressões e as formas lingüísticas utilizadas são, exatamente, para imprimir-lhe a literariedade.

Linguagem criativa: trabalho de criação estética com as palavras
É ainda Aguiar e Silva quem nos apresenta outro elemento caracterizador da literariedade em um texto, como vemos a seguir:
A linguagem literária define-se pela rejeição intencional dos hábitos lingüísticos e pela exploração inabitual das virtualidades significativas de uma língua(...). Os símbolos, as metáforas e outras figuras estilísticas, as inversões, os paralelismos, as repetições, etc.,
constituem outros tantos meios de o escritor transformar a linguagem usual em linguagem literária. Não raro o escritor, no desejo de conferir nova vida ao instrumento lingüístico de que dispõe, entra em conflito com as convenções lingüísticas da comunidade a que pertence, e não raro infringe a própria norma lingüística. (...) No domínio lexical, por exemplo, o escritor ora recorre a um arcaísmo, ora usa expressões de caráter técnico (...) ora cria novos vocábulos (...) Nessa criação, tanto significante como significado assumem valor. Na linguagem literária, verifica-se que os sinais lingüísticos valem não apenas pelos seus significados, mas também, e em grande medida, pelos seus significantes, pois a tessitura sonora dos vocábulos e das frases, as sugestões rítmicas, as aliterações são elementos importantes da arte literária (pp. 56-59). Ora, de que nos fala o autor? Ele fala da arte literária, do texto esteticamente trabalhado. Em outras palavras, ele nos afirma a importância da criação artística em um texto literário e as várias possibilidades de perceber essa criação em um texto – por exemplo, os símbolos, as metáforas e outras figuras estilísticas, as inversões, os paralelismos, as repetições.

Concluindo:
• Ao trabalhar com um texto literário, é possível partir de elementos que evidenciam sua natureza e o caracterizam. Esses elementos constituem a literariedade desse texto.
• A literariedade pode ser evidenciada pela plurissignificação e pelo trabalho artístico com o texto.



Resumo Lit. FL - aula 11 - Texto literário 3 - a exemplaridade

Nas aulas anteriores, você teve a oportunidade de conhecer conceitualmente importantes elementos que caracterizam o texto literário: a ficcionalidade e a literariedade. Esses elementos são, sem dúvida, marcas indiscutíveis da estrutura desse tipo de texto. Há, contudo, um outro elemento que, embora não esteja presente em todos os textos literários, pode ser encontrado em um número muito grande deles. A diferença é que este novo elemento não se vê imediatamente na estrutura manifesta do texto. Muitas vezes, ele se coloca na estrutura latente, como uma possibilidade de descoberta.
Estamos falando da exemplaridade, termo que poucos conhecem, pois a exemplaridade não é um elemento que tenha sido exaustivamente estudado pelos cientistas da Literatura, como acontece com a ficcionalidade e com a literariedade. Entretanto, é imprescindível que todos os que trabalham com o texto infantil tenham uma noção do que seja a exemplaridade.

EXEMPLARIDADE: O QUE É? DE ONDE VEM?
Exemplum é um texto curto, que narra uma situação exemplar – como o nome já sinaliza – com o objetivo de imprimir à história uma lição de moral. Esse tipo de texto foi fartamente utilizado na IDADE MÉDIA, como forma de veicular regras de moral e de comportamento.
A utilização a que se destinaram os exempla explica porque a exemplaridade é sempre associada ao caráter didático e moralizante dos textos em que se faz presente. É o caso das fábulas, que foram utilizadas na Grécia, provavelmente, a partir do século 6 a.C., um pouco antes do período clássico. Mais tarde, na Idade Média, o significado do termo se desdobra: tanto é compreendido como exemplo lato sensu, ou seja, referindo-se a uma situação que serve de base para exemplificar um argumento, quanto como uma narrativa que ilustra um ensinamento.
Assim, se na Antigüidade o exemplo só era validado a partir de sua ligação com a fonte referida, que lhe conferia autoridade, na Idade Média o próprio texto torna-se o modelo a seguir. Com isso, o exemplum vai se fortalecendo como narrativa, distanciando-se da concepção que o caracterizava como elemento de comparação entre dois discursos – ou duas experiências – a partir da referência a uma autoridade.

No fim da Idade Média, diante das crises vividas tanto pelos cristãos quanto pela Igreja, o discurso doutrinal lançou mão de uma estratégia narrativa voltada para a ficção.
Em virtude da necessidade de atingir um público em iminente situação de ceticismo, os PREGADORES passaram a utilizar narrativas exemplares que eram, a um só tempo, doutrina e entretenimento. As fábulas tiveram papel importante nesse processo, como cita Ana Morais, a partir da teoria de Jacques de Vitry:
Daí a necessidade de recorrer a exempla fabulosos, em que se conjuga a finalidade edificante com o divertimento, mas que se integram no processo da captatio benevolentiae, indispensável à boa recepção da doutrina.(...) A evangelização se alarga a todas as camadas sociais e quando aparece um público novo e sem preparação teológica ao qual o discurso doutrinal tem de se adaptar. Nesta altura, a dimensão ficcional do exemplum, que até então tinha sido um dado ignorado ou disfarçado, torna-se evidente e declaradamente um dispositivo indispensável para o funcionamento da edificação.

É emblemático o exemplo citado por Ana Morais, em seu artigo “Alguns aspectos da retórica do exemplo: lógica do modelo e hipóteses da ficção no exemplum medieval”, publicado na coletânea O gênero do texto medieval, que resgata o episódio em que, durante um sermão, os ouvintes, então sonolentos, despertam assim que escutam o nome do rei Artur. O prazer de ouvir boas histórias torna-se, nesse momento, a chave para obter a então quase perdida atenção do público ouvinte. É a descoberta dessa estratégia que leva à incorporação das fábulas nos sermões dos pregadores. (...) O exemplum configura-se numa estratégia retórica que, por isso mesmo, o aproxima mais ainda do literário. O espelho ideal que o texto exemplar busca ser só se faz imagem a partir da presença do leitor, ou ouvinte, conforme o caso. Nesse sentido, as verdades que a exemplaridade deve representar possuem lacunas que só a ficção é capaz de preencher.
A Idade Média foi o momento em que o texto exemplar ganhou um status que até então não possuía. Este passou a ser utilizado com o objetivo de manter uma estrutura social submetida a uma série de regras de moral e comportamento necessárias à sustentação do poder, sobretudo o religioso. A importância desses textos está, nesse momento histórico, intimamente ligada a objetivos políticos e religiosos. Não há, de fato, um reconhecimento de sua relevância literária, nem sequer de um caráter literário.
Com o passar do tempo, a necessidade de impor regras de comportamento arrefece, embora o interesse da manipulação a partir dessas regras continue a existir. Dessa forma, o texto exemplar puro – ou seja, aquele que impõe uma verdade a ser seguida, sem possibilidade de questionamento – vai deixando de ser utilizado explicitamente, e outros textos – principalmente os romances de cavalaria e as aventuras, como Robinson Crusoe, por exemplo – passam a ocupar o centro do interesse de uma nova classe social: a burguesia.

A exemplaridade é um elemento do texto literário que atravessou os séculos de formas diversas. Dependendo do objetivo do texto – e isso tem, está relacionado com a época, os costumes, os recursos – esse elemento é verificado na estrutura do texto de maneira específica.



Resumo Lit. FL - aula 12 - Literatura fantástica: o estranho e o maravilhoso

VEROSSIMILHANÇA é a capacidade que um texto tem de ser fiel à sua própria
lógica.
O estranho e o maravilhoso. Vários textos literários de autores consagrados da Literatura universal chamam nossa atenção por trazerem em sua estrutura uma firme exploração desses recursos. A literatura fantástica não se restringe a textos infanto-juvenis. Um dos autores mais conhecidos desse tipo de construção textual é EDGAR ALLAN POE, cujos contos, escritos na primeira metade do século XIX, atravessaram as fronteiras americanas. Todos já ouviram pelo menos falar, também, de FRANZ KAFKA, autor, dentre outras obras, de A metamorfose, também escrita no século XIX.
No texto infanto-juvenil, contudo, os elementos da literatura fantástica parecem estar quase sempre em primeiro plano, constituindo mais uma singularidade dessas obras.
Quando alguém nos diz que viu um fantasma, porque um vulto passou e não tinha ninguém em casa, logo perguntamos se não era a sua própria sombra, ou se a pessoa não estava sonolenta, ou se não foi o reflexo de alguém do prédio em frente. Em outras palavras, nossa primeira reação diante de um fato estranho é tentar uma explicação natural para justificá-lo. Sempre apelamos para a lógica, para aquilo que está nos limites do nosso alcance.
Com a literatura, entretanto, é diferente. Ela não tem esse compromisso de refletir logicamente a vida. Na literatura, “a face cruel da verdade” é coberta pelo “manto diáfano da fantasia”. Assim, no âmbito da ficção literária, o parâmetro não é a lógica do mundo real.
É por isso que, ao ler a história de Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, acatamos sem problema o fato de o lobo falar com a menina. Isso se dá porque, dentro do universo do texto, esse é um fato verossímil, ou seja, não nos causa estranheza, pois sabemos, ainda que intuitivamente, que aquele universo é regido por leis diferentes das que regem o mundo real. Desde que o texto seja fiel à lógica por ele instaurada, nós o aceitamos sem problemas.
Em Teoria da Literatura, costuma-se definir literatura fantástica como aquela em que o texto não se submete por inteiro às leis do senso comum, à lógica da Natureza, tal como a concebemos.
No texto fantástico, aquilo que, no mundo real, e, portanto, de acordo com o senso comum, seria considerado sobrenatural, é tratado como natural. Nesses textos, encontramos os animais que falam, seres de outros mundos, bruxas, fadas, e toda uma gama de personagens e acontecimentos incompatíveis com a realidade que nos cerca, mas absolutamente coerentes com o mundo ficcional do texto que habitam.
Ocorre que, mesmo na ficção, os fatos extraordinários podem assumir um caráter especial, ou simplesmente não causarem nenhuma estranheza. Por essa razão, costuma-se dividir a literatura fantástica em níveis, de acordo com sua proximidade ou com seu afastamento da lógica do mundo real. Nessa divisão, trabalhamos com duas possibilidades de ocorrência do fantástico: o estranho e o maravilhoso.
Quando, ao longo ou ao final da narrativa, acontecimentos aparentemente inexplicáveis, sobrenaturais até, recebem uma explicação racional, estamos diante do estranho. Ele é identificado como elemento da narrativa quando os acontecimentos, ainda que tenham levado personagens e leitor a crer na intervenção do sobrenatural, recebem, da narrativa, a possibilidade de explicá-los logicamente, reduzindo-os a fatos estranhos.
O fantástico é reduzido a estranho por meio de alguns procedimentos narrativos, tais como: o sonho, a alucinação, a ilusão, a loucura. A ocorrência do estranho é fundamentada numa interpretação equivocada que leitor e personagem fazem do acontecimento, considerando-o erroneamente sobrenatural. No maravilhoso, os fatos não apenas parecem, mas são, realmente, extraordinários. Isso quer dizer que, no maravilhoso, os fatos não estão subordinados à lógica do mundo que nos cerca. A única forma de compreender e aceitar o que se passa é admitir a intervenção de mundos até então inadmissíveis, regidos por leis próprias.
Essas leis levam-nos a aceitar, inclusive, a convivência de seres do mundo real com seres do mundo sobrenatural. Dessa forma, no maravilhoso, os seres humanos dividem naturalmente espaço com bruxas, duendes, gigantes, alienígenas e todo tipo de personagem que a ficção seja capaz de engendrar.
Assim, já começamos a desconfiar que o maravilhoso está presente em uma série de textos que conhecemos, e nem sempre esses textos estão associados à criança. Da mesma forma que encontramos o maravilhoso nos contos de fadas, podemos também encontrá-lo nas ficções científicas, por exemplo.

Para que a diferença entre o estranho e o maravilhoso fique mais clara, vamos imaginar a seguinte situação ficcional: no meio de um bosque, há uma casa. Nessa casa, mora sozinho um homem. Não há casas ao redor, nem mesmo perto da casa desse homem. Ele também não possui nenhum animal de estimação. Uma noite, ele entra em sua casa, isolada no meio do bosque, exausto. Ansioso por cair na cama, fecha toda a casa, conferindo, em cada cômodo, se as portas e janelas estão trancadas.
Deita-se. Daí a pouco, ouve um barulho – toc, toc, toc... Fica confuso, pois não há ninguém por perto, nem dentro da casa, e ele se lembra de ter conferido todas as portas e janelas. Que barulho será esse?
A partir desse momento, vamos imaginar dois caminhos para a narrativa.

Primeiro caminho
O homem se levanta e vai procurar a causa do barulho. Olha através dos vidros, não vê ninguém lá fora. Volta a conferir as portas e janelas. Vai a cada lugar da casa. Ao chegar ao sótão, contudo, percebe que uma das janelas está batendo. É estranho, pois ele conferira cuidadosamente cada uma delas. Entretanto, a janela está ali, batendo. Ele a tranca novamente e, intrigado, porém aliviado, volta para a cama.

Segundo caminho
O homem se levanta e vai procurar a causa do barulho. Olha através dos vidros, não vê ninguém lá fora. Volta a conferir as portas e janelas. Vai a cada lugar da casa. Ao chegar ao sótão, contudo, descobre a causa do ruído: um grupo de duendes está martelando um carrinho de madeira, com o objetivo de consertá-lo. O homem, então, compreende a razão do barulho, pede que os duendes deixem o conserto para o dia seguinte e volta para sua cama. É maravilhoso, ou seja, é aceitável no âmbito do texto, mas foge ao racional de nosso mundo contextual. Parodiando Shakespeare, em Hamlet, dizemos que há, mesmo, “mais coisas entre o céu e a terra do que julga nossa vã filosofia”.



Resumo Lit. FL - aula 13 - Elementos na narrativa – Parte 1

Certamente, você já ouviu falar de autores clássicos como Homero. E, bem mais adiante, já em terras portuguesas, de outro escritor clássico da Literatura, Luís de Camões. Pois bem, esses autores, respectivamente, escreveram epopéias, ou seja, textos cuja intenção era exaltar os feitos de heróis que representam seus povos, sua cultura, sua história.
Esses textos – as epopéias – eram narrativas em verso, pois a escrita e a leitura eram privilégio de poucos e, nesse sentido, de que forma esses acontecimentos seriam “narrados”? Como “contar” os feitos heróicos de Ulisses, dos lusos? Através de versos decassílabos, rimados, que podiam ser “decorados” e repetidos, de pessoa a pessoa, de grupo em grupo, de povo em povo...
Na verdade, quando falamos em epopéias, estamos diante de poemas – construções poéticas rimadas, constituídas por versos decassílabos – que narram aventuras ou feitos extraordinários. Com o tempo, esses poemas narrativos originaram o que se denomina, até hoje, como “narrativa”, um dos gêneros literários.
Como você reparou, dissemos que a narrativa é “um” dos gêneros literários, pois temos também a “lírica” e o “drama” constituindo essa tipologia própria dos textos literários.
Estamos trabalhando com a narrativa, um dos três gêneros literários, apresentando os elementos que a diferenciam dos outros gêneros, bem como aqueles que a caracterizam.
Segundo Aguiar e Silva (1976), tanto a narrativa como o drama se diferenciam da lírica (...) por representarem o mundo objetivo e a ação do homem considerada nas suas relações com a realidade externa (...) o desígnio central que rege o romance é a vontade de objetivar um mundo que possua nítida independência em relação ao romancista (...). Entre este mundo objetivado e o romancista podem estabelecer-se múltiplas relações – ódio, ternura, nostalgia etc. –, mas estas relações não aniquilam a fundamental autonomia das criações romanescas: o romancista, mesmo quando se deixa dominar por um impulso confessional, tende sempre a desligar do seu eu uma humanidade com vida e características próprias (pp. 233-234).
Em outras palavras, é a “ficccionalização” da realidade, alicerçada nas ações humanas, que confere à narrativa um estatuto diverso da lírica.
Na narrativa, há um descolamento do romancista do mundo objetivado que cria, ao contrário da lírica, em que o envolvimento do poeta com esse mundo criado é muito forte. Há elementos essenciais à construção de uma narrativa literária. Às vezes, ao lermos um texto dessa natureza, não nos damos conta da presença desses elementos. É claro que o enredo desenrola-se sem que precisemos estar tão atentos a eles. No entanto, se os conhecemos e percebemos sua importância, certamente estamos mais preparados para analisar esse texto, perceber sua literariedade, e, desta forma, aguçar nossa sensibilidade para a beleza das construções literárias criadas pelos artistas da palavra.
• Lírica, narrativa e drama são três gêneros literários.
• Há diferenças substantivas entre esses três gêneros literários, tanto em relação à sua natureza quanto à sua especificidade.
• A estrutura de uma narrativa literária compreende elementos como enredo, presença de personagens, ambiência no tempo e no espaço, dentre outros.


Resumo Lit FL aula 14 Elementos da narrativa - Parte 2

Na aula passada, você teve contato com a narrativa literária, que se distingue dos gêneros lírico e dramático em função de suas características tanto em relação à sua natureza quanto à sua especificidade. Também pôde estudar que a estrutura de uma narrativa literária compreende elementos como enredo, presença de personagens, ambiência no tempo e no espaço, dentre outros.

LOBATO, ANA E RUTH: UMA TRANÇA NARRATIVA QUE DEU CERTO

Monteiro Lobato é considerado o principal autor de literatura infantil brasileiro, pois foi o primeiro a escrever livros de literatura para as crianças. Advogado por formação, jornalista engajado, Lobato realizou-se como escritor, renovando a arte da narrativa com sua visão crítica sobre o homem e a terra brasileira, e sua grande capacidade de promover a fusão entre o mundo real e o maravilhoso. Criou vários personagens inesquecíveis – quem não se lembra de Jeca Tatu e da turma do Sítio do Picapau Amarelo? – que povoam a imaginação de muitos leitores até hoje.
Lobato escreveu adaptações de outras narrativas, tais como Dom Quixote para as crianças, Fábulas, Peter Pan e criou suas próprias histórias, como Reinações de Narizinho, As caçadas de Pedrinho, Memórias da Emília. Estes são apenas alguns exemplos de uma imensa lista de narrativas da literatura infantil que têm sido contadas e recontadas, de geração em geração, por meio de seus livros.
Atualmente, com a televisão, algumas de suas narrativas podem ser assistidas no “Sítio do Picapau Amarelo”.

Ruth Rocha. Leitora voraz desde pequena, formada em Ciências Sociais, orientadora educacional no início de sua trajetória profissional. Atualmente, escritora por dom e desejo de deixar suas marcas por meio da forma lúdica, bem-humorada, contestadora e irreverente de produzir suas obras. Ruth estreou na literatura infantil na década de 1970 com o livro Palavras, muitas palavras, e, de lá para cá, sua capacidade criativa tornou-se uma fonte inesgotável de belas obras literárias. Segundo Ruth Rocha, “história boa é a que tem coerência bastante para ser entendida e má intenção suficiente para se entender mais um pouco (1995, p. 42). Este critério ruthiniano pode ser bem identificado nesse trecho de O rei que não sabia de nada, ao trazer para dentro de sua narrativa preocupações contemporâneas que permeiam seu imaginário e que deseja compartilhar com os leitores.

Ana Maria Machado, professora, formada em Letras, jornalista durante parte de sua trajetória profissional, Ana Maria inaugura como escritora da literatura infanto-juvenil em 1977, seguindo o caminho aberto por Lobato, com o livro Bento-que-bento-é-o-frade. Desde então, não parou de escrever e de nos envolver com a pluralidade de sua criação literária, representando um marco na renovação da linguagem na literatura infantil brasileira. Suas narrativas valorizam a inteligência e a sensibilidade infantis e apresentam temática original e antenada com seu tempo. Para Ana Maria Machado, escrever é deixar-se levar por um certo clima, um certo estado de inocência diante da idéia, sem nem saber o começo, o meio ou o fim da história: “É como fazer jacaré no mar. Tudo está em pegar a onda na hora certa e depois se deixar levar pela força dela...” (1995, p. 34).
Assim, seguindo a trilha deixada por Lobato, Ruth Rocha e Ana Maria Machado laçam a modernidade do gênero narrativo infantil ao se apropriarem da linguagem simbólica para expressar, denunciar e criticar o que se passa no mundo real. As autoras oferecem ao seu leitor a oportunidade de refletir sobre problemas que fazem parte de
seu cotidiano, conhecer outros pontos de vista na vida e, dessa forma, construir ou modificar o seu.

Segundo Nelly Novaes Coelho (2000), a contemporaneidade de uma literatura infanto-juvenil e, por sua vez, do gênero narrativo pode ser identificada a partir das seguintes características:
• a narrativa, geralmente, se inicia mostrando o motivo ou as circunstâncias que levaram à situação em torno da qual girará a história.
Nesse sentido, há uma preocupação com a forma como a história será contada ao leitor;
• a narrativa nem sempre é linear (começo, meio e fim); ela pode, por vezes, entremear experiências do passado com as do presente. Por sua vez, a conclusão da história tende mais a problematizar do que a oferecer soluções e desfechos fechados para as situações apresentadas;
• os personagens podem ser representados de maneira satírica, questionadora e crítica (reis, rainhas, fadas, crianças etc.) ou tendem a ser membros de grupos, valorizando-se o bando, a turma, a patota;
• o conto tende a prevalecer entre as narrativas para a faixa infanto-juvenil; já o romance e a novela multiplicam-se para o público juvenil;
• o narrador se revela cada vez mais atento em relação à presença do leitor, demonstrando preocupação com a comunicação e com o alcance da história;
• o ato de narrar, ou seja, o ato de criar por meio das palavras, é cada vez mais valorizado;
• o tempo é variável: tanto pode ser histórico como indeterminado;
• o espaço é variável: pode tanto representar um cenário simples como o dinamismo da ação;
• mais do que oferecer exemplos ou conselhos, as narrativas contemporâneas se propõem a problematizar as situações da vida cotidiana, aguçando no leitor o desenvolvimento de um olhar crítico e criativo;
• o humor é uma das características mais valorizadas nas obras do gênero narrativo;
• há uma alternância entre a fantasia e a realidade nas narrativas;
• a linguagem visual (ilustrações, diagramação, cores, uso de novos materiais para impressão do livro) é muito utilizada como recurso na confecção das narrativas literárias.

Essas características revelam a busca do gênero narrativo pela renovação dos modos de escrever, produzir e confeccionar livros infanto-juvenis. Isso tudo contribui com o “projeto lobatiano” de iniciar o público infantil no mundo da literatura de modo mais prazeroso, crítico e criativo.
O movimento pós-lobatiano vem ganhando força desde 1970, e, de lá para cá, as abordagens do gênero têm superado paulatinamente as previsíveis fichas de leitura escolar e buscado caminhos alternativos muito interessantes.
Monteiro Lobato, Ruth Rocha e Ana Maria representam “marcos” do gênero narrativo infanto-juvenil, pelo pioneirismo de suas obras.



Resumo Lit FL - aula 15 - Texto literário 6 – elementos da poesia – Parte 1

O CONCEITO DE POESIA

Que é a poesia?
Uma ilha
Cercada de palavras por todos os lados (...). (RICARDO, 1998,
p. 25.)

Bem, as idéias transmitidas pelos poetas são bastante instigantes e diferentes porque trazem conceitos que nos falam à imaginação. Repare, por exemplo, na noção de inquietação, sugerida na idéia de porção de terra cercada de palavras, METÁFORA criada por Cassiano Ricardo que sugere lugar isolado, às vezes inacessível.

METÁFORA Figura de linguagem por meio da qual se cria uma comparação implícita entre dois termos; um termo é utilizado com o valor de um outro. Este é o caso de “Que é poesia? Uma ilha cercada de palavras”. Cassiano Ricardo utiliza palavras no lugar de água.

Por vezes, jogando mais com o humor, com a brincadeira, como Sylvia Orthof e José Paulo Paes – “é uma pulga, [que] coça”, “é brincar com palavras” –, por outra, em busca de conceituações mais complexas, como Cassiano Ricardo e Carlos Drummond de Andrade – “é uma ilha cercada de palavras”, “o que pensas e sentes, isso ainda não é poesia”– aproximamo-nos aos poucos de seus segredos.
Bem, as idéias transmitidas pelos poetas são bastante instigantes e diferentes porque trazem conceitos que nos falam à imaginação.
Já nos alertava Drummond: as palavras têm mil faces secretas e, se não tivermos a chave, ou seja, a percepção para os diferentes significados que as palavras assumem no contexto da poesia, não é possível compreendê-las.

Em todos os poemas há um ponto coincidente: o trabalho com as palavras, matéria-prima da poesia. Existe uma relação entre a poesia e o trabalho criativo com a palavra. Afinal, não podemos perder de vista a palavra expressa de forma criativa como matéria-prima da poesia
(...) a poesia corresponde à expressão do eu, ao “eu do poeta”.

De acordo com o poeta José Paulo Paes, uma das formas mais interessantes de irmos ao encontro da poesia é por meio da brincadeira com as palavras.
Podemos definir poesia, também, como modalidade literária que exprime estados e não acontecimentos. Modalidade literária que exprime acontecimentos (a narrativa) e a que transmite estados (a poesia).

Observe o trecho a seguir e veja o efeito de sentido provocado pelo eu lírico, que, para reiterar o deslocamento do trem, organiza os versos, repetindo a mesma construção sintática. Estamos diante de uma outra figura de linguagem que denominamos ANÁFORA.

ANÁFORA Figura de linguagem que se caracteriza pela repetição de uma ou mais palavras no princípio dos versos.

O apito da locomotiva
E o trem se afastando
E o trem se afastando
E o trem arquejando
É preciso partir
É preciso chegar
É preciso partir é preciso chegar... Ah, como esta vida é urgente!

Podemos acrescentar a esta análise a importância da escolha da forma nominal adequada. No caso deste poema, o uso do gerúndio é perfeito, pois ele é a forma nominal que denota continuidade da ação: “afastando, afastando, arquejando”. Perceba, outra vez, a ênfase no movimento do trem que parte. A figura de linguagem conhecida como ALITERAÇÃO também é utilizada, criando um efeito interessante. Por
meio da repetição dos fonemas /tr/ e /f/, o poeta confere ao poema a nítida sensação do movimento do trem e do seu barulho característico. Experimente lê-lo em voz alta, para perceber melhor essa sensação.

ALITERAÇÃO Consiste na repetição do mesmo som ou sílaba em duas palavras ou mais, dentro do mesmo verso ou estrofe. Em geral, a recorrência dá-se entre fonemas ou sílabas iniciais.

• A poesia define-se como trabalho criativo sobre a palavra.
• Na poesia, diferentemente da narrativa, a ênfase recai em um único personagem: o eu poético ou eu lírico.
• Na poesia, exprimem-se estados, e não acontecimentos, como na narrativa.
• O ritmo e as figuras de linguagem como a metáfora, a anáfora e a aliteração, estudados nesta aula, são recursos estilísticos importantes em sua composição.


Resumo Lit FL - aula 16 - Elementos da poesia - Parte 2

Agora que compreendemos a noção de poesia, é hora de ampliá-la, descobrindo outros de seus segredos. Um desses segredos está justamente na utilização freqüente de elementos expressivos, ou seja, os recursos desenvolvidos pelo poeta para tornar a poesia mais significativa e uma possibilidade de experiência estética para o leitor. Vamos observar, então, alguns elementos singularizantes da poesia, como o ritmo e a rima.
Para começarmos esta reflexão, é necessário partirmos de alguns princípios. O primeiro deles é que a poesia é um gênero literário, caracterizado por meio de idéias, que, geralmente, aparecem organizadas na forma de versos e de recursos musicais e estilísticos – a sonoridade, o ritmo e o jogo com as palavras. O segundo deles é que não basta apenas termos palavras dispostas no papel em forma de versos. Lembrando Drummond, com quem dialogamos na aula passada, podemos afirmar que isto ainda não é poesia. É necessário harmonizar os elementos que a compõem: idéias, recursos musicais e estilísticos, todos em perfeito equilíbrio. Para descobrirmos o segredo desse equilíbrio, veremos agora outros recursos utilizados pelos poetas ao longo do tempo, como a rima e a métrica.

Soneto de fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.(...)

Mas que seja infinito enquanto dure (MORAES, 1970, p. 98).

Após a leitura, vamos observar os elementos relativos à composição formal. Bem, temos nesta composição 14 versos, organizados em 4 ESTROFES. Por verso, entende-se a sucessão de sílabas ou fonemas, formando unidade rítmica e melódica. No poema de Vinicius de Moraes, os versos estão organizados em quatro estrofes.
No poema em estudo, percebemos uma certa organização dos versos: dois quartetos e dois tercetos. A esta estrutura de forma fixa, chamamos SONETO.
Além da maneira pela qual o poeta escolheu para organizar os versos, conferindo-lhe harmonia, há ainda o recurso do ritmo. Ao lermos o poema em voz alta, podemos perceber também uma cadência, um certo ritmo, tal como quando ouvimos ou cantamos uma música.
Este ritmo é criado pelo poeta pela alternância de sílabas acentuadas e não acentuadas.
Retorne ao poema, leia-o em voz alta e procure descobrir o ritmo das outras estrofes. Desse modo, você estará percebendo a sua musicalidade e os seus efeitos expressivos que podem falar à sua imaginação e sensibilidade.
Esses efeitos expressivos podem ser ainda acentuados, por meio de outro recurso musical, amplamente utilizado pelos poetas: a rima. Ela pode aparecer no final do verso – rima externa – ou mesmo no interior dos versos: rima interna.
De tudo, ao meu amor serei atento (ento) A
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto (anto) B
Que mesmo em face do maior encanto (anto) B
Dele se encante mais meu pensamento (ento). A

Neste tipo de combinação sonora, chamamos as rimas externas de interpoladas (ABBA). Poderíamos encontrar também as rimas alternadas (ABAB) ou mesmo as emparelhadas (AABB).

Elemento singularizante da poesia: a métrica
A palavra métrica sugere medida. Para análise da poesia, a sugestão de extensão é bastante apropriada, pois queremos indicar justamente a medida dos versos. E como podemos determinar a medida de um verso?
Tomamos por base a oralidade, a leitura em voz alta, e dividimos os versos em sílabas poéticas. A esta divisão denominamos escansão.
Vamos observar como este procedimento pode ser realizado na prática, a partir de um verso extraído do “Soneto de Fidelidade”:

Que / ro/ vi/ vê-/ loem/ ca /da/ vão/ mo/ men/ (to)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E em/ seu / lou / vor/ hei/ de es/ pa/ lhar/ meu/ can/( to)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Como você pode observar, esses versos possuem dez sílabas, e, por isso mesmo, são chamados decassílabos.
De acordo com o número de sílabas poéticas, os versos são denominados monossílabo (uma sílaba), dissílabo (duas sílabas), trissílabo (três sílabas), redondilha menor ou pentassílabo (cinco sílabas), redondilha maior ou heptassílabo (sete sílabas), decassílabo (dez sílabas), alexandrino (doze sílabas).

Perceba que a sílaba poética é contada pela emissão sonora, não coincidindo com a sílaba gramatical. Observe também que contamos apenas até a última sílaba tônica dos versos. A regularidade métrica contribui para a harmonia do poema, conforme pudemos examinar no soneto de Vinicius de Moraes.
Contudo, nem sempre os poetas observaram rigorosamente a extensão dos versos. Especialmente a partir do estilo de época conhecido por MODERNISMO, os autores utilizaram amplamente o verso livre, que não obedece a uma regularidade métrica.

Pronominais
Dê-me um cigarro,
Diz a gramática (...)
Mas o bom negro e o bom branco (...)
Dizem Me dá um cigarro (ANDRADE, 2001, p. 35).

Como podemos constatar, não há qualquer regularidade na extensão dos versos. Trata-se, portanto, de uma estrutura livre, diferentemente da regularidade dos versos (decassílabos) observados no soneto, que, por essa razão, chamamos regular.
É muito interessante perceber, na historiografia literária de Língua Portuguesa, os muitos poetas que desenvolveram o soneto. Além de Vinicius de Moraes, lembramos Luís de Camões, Bocage, Antero de Quental, dentre outros. No soneto, o poeta costuma desenvolver uma idéia central e a sintetiza, em geral, nos dois últimos versos. Vinicius de Moraes, por exemplo, por meio do eu lírico, fala-nos do sentimento de
fidelidade em relação à pessoa amada. Ele nos surpreende ao sintetizar essa idéia por intermédio da noção de uma chama, que dura na proporção em que dura o amor.

DIFERENTES TIPOS DE POEMAS E A FORMAÇÃO DO SER POÉTICO

Agora, iremos enveredar por um caminho marcado pela apreciação da linguagem poética, que pode ser alcançada no contato com diferentes tipos de poemas. Nesse sentido, concebemos os poemas como fontes de FLUIDEZ SIMBÓLICA (no plano imagético e sensorial) e lúdica, pois objetivamos tornar nossos alunos seres poéticos. Para atingirmos esse objetivo, é importante fazer a seguinte pergunta: que enfoque didático-pedagógico deverá nortear o trabalho com a poesia no contexto escolar?
Temos como propósito despertar em nossos alunos o ser poético, ou seja, por meio do contato com a poesia, estimular sua capacidade de recepção e de expressão em relação a esta modalidade literária. É importante ressaltarmos, porém, que não temos necessariamente o compromisso de formar futuros poetas/poetisas, mas educar para a apreciação da poesia, por meios que sensibilizem a criança, tocando seus sentidos e suas emoções, e aguçando sua imaginação e sua capacidade criativa.
Os modos de inclusão da poesia na escola devem estar necessariamente baseados na busca pela formação do ser poético em nossos alunos, alargando seu repertório criativo, por meio do contato com diferentes tipos de poemas e de poetas. Para tanto, a poesia não deve submeter-se a necessidades didáticas e utilitaristas, visando à cobrança de conteúdos programáticos relacionados à sua estrutura, à gramática normativa ou mesmo a interpretações orais ou escritas que se preocupam com a superficialidade do texto.
Uma das possibilidades de desenvolvimento da fruição poética pode dar-se por intermédio da leitura expressiva de poemas que estimulem o brincar com a sua sonoridade. Diversos poemas viabilizam o jogo de sons, que podem se desdobrar em prazerosas brincadeiras com os alunos.

• A rima e a métrica são elementos fundamentais para o ritmo e a musicalidade da poesia.
• A escola deve educar a criança para a apreciação da poesia, sem vinculá-la aos conteúdos didáticos.
• É importante desenvolver na criança o seu “ser poético”.



Resumo Lit FL - aula 17 - Elementos do drama

A Literatura depende – e muito – de idéias, de criação, mas também de todo um trabalho artístico com a(s) palavra(s) que, por vezes, envolve não só a arte de criar, mas também a reflexão, o que contribui para tornar o texto literário.
Esse trabalho artístico realiza-se por meio de textos cuja estrutura se diferencia, de acordo com as intenções do artista. A diferença é bastante nítida no gênero lírico, que se constrói com estrofes, versos – rimados ou não –, ritmo e cadência próprios.
Contudo, quando nos referimos aos gêneros narrativo e dramático, essa diferença é menos sentida. Ambos trabalham com textos que apresentam um mundo construído, objetivado pelo artista. Esses dois gêneros enfocam situações vividas por personagens, dentro de espaço e tempos definidos.
Assim como os gêneros lírico e narrativo, o gênero dramático também se concretiza em várias formas. Se no gênero narrativo podemos reconhecer subgêneros como o conto, o romance ou a novela, no gênero lírico, os sonetos, por exemplo, fazem esse papel.

O gênero narrativo, podemos “representar” quando tornamos presentes as ações humanas, quando as objetivamos em tempos e espaços definidos, quando o artista busca tornar presente o mundo em que vivemos, com seus conflitos e tensões,
E em relação ao gênero dramático? O que temos é também essa “representação”, mas com a finalidade concreta de representação por meio de uma encenação. Em outras palavras, estamos dizendo que o gênero dramático foi constituído para ser encenado, para ser “exibido em teatro”, o que não ocorre no gênero narrativo. Esta seria, pois, uma primeira característica do dramático – a possibilidade, quase obrigatoriedade, de exibição, de encenação ou, como diria Hegel, citado por Aguiar e Silva (1976), a peça teatral “contrapõe a totalidade dos objetos, própria à narrativa, à ‘totalidade do movimento’, própria do drama” (p. 239).

No gênero dramático, as situações são apresentadas em seus momentos de crise. As ações humanas encenadas são as mais tensas possíveis. Nesse sentido, podemos afirmar que a densidade, a tensão e a concentração de fatos conflituosos são características presentes neste gênero. nas narrativas, é imprescindível a presença de um narrador, aquele que “conta a história” e que pode, inclusive, ser um personagem (você se lembra do Bentinho, de Dom Casmurro?). Já no gênero dramático, o narrador é figura ausente. E por quê? A resposta é quase óbvia: se as peças teatrais são escritas com o intuito de serem encenadas, não há necessidade de narrador, uma vez que a própria dinâmica criada pelo texto teatral (por meio das falas dos personagens, e das situações apresentadas) “funcionará” como “eixo narrativo”

As diferenças básicas existentes entre os gêneros narrativo e dramático decorrem, principalmente, do fato de o primeiro não ter, como objetivo, a encenação. Já o segundo, porque trabalha, em essência, com essa certeza, precisa adequar-se às exigências dessa concretização no espaço teatral.
• A ação humana, representada em um mundo objetivado, com tempo e espaço definidos, é uma característica básica, presente nos gêneros narrativo e dramático.
• Tragédia, comédia e drama são, dentre outros, subgêneros do gênero dramático.
• O gênero dramático difere do gênero narrativo na medida em que é escrito para ser encenado.
• Ação, personagens e tempo são elementos que sofrem transformações quando trabalhados pelo gênero dramático.
• Não há narrador no gênero dramático.



Resumo Lit FL aula 18 Aula-síntese

RETROSPECTIVAS
É importante ressaltar que, nas aulas do Módulo 2, você estudou alguns pontos básicos que agora iremos relembrar.
Na Aula 8, observamos que os gêneros constituem diferentes tipos de textos. O texto literário é um deles. Aprofundamos, então, nossas reflexões sobre as características que são comuns ao texto literário, ou seja, sua natureza e sua especificidade. Nesse sentido, verificamos que o discurso literário possui elementos que o singularizam. São eles: a forte carga conotativa; a subjetividade, entendida a partir do trabalho estético, artístico; e a verossimilhança, ou seja, a criação de uma lógica específica, uma verdade própria.
Esta singularidade do discurso literário deve ser encontrada na organização estrutural do texto, na maneira como ele foi criado pelo autor/poeta que cria por meio das palavras, a partir da forma como cada um de nós, seus leitores, olha para ele. Nosso olhar é carregado de sentidos (impregnados por nossa vivência e experiência pessoais), que são atribuídos às diferentes construções de linguagem que encontramos.

Continuando nossas reflexões, nas Aulas 9 e 10 do Módulo 2, você teve a oportunidade de conhecer conceitualmente importantes elementos que caracterizam o texto literário: a ficcionalidade e a literariedade. Como podemos observar em nosso estudo, esses elementos são, sem dúvida, marcas indiscutíveis da estrutura do texto literário. E como definiríamos cada um desses elementos?
A ficção é o termo usado para descrever obras criadas a partir da imaginação. Porém, podemos ver que as obras ficcionais podem ser baseadas em fatos reais ou não, mas sempre contêm elementos da imaginação. Refletimos sobre a definição de ficcionalidade (realidade plausível) e verificamos que essa concepção coloca em jogo aquilo que o leitor da obra literária considera verossímil, mesmo que lidando com a fantasia. Percebemos, desta forma, que os conceitos de verossimilhança e ficcionalidade se aproximam.

Destacamos, então, quais elementos possibilitam a relação ficção-realidade. Identificamos os elementos da criação, estabelecendo contato com a vida social e os personagens criados, cuja motivação pautou-se em pessoas da vida real e cenas reais e imaginadas que poderiam ser lembradas.
Constatamos, assim, que ficcionalidade e realidade não se excluem, antes se complementam, pois o texto ficcional traz alguns elementos da realidade e outros elementos que falam à imaginação do leitor.
Na ficcionalidade, o escritor está relendo a realidade e, de certa forma, recriando-a, bem como o leitor muda sua maneira de enxergar a vida, fazendo uso da sua imaginação criadora. Portanto, estamos diante de uma via de mão dupla: a ficção modifica o leitor e, a cada nova leitura, a obra ficcional acaba por ser recriada.
E quais são os elementos da literariedade, ou seja, a essência do texto literário, a sua natureza? Verificamos que essa essência constitui-se pela subjetividade, vista esteticamente, bem como pelo uso, preferencial, da linguagem conotativa e, ainda, pela verossimilhança. O texto literário propõe vários sentidos, pressupõe múltiplas leituras, na medida em que as palavras, as expressões e as formas lingüísticas utilizadas o são, exatamente, para constituir essa possibilidade, imprimindo literariedade.

O texto literário, esteticamente trabalhado, pressupõe criação artística. Existem várias possibilidades de perceber essa criação em um texto – por exemplo, os símbolos, as metáforas e outras figuras estilísticas, as inversões, os paralelismos, as repetições –, ou seja, as figuras de linguagem. Além disso, você pôde perceber que as sonoridades verbais, os sistemas retóricos, léxicos e sintáticos, trabalhados de uma forma estética, podem levar a um texto literário. É preciso também que nos deixemos afetar por ele, buscando a multiplicidade de sentidos que essa leitura literária possui. Todavia, não há uma “receita de bolo” para desencadear a literariedade de um texto...

RECORDANDO OS GÊNEROS LITERÁRIOS
Dando continuidade à nossa síntese, nas Aulas 13, 14, 15, 16 e 17, apresentamos mais detalhadamente a tipologia própria dos textos literários, possibilitando a sua compreensão acerca das características e diferenças existentes entre os gêneros narrativo, lírico e dramático.
Como você verificou nas Aulas 13 e 14, a narrativa é um dos gêneros do discurso literário, possuindo um estatuto diferente do gênero lírico e do drama. A “representação” da realidade, alicerçada nas ações humanas, ou seja, do mundo objetivado, constitui-se num dos aspectos fundamentais da construção do gênero narrativo. Para que este mundo encontre objetivação, é necessária a presença de alguns elementos importantes tais como os “personagens”, a “ação”, o “tempo”, e o “espaço”. Cada um destes elementos tem uma função significativa na estruturação do gênero narrativo. Geralmente, as personagens, conjugadas à ação, ao tempo e ao espaço, contribuem para a ambiência da narrativa literária, para a construção de sua verossimilhança a que já nos referimos anteriormente.

Você pôde observar estes elementos em alguns textos do gênero narrativo, pertencentes a autores brasileiros, destacados na Aula 14: Monteiro Lobato, Ruth Rocha e Ana Maria Machado. A trança da narrativa literária infantil feita a partir destes três autores revela o pioneirismo de suas obras que, com imenso apreço em relação aos leitores mirins, criatividade e uma atitude crítica em relação à realidade brasileira, delinearam o gênero infantil com sentidos novos.

Continuando nossa revisão do Módulo 2, nas Aulas 15 e 16, refletimos acerca das características do poema (gênero lírico), destacando alguns pontos que os identificam: o trabalho com as palavras, matéria-prima da poesia; a idéia de trabalho criativo; a presença do eu do poeta ou eu lírico, que se revela ao mesmo tempo como sujeito e objeto nesse processo de criação, expressando o que sente, pensa ou imagina o poeta.
Além da voz do eu lírico, a poesia também se caracteriza por meio de muitos outros recursos expressivos: figuras de linguagem, imagens, musicalidade, ritmo. O ritmo e as figuras de linguagem, como a metáfora, a anáfora e a aliteração, são recursos estilísticos importantes na composição poética. Esses efeitos expressivos podem ser ainda acentuados por meio de outro recurso musical, amplamente utilizado pelos poetas: a rima. Ela pode aparecer no final dos versos – rima externa – ou mesmo no interior dos versos – rima interna.

Na Aula 16, ressaltamos um de nossos principais objetivos ao trabalharmos com o gênero lírico: despertar em nossos alunos o “ser poético”, ou seja, por meio do contato com a linguagem poética, abrir seus canais de recepção e expressão em relação a esta modalidade literária, educando para a apreciação da poesia, utilizando meios que sensibilizem a alma infantil, tocando seus sentidos e emoções e aguçando sua imaginação e sua capacidade criativa. Todavia, para que possamos promover esse “despertar” em nossos alunos, necessitamos, como professores, também de nos educar para a apreciação poética

Fechando o Módulo 2, apresentamos mais um gênero do discurso literário, o dramático, que possui características que o aproximam do gênero narrativo. Ambos trabalham com textos que apresentam um mundo objetivado pelo artista; enfocam situações vividas pelos personagens, dentro de espaço e tempo definido. Todavia, o gênero dramático tem suas especificidades.
Como você pôde perceber, o gênero dramático, como os demais gêneros literários, compõe-se por subgêneros, dentre os quais destacam-se as tragédias, as comédias e os dramas:

– as peças teatrais com essa carga emocional, em que conflitos e tensões chegam a limites existenciais como a morte, por exemplo, denominamos tragédia;
– textos teatrais em que as artimanhas são constantes, em que o riso suplanta as situações de conflito, ou melhor, em que essas situações conflituosas terminam em situações mais distensas, denominamos comédias;
– denominamos drama esse tipo de subgênero do gênero dramático, em que as ações são tensas, conflituosas, mas não chegam a situações-limite, a questões existenciais sem retorno, nem perspectiva outra.

Um ponto relacionado ao gênero dramático que merece destaque é o fato de que ele é constituído para ser encenado, para ser “exibido em teatro”. Nesse sentido, as peças teatrais, como são escritas com o objetivo de serem encenadas, são mais “econômicas” no que se relaciona a situações apresentadas e personagens em cena. Em relação às situações apresentadas, a densidade, a tensão e a concentração de fatos conflituosos são características presentes neste gênero. Já quanto às personagens, o gênero dramático exige a presença física dos seres humanos que as representarão, pois – não se esqueça! – a peça teatral é escrita para ser encenada.
Outro aspecto que deve ser ressaltado é que, neste gênero, o narrador é figura ausente, uma vez que a própria dinamicidade criada pelo texto teatral (por meio das falas dos personagens, das situações apresentadas) funciona como eixo narrativo.

E o tempo e o espaço, como elementos do gênero dramático, de que forma são representados? Diferente do gênero narrativo, no qual o tempo é longo e arrastado, no gênero dramático o tempo é curto, condensado, tempo de conflito e de luta inevitável.




Resumo Lit FL aula 19 Tradição ocidental da literatura infanto-juvenil – um pouco de história

No século XVIII, o conhecido “Século das Luzes”, as mudanças socioeconômicas que levaram a burguesia a ocupar posição de destaque no palco das revoluções liberais trouxeram, entre tantas novidades, a descoberta da criança como um ser diferenciado do adulto. Até então, ela era vista como uma miniatura do adulto, sem que se levasse em conta a necessidade de mediação para seu crescimento emocional, cognitivo e intelectual. Nesse momento, a criança ganha um novo status na esfera familiar, já que, uma vez reconhecida como um ser diferente do adulto, passa a ter uma atenção especial e, também, passa a compartilhar dos momentos íntimos da família.

Dentre esses momentos, um dos mais importantes era o da leitura, favorecida por uma nova ordem social, em que a burguesia, na urgência de se adequar ao novo papel de classe dominante, buscava a cultura e a tradição, comprando e consumindo, dentre outros artigos, livros.
A família, portanto, reconfigurada como família nuclear, adquire uma dimensão diferenciada a partir da ascensão da burguesia, quando, então, a escola ganha status de instituição cuja relevância compete com o próprio ambiente familiar. Além disso, a pedagogia e a psicologia começam a ser estudadas a partir de um ponto de vista científico, como teorias que buscam estudar e explicar o próprio homem, no mesmo instante em que a criança ganha um novo olhar da sociedade.

Dos momentos de leitura compartilhados por adultos e crianças nasce a predileção destas últimas por histórias de aventuras e ricas em fantasia. Embora tais histórias não tenham sido escritas deliberadamente para crianças, acabam sendo por elas “adotadas”, no sentido afetivo do termo. Nesse contexto, localiza-se o embrião do que passamos a chamar de Literatura infanto-juvenil.
Em paralelo, a preocupação com a criação de classes, na escola, divididas por faixa etária, facilitou a inserção da criança em um contexto social onde ela era o centro das atenções, num movimento analógico ao contexto familiar, que, cada vez mais, buscava ter com os pequenos uma atenção especial. É como se o elo entre a criança e o mundo fosse resgatado a partir dessa nova estrutura.

Nelly Novaes Coelho, em seu livro Literatura infantil – história, teoria, análise, afirma que “a literatura infantil é, antes de tudo, literatura.” (...)sempre vista como um gênero menor, ligado à brincadeira ou ao aprendizado, e seu caráter de criação literária foi ignorado pela crítica.
Nelly afirma que o ato de ler se transforma em um ato de aprendizagem, já que o texto infantil é “utilizado” como um veículo de comunicação entre o adulto – na figura do autor – e a criança – o leitor. Essa visão constitui uma das peculiaridades da literatura infanto-juvenil.

O reconhecimento de um destinatário especial não é, como talvez possa parecer, um problema para a literatura infanto-juvenil. O que se torna um problema é o fato de, por se tratar de um tipo de literatura especial, dirigida a um público diferenciado, deixar-se de considerar o caráter literário desses textos. A destinação a um público de jovens e
crianças não deve criar a equivocada convicção de que esses textos devam perder seu valor literário a partir do empobrecimento dos elementos que assim o caracterizam. O leitor infanto-juvenil não possui, por não ser adulto, um nível de exigência menor do que este. Assim, a fruição estética e o gosto pelo belo não se restringem aos mais velhos.

A literatura infanto-juvenil tem uma história de resgates. Ao mesmo tempo que ela é pedra fundamental da própria literatura, ainda que sem ser designada da forma como é atualmente, ela também tem um caráter extremamente jovem, quando o ponto de vista é o de seu direcionamento.
Em outras palavras, podemos dizer que o tipo de texto que hoje compõe o corpus dos textos infanto-juvenis é um texto ancestral, cuja origem não temos sequer como datar. Por outro lado, a preocupação de dirigir textos a um público infantil é recente – tem apenas dois séculos!
Não foi, portanto, o tipo de texto que mudou. Mudou, sim, seu público, e o olhar que se passou a destinar a esse mesmo público. Dessa forma, o texto literário infanto-juvenil vem sendo reconhecido como, antes de tudo, literatura. Seu uso na formação do leitor não deve ser dispensado, sob pena de criarmos a ilusão de ensinarmos a ler, quando apenas utilizamos o texto como pretexto.
Hoje, a prática docente não pode mais fechar os olhos para a importância do texto literário na formação do leitor.



Resumo Lit FL aula 20 Texto literário infanto-juvenil: sempre uma lição a ensinar?

Partindo da premissa de que o texto literário, por ser plurissignificativo, possui uma estrutura latente que permite ao leitor a geração dos vários sentidos possíveis para esse mesmo texto, já é possível pressentir que a leitura não é, apenas, uma forma de aprender uma lição. Pode-se, é claro, até mesmo aprender uma lição, mas isso não é essencial para que a leitura do texto seja feita de forma efetiva.
Assim, o texto literário passa a ser uma obra da qual se pode extrair não apenas aprendizados, mas, inclusive – e, talvez, principalmente – muito prazer.
Não é essa, contudo, a constatação que fazemos ao observarmos o trabalho que se tem feito com o texto – sobretudo o literário – em sala de aula.
Notamos que o texto é levado ao aluno como pretexto para se falar de um determinado assunto. Claro que isso também é legítimo. Mas não podemos deixar de fazer a leitura efetiva desse texto, tratando-o como literatura, quando for o caso.
A prática docente que encara o texto literário como mero artefato introdutório de assuntos cotidianos tem sua razão de ser. Na verdade, foi assim que se começou a utilizar a literatura com as crianças. O problema da “pedagogização” do texto literário destinado à criança é foco dos estudos de especialistas. É importante ressaltar que, no Brasil, esses estudos tomaram vulto a partir da década de 1970. São, portanto, estudos jovens, mas extremamente frutíferos.

(...) O menino aprende a ler na escola e lê em aula, à força, os
horrorosos livros de leituras didáticas que os industriais do gênero
impingem nos governos. Coisas soporíferas, leituras cívicas, fastidiosas
patriotices. Tiradentes, bandeirantes, Henrique Dias etc.
Aprende assim a detestar a pátria, sinônimo de seca, e a considerar
a leitura como um instrumento de suplício. (...) Acontece, todavia,
que o diabo intervém, e um belo dia lhe cai nas mãos um livro
proibido. Tereza, a filósofa, por exemplo. O menino abre-o, por
acaso, já enfastiado de antemão.
(...) E lê displicente uma linha. Lê mais interessado a segunda.
Lê uma outra com o sangue já a alvoroçar-se nas veias- e corre
a esconder-se para que ninguém lhe perturbe a leitura do livro
inteiro. Está salvo! Aquele providencial livrinho matou-lhe o engulho
da leitura inoculado na escola pela pedagogia sorna.
(...) E, despertado para um mundo novo, ei-lo à caça de livros e
a mergulhar-se em quantos encontra, em procura de pão para a
libido – o pão básico o pão fundamental de homem.

O texto de Lobato demonstra, além da já citada preocupação com a qualidade da leitura que se impinge à criança, uma atualíssima consciência crítica da finalidade pedagógica a que se destinam os livros infantis na escola, principalmente. Talvez por essa razão tantos estudiosos ocuparam-se da problematização da leitura, sem levar em conta a questão da literatura. Lobato não chega a passar de um pólo a outro, mas, em
1917 – ano em que foi escrito o texto – já se sentia à vontade para criticar a transformação da leitura em pretexto para a pedagogia.

Partindo da dualidade que coloca, de um lado, a leitura como fonte de ensinamento, e, de outro, a literatura como objeto estético, a autora conclui que a literatura infanto-juvenil está submetida a duas visões: a do adulto, que vislumbra de imediato seu caráter pedagógico ao perceber nela a possibilidade da dominação da criança e da transmissão de valores que garantam sua formação moral; a da criança, que encontra na literatura as possibilidades múltiplas que ela oferece, criando o acesso a vivências circunscritas ao âmbito da ficção e também desenvolvendo mecanismos para a aquisição de estruturas lingüísticas. Para Zilberman, esse caráter duplo da literatura infanto-juvenil é responsável por seu desprestígio diante do público adulto.

Com relação à estrutura do texto característico da literatura infanto-juvenil, a autora aponta a “fantasia” como um elemento que nela se presentifica desde suas primeiras manifestações. O termo “fantasia” é definido pela autora como o conjunto de elementos que marcam o texto infantil de maneira particular. O que se percebe é que Regina Zilberman utiliza o vocábulo no lugar do “fantástico” e do “maravilhoso”. Mais
que isso, ela sintetiza esses procedimentos numa só denominação. Com isso, é importante que se deixe claro que essa nomenclatura é uma opção da autora, e que a percepção do que ela busca significar é nítida em seu estudo. Assim, sob a perspectiva da denominação de Zilberman para o fantástico e o maravilhoso, pode-se afirmar que a fantasia que marca o texto infantil é também a marca dos textos que se configuram como a origem da própria literatura. Basta lembrar que ela nasce do mito, do conto popular, que, assim como o conto de fadas, lida com personagens que não pertencem necessariamente ao mundo cotidiano, agindo em espaço e tempo deslocados do contexto imediato dos leitores/ ouvintes.

Esses contos trazem a marca das forças antagônicas, em que bem e mal se enfrentam inexoravelmente, revelando-se como reflexo da história do homem. Para Zilberman, contudo, a presença da fantasia excluiria qualquer possibilidade de realismo no texto infantil, e tal impossibilidade contribuiria para o desprestígio da literatura infanto-juvenil. Mais que isso, levaria esta literatura a um dilema, que se poderia sintetizar na frase “ser ou não ser literatura”.
Na verdade, a preocupação da autora, nesse momento, volta-se para o fato de o leitor infantil estar ainda em formação, e, para ele, o caráter didático de um texto eminentemente fantasioso, do qual se exige coerência interna e verossimilhança externa, pode comprometer sua visão de mundo. Para Regina Zilberman, a distância entre o mundo criado no texto e o mundo real é uma exigência das prerrogativas pedagógicas, que centram no maniqueísmo seus ensinamentos e valores. Dessa forma,
a autora estaria deixando clara a utilização que a pedagogia faz do texto infantil: pautando-se no embate entre bem e mal, que sintetiza o maniqueísmo presente em grande parte da literatura infanto-juvenil, ela investe nos ensinamentos possibilitados pelo texto.

Por outro lado, a autora reconhece que ao texto infantil “cabe-lhe, pois, ser literatura, e não mais pedagogia.” A partir desse momento, Zilberman adota a perspectiva do LEITOR IMPLÍCITO para defender a abordagem da literatura infanto-juvenil como literatura, ou seja, o foco no leitor e na recepção do texto passa a corroborar seu caráter ficcional. Sem deixar de lado a peculiaridade do público infantil, a autora conclui que, como o público adulto, aquele também exige valores que reiterem o universo literário de suas leituras. Assim, a fantasia do texto estaria sendo admitida como estratégia da própria ficção, e não mais, apenas, como forma de criar um distanciamento do mundo real que possibilite a sinalização de valores maniqueístas como base para formar valores definitivos.

Ao admitir o leitor infantil como o leitor implícito dos textos infanto-juvenis, Regina Zilberman retoma a circunstância especial do nascimento da literatura infanto-juvenil, com a qual identifica o caráter também especial de seu destinatário. Assim, afirma que a relação com esse destinatário é mais acirrada no texto infantil, uma vez que a narrativa corre o risco de ser lida como uma linguagem comprometida com a intenção educativa. O foco no receptor fica mais bem definido, segundo a autora, a partir do momento em que as personagens dos textos para crianças passam a ser também crianças. Essa peculiaridade da estrutura do texto infantil leva a uma abordagem diferenciada, pois se cria um universo ficcional em que o narrador produz um papel para o leitor. Nesse universo, o imaginário da criança vivencia as fantasias que lhe expandem o horizonte de expectativas a partir, entre outras coisas, da resolução dos dilemas vividos pelo herói, agora mais facilmente identificado com ele. Ao reconhecer na literatura infanto-juvenil o espaço possível de múltiplas vivências, Regina Zilberman conclui que “ela é necessariamente formadora, mas não educativa no sentido escolar do termo.”

O prazer do texto depende muito de nós, professores, que, queiramos ou não, funcionamos como mediadores entre o texto e o leitor. Por essa razão, é importante conhecermos a estrutura do texto literário, os tipos de texto criados para crianças, a fim de podermos lançar mão de metodologias que favoreçam a formação do leitor proficiente.



Resumo Lit Fl aula 21 As fábulas

Sabemos que as fábulas são exemplos de textos que, no momento em que a literatura infanto-juvenil foi se autonomizando, passaram a fazer parte do repertório infantil, e têm forte cunho pedagógico.
Sabe-se que as fábulas circularam na Grécia por volta do século VI a.C. e que tiveram grande aceitação.
A autoria das fábulas, outro ponto obscuro, passou a ser atribuída a Esopo, cuja biografia é tão incerta quanto sua própria existência. Segundo o historiador Heródoto, Esopo teria nascido na Frígia e trabalhava como escravo numa casa. Dizem, ainda, que seria corcunda e gago, protegido do rei Creso, mas também isso não se pode comprovar.
Esopo teria sido condenado à morte depois de uma falsa acusação de sacrilégio, ou talvez porque os habitantes de Delfos estivessem irritados com suas zombarias, ou ainda porque suspeitassem de que Esopo teria a intenção de ficar com o dinheiro que Creso lhes tinha destinado.
Nada, porém, ficou jamais comprovado.
Pode-se considerar a fábula como um resgate das narrativas populares, sobretudo da tradição oral, antecedente à sua disseminação por escrito. A fábula seria uma variante do conto, veiculando uma realidade ideal capaz de preencher as expectativas dos leitores, que vêem ali um mundo de possibilidades, muitas vezes, inatingíveis no mundo real, sendo, por isso, paralelo àquele em que vivem.

A ESTRUTURA DA FÁBULA: OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS
A fábula apresenta uma estrutura bifurcada: a primeira parte, de caráter narrativo, apresenta o enredo, que é o próprio exemplo; a segunda, na forma de um aforisma ou provérbio, sintetiza o ensinamento contido na primeira e se converte na moral da história. Esse ensinamento vincula-se a um ideal de comportamento que decorre do julgamento ético operado pela narrativa. Assim, pode-se pensar na fábula como um discurso do qual se retira sempre uma lição, o que explica o termo “literatura exemplar”.
No âmbito da cultura antiga, a fábula é um precioso instrumento de análise do comportamento humano. Ao passar pelo filtro da cultura cristã, porém, vai ganhar um
caráter cada vez mais moralizador, em que o bem e o mal estão em conflito permanente, do qual sai vencedor, na esmagadora maioria das vezes, o bem, o que conduz à reafirmação da virtude e da moral
Dessa forma, a “moral da história” é a síntese do objetivo maior da fábula: ensinar. Por isso, a fábula é entendida sempre como um texto de caráter didático.
A identificação da moral da história com alguns provérbios, principalmente os da Bíblia, nos levam a pensar na conveniência desse tipo de texto nos momentos de crise, sobretudo na Idade Média.
Há um fato interessante relacionado à leitura das fábulas: ao realizarmos sua leitura, temos a impressão de que já ouvimos aquilo antes. Isso se dá, provavelmente, porque a fábula tem uma forte relação com ensinamentos cristãos e mesmo com provérbios populares.

A Raposa e as Uvas
Uma raposa solitária, há muito tempo sem comer e magra de fome, depois de muito perambular chegou a um parreiral. As parreiras estavam cobertas de frutos, com muitos cachos, cheios e maduros, prontos para serem comidos.
Como não havia ninguém à vista, a raposa entrou sorrateiramente no parreiral, mas logo descobriu que as uvas estavam muito altas, pois os galhos das plantas se enroscavam num alto caramanchão, fora do seu alcance.
Ela pulou, errou, tornou a pular; mas todos os seus esforços foram inúteis. Cansada, a raposa começou a sentir dores pelo corpo, em resultado dessas repetidas tentativas para matar a fome.
Finalmente, frustrada e zangada, a pobre raposa, depois de um último pulo, exclamou:
– Ora, eu não quero mesmo essas uvas! Estão verdes, não prestam.
(Adaptado de www.latim2002.hpg.com.br.)
Moral da história: Quem desdenha quer comprar.
Já podemos tirar algumas conclusões a respeito das fábulas. A primeira é que seu nascimento está estreitamente ligado ao ensinamento de lições.
Mais que isso, à veiculação de verdades que interessavam ao poder.
A segunda é que podemos entender por que as crianças adotaram as fábulas como textos prazerosos: elas têm, em sua esmagadora maioria, animais como protagonistas. Esses animais falam e agem como seres humanos (lembra-se do maravilhoso?), imprimindo ao texto um caráter fantástico caríssimo ao público infantil.
Por fim, são textos curtos, de leitura rápida, em que o mal é punido e o bem, recompensado.


Resumo Lit FL - aula 22- Os contos de fadas e os contos maravilhosos

Quando falamos em literatura infanto-juvenil, alguns tipos de texto vêm logo à nossa mente. É o que ocorre com as fábulas e os contos de fadas, de forma mais pungente. Temos a sensação de que sabemos tudo sobre eles, porque, na verdade, desde tempos que não conseguimos precisar em nossa infância, ouvimos essas histórias e somos capazes de recontá-las. É como se as tivéssemos lido infinitas vezes, ainda que isso não tenha acontecido. É justamente essa facilidade de reter na memória uma história que nos foi contada oralmente que justifica a sobrevivência de textos tão antigos em nossa cultura.

Bastava o mote “Era uma vez, num reino distante...”, ou “Era uma vez uma linda princesa...”, e fixávamos o olhar no horizonte para deixar a imaginação voar.

A origem dessas narrativas antecede a era cristã. Elas são oriundas de fontes célticas e orientais e, ao longo dos séculos, foram sendo recontadas e adaptadas a novos tempos e a novas sociedades. Afinal, sabemos que “quem conta um conto aumenta um ponto.”
Outra informação interessante a respeito das narrativas maravilhosas é, justamente, a constatação de duas fontes diferentes de origem. De um lado, temos a tradição celta, em que a religiosidade e os valores espirituais ganham destaque. De outro, temos a cultura oriental, bem diferente da primeira, em que a ênfase recai sobre o desejo de auto-realização do herói.
Assim, podemos perceber que o que hoje chamamos de conto de fadas é, na verdade, uma assimilação desses dois tipos de narrativas que, embora tenham origens diversas e quase opostas, acabaram por caminhar numa direção comum.

A origem dos contos maravilhosos, diferentemente da origem dos contos de fadas, é oriental. Sua ênfase é na necessidade básica do herói, que, em sua busca, prioriza a questão material e a sensorial em detrimento da espiritual, como ocorre nos contos de fadas.
Nos contos maravilhosos, o desejo de auto-realização do herói é o eixo central da narrativa, que transcorre sempre em ambientes mágicos, contudo, sem a presença de fadas.

Dentre os contos maravilhosos mais conhecidos estão As mil e uma noites, que, hoje em dia, aparecem junto com os contos de fadas.
Isso se explica pelo fato de tanto uns quanto outros terem passado por uma série de adaptações ao longo do tempo. Também concorre para essa mistura a presença, nas duas narrativas, do maravilhoso, e a condução do enredo em meio a uma atmosfera mágica.

Os contos de fadas têm origem celta, a mesma tradição que nos brindou com os romances de cavalaria. A cultura celta é caracterizada pela presença de forte religiosidade, o que influenciou grandemente a cultura ocidental.

Os contos de fadas, então, caracterizam-se por uma magia, em que convivem reis, rainhas, gênios, bruxas, fadas. É interessante saber que, apesar do nome, os contos de fadas nem sempre têm fadas em seu enredo.
Há procedimentos que especificam o conto de fadas:
• a atemporalidade;
• a indeterminação espacial;
• obstáculos para alcançar o objetivo;
• valores do espírito humano.

A atemporalidade está expressa no famoso tópico frasal “Era uma vez”. O tempo em que se passa a história não é jamais definido. É um tempo qualquer, que nunca envelhece, é sempre o tempo do leitor.
O mesmo ocorre com a indeterminação espacial. É um reino distante, ou um reino cujo nome jamais encontraremos no mapa. É, na verdade, o lugar da ficção, ou seja, um espaço possível só no âmbito ficcional. Assim, criamos em nossa imaginação o reino encantado em que tudo acontece, num tempo que pode ser o nosso, se quisermos, ainda que as roupas da princesa e seu lindo castelo se mostrem distantes do presente. Nada disso, porém, é obstáculo para que o leitor conceba seu próprio tempo e espaço.
O objetivo é exatamente esse: por não estar localizado num tempo e num espaço determinados, o conto de fadas distancia-se de lugares reais em que os acontecimentos estejam relacionados com uma época, ocupando um espaço só possível na ficção. É, portanto, fruto da imaginação. É história, e não História. (...) heróis e heroínas são movidos pelas virtudes valorosas do espírito humano. É isso que os move e os faz enfrentar todo o mal. Afinal, eles são a personificação da perfeição ética.

Os contos de fadas, tal qual os conhecemos hoje, são uma herança cultural de nossos mais antigos ancestrais.
Ainda que saibamos que foram fortemente modificados, não podemos deixar de reconhecer que seu apelo junto ao público infantil permanece inabalável. Isso é conseqüência da presença do maravilhoso nos textos, o que contribui de forma definitiva para a formação emocional do pequeno leitor, já que, nos contos de fadas, sensações positivas e negativas são despertadas a partir do eterno embate entre o bem e o mal.



Resumo Lit. FL - aula 23 - O conto de fadas moderno

Sabemos que os contos de fadas e os contos maravilhosos fazem parte de uma tradição literária ancestral, herança da oralidade passada de geração em geração. Isso faz com que se tenha a sensação de que esses textos estão congelados num tempo distante, ainda que sua leitura continue nos acompanhando em nossos dias.
Há, contudo, na tradição ocidental literária, uma série de obras que resgatam os elementos dos contos de fadas e dos contos maravilhosos, atualizando-os.
Esses textos são os que passaremos a considerar como os contos de fadas modernos.
A estrutura da literatura infanto-juvenil está na origem da própria literatura, que nasce do poético, do mito, do conto popular.
O conto de fadas, assim como as narrativas míticas, lança mão do maravilhoso, conservando a estrutura do próprio mito.

A fábula moderna mantém a estrutura da fábula clássica, com o cuidado de adaptar-se ao interesse infantil. O mesmo se pode observar em relação ao conto infantil, que se convencionou chamar de conto de fadas. Essas narrativas – os contos de fadas – trazem a marca das forças antagônicas, já que o bem e o mal se enfrentam e se presentificam como valores de formação da mentalidade infantil.

Para Barbara Vasconcellos,
O conto de fadas pertence ao mundo dos
arquétipos, é um conto mítico, simbólico,
forma de narrativa que responde ao
universo da criança. (...) p.57.
A representação simbólica, que na visão da autora engloba a utilização de metáforas, símbolos, alegorias, é também a tônica das narrativas infantis, que, dependendo da época de sua produção, têm um elemento predominantemente específico. Isso leva à criação de personagens tipos, que são, muitas vezes, puras alegorias, como, por exemplo, os animais nas fábulas. A tipificação das personagens é, para Nelly, outro elemento singularizante das narrativas infantis.
Por fim, a autora considera a exemplaridade como “um dos objetivos mais evidentes da narrativa primordial novelesca” (p. 76), e inclui esse elemento como outro aspecto responsável pela peculiaridade do texto infantil.

Consideramos flagrante a presença do mito, da lenda e do próprio conto de fadas na literatura infanto-juvenil, mostrando que esses modelos literários sobrevivem nos textos para crianças por manter acesa a chama da tradição de contar histórias.
A fantasia – entendendo-se, por esse termo, o maravilhoso – não é privilégio do texto infantil. Embora a atração exercida sobre a criança por esse elemento seja bastante grande, a literatura sempre lidou com esse procedimento.

Nikolajeva (1996) lembra que, até determinado momento da literatura infanto-juvenil, a fantasia estava vinculada a um objetivo pedagógico do texto. Entretanto, a partir de meados do século XX, o código da fantasia começou a mudar, principalmente se for levada em conta a diversidade contextual em que as obras passaram a ser escritas.
Se antes o enfrentamento do sobrenatural, por exemplo, pressupunha uma grande hesitação tanto das personagens quanto do leitor, ele agora leva o leitor contemporâneo a um outro tipo de comportamento diante de determinados fenômenos, tendo em vista a evolução da ciência e da tecnologia, por exemplo.

HARRY POTTER
Harry Potter é, sim, um conto de fadas moderno.
O primeiro importante aspecto que o caracteriza é a eleição de uma personagem criança, facilitando, dessa forma, a identificação do leitor.
Esse é um procedimento próprio dos textos contemporâneos dedicados ao público infantil. O leitor implícito coloca-se com facilidade no lugar da personagem que, como ele, é também uma criança.
O que salta aos olhos, contudo, é que, apesar de ter o dom da bruxaria e freqüentar Hogwarts, Harry lança mão de valores humanos para vencer o mal.
A narrativa reforça a importância dos valores humanos e mostra que o herói é movido por objetivos nobres. Afinal, Harry só consegue a pedra filosofal por não ter nenhuma ambição em relação a ela, ao contrário de seus adversários, que pretendem usá-la em benefício próprio.

Os arquétipos típicos do conto de fadas são mantidos, e a luta do bem contra o mal continua a ser o tema central da narrativa. Apesar dessa identificação inegável com o conto de fadas tradicional, opera-se, aqui, a ruptura com o modelo de perfeição absoluta que caracteriza o herói daqueles textos. Se os príncipes e princesas que aprendemos a admirar nos contos de fadas tradicionais são exemplos da perfeição ética e estética, este não é, absolutamente, o caso de Harry. Ele tem suas fraquezas, é fisicamente o oposto do que se espera de um herói, mas preserva os valores morais e luta por eles.
A psique humana permanece em busca de estruturas que preencham suas lacunas. A persistência dos contos de fadas no repertório de leituras infantis não apenas reforça como atende a essa expectativa do imaginário infantil.
Essas leituras fazem parte do crescimento emocional do ser humano, pois forçam-no a lidar com sentimentos com os quais irá conviver para sempre.

Os textos contemporâneos, que tanto sucesso fazem entre leitores de todas as idades e que trazem em seu bojo os elementos constitutivos dos contos de fadas, reiteram essa busca tão incessante quanto necessária. É por essa razão que os consideramos contos de fadas modernos.


Resumo Lit. FM- aula 24 - Literatura infanto-juvenil no Brasil 1 – Márcia Cabral

No Brasil, a literatura destinada à criança forma-se seguindo a tradição dos estudos psicológicos relacionados ao desenvolvimento infantil, entre 1890 e 1920, quando apareceram os primeiros livros nacionais voltados para o público infantil e juvenil. As pesquisadoras Regina Zilberman e Marisa Lajolo mostram como tudo começou;

A literatura infantil brasileira nasce no final do século XIX. Antes das últimas décadas dos oitocentos, a circulação de livros era precária e irregular, representada principalmente por edições portuguesas. Só aos poucos é que estas passaram a coexistir com as tentativas pioneiras e esporádicas de traduções nacionais, como as de Carlos Jansen (...). Estas surgem a partir dos últimos anos do século passado, quando se assiste a um esforço mais sistemático de produção de obras infantis que, por sua vez, começam a dispor de canais e estratégias mais regulares de circulação junto ao público (ZILBERMAN, 1986, p. 15).

Se observarmos com cuidado o raciocínio das pesquisadoras em destaque, notaremos que as condições de circulação de livros infantis e escolares eram ainda bem restritas no Brasil, devido a fatores sociais, políticos e econômicos. Mal ingressávamos em um período republicano, e as relações econômicas consolidadas na época da escravidão ainda deixavam suas marcas, pois dependíamos em grande parte da produção de edições portuguesas. Além disso, quando a indústria livreira nacional voltada para o público infantil começava a engatinhar, nas primeiras décadas do século XX, dependia, consideravelmente, da instituição escola – pouco consolidada – e de um público alfabetizado bastante restrito para o consumo dessa modalidade de literatura.

1890 – a população brasileira é de 14.333.915 habitantes; sabem ler: 2.120.559 habitantes; não sabem ler: 12.120.559 habitantes; número de bibliotecas no Brasil: 147 (MEMÓRIA, 2005).

Monteiro Lobato entra em cena, e a sua obra literária destinada à criança e ao adolescente marca uma ruptura com o modo como a literatura infanto-juvenil se apresentava no início, tão comprometida com fins instrutivos e moralizantes.

Numa casinha branca, lá no Sítio do Picapau Amarelo, mora uma
velha de mais de sessenta anos. Chama-se dona Benta. Quem passa
pela estrada e a vê na varanda, de cestinha de costura ao colo e óculos
de ouro na ponta do nariz, – segue seu caminho pensando:
– Que tristeza viver assim tão sozinha neste deserto...
Mas engana-se. Dona Benta é a mais feliz das vovós, porque vive
em companhia da mais encantadora das netas – Lúcia, a menina
do nariz arrebitado, ou Narizinho, como todos dizem. Narizinho
tem sete anos, é morena como jambo (...).
Na casa ainda existem duas pessoas – Tia Nastácia, negra de
estimação que carregou Lúcia em pequena, e Emília, uma boneca
de pano bastante desajeitada de corpo. Emília foi feita por Tia
Nastácia, com olhos de retrós preto e sobrancelhas tão lá em
cima que é ver uma bruxa. Apesar disso, Narizinho gosta muito
dela (...).
Além da boneca, o outro encanto da menina é o ribeirão que
passa pelos fundos do pomar. Suas águas, muito apressadinhas e
mexeriqueiras, correm por entre pedras (...).
Todas as tardes Lúcia toma a boneca e vai passear à beira d’água,
onde se senta na raiz dum velho ingazeiro para dar farelo de pão
aos lambaris (LOBATO, 1964, p. 3).

Observe os elementos instigantes e a mudança de rumo neste texto, Reinações de Narizinho. O autor, logo de início, traz, como personagem, uma menina com liberdade para passear à beira d’água.
Ela se encanta com o mundo ao seu redor, abrindo espaço para a imaginação criadora da criança. O leitor é logo avisado de que ali não há tristeza. Monteiro Lobato anuncia e introduz os indispensáveis ingredientes de ficcionalidade da prosa literária: enredo, personagens, idéias, utilizando a estratégia da verossimilhança, compondo uma espécie de paisagem que “fala” à imaginação.

O início da trajetória da literatura infanto-juvenil no Brasil, seus autores representativos e os elementos singularizantes dessa produção. Pudemos concluir que a entrada de Monteiro Lobato nesse campo de estudo revelou um olhar diferenciado em relação à noção de criança e às possibilidades de falar à sua imaginação.



Resumo Lit FL aula 25 Literatura infanto-juvenil no Brasil 2 – Márcia Cabral

Você já deve ter percebido no título D. Quixote das crianças algumas mudanças signifi cativas no percurso da literatura para crianças e jovens no Brasil: a história inspira-se em uma obra clássica do século XVII, cujos conteúdo e linguagem são bastante complexos; texto reescrito observando elementos literários e destinado ao leitor criança.
Um primeiro elemento criado por Monteiro Lobato, logo no primeiro capítulo, é a figura de uma contadora de história, a personagem narradora Dona Benta. Esta vai estabelecer a mediação, uma espécie de ponte, entre a possível dificuldade de uma leitura clássica e o nível de compreensão dos meninos. Assim, o autor não precisou simplificar a leitura e, além disso, abriu espaço para que as crianças fizessem perguntas
e interferissem, a todo momento, na interpretação da história. Tais recursos são bastante interessantes, porque assinalam uma mudança da concepção de criança retratada nos primórdios da literatura infanto-juvenil no Brasil e a criança questionadora imaginada por Lobato.
Por meio desses recursos, Lobato afasta-se cada vez mais das lições moralizantes, do didatismo, da idéia de que a avó, por ser mais velha, adulta, é a mais sábia. Também podemos pensar que, se a leitura literária tem o poder de criar laços de identidade entre os personagens e o leitor, é bem possível que o leitor criança se imagine no lugar da personagem e passe também a questionar a realidade à sua volta.

(...) De fato, em meio à produção expressiva para crianças e jovens, O menino maluquinho, de 1980, ganhou um espaço singular e, também por isso, seguirá conosco. Vamos observar o porquê. Trata-se de uma história repleta de traquinagens de um menino que, ao alcançar a fase adulta, descobre ter sido apenas um menino feliz.
Ziraldo teve grande expressão na área do humor e da caricatura. Esses traços não são abandonados no momento da elaboração de livros destinados ao público infanto-juvenil. Em O menino maluquinho, Ziraldo lança mão do recurso narrativo clássico “Era uma vez...”, misturando ingredientes de humor no tom que oferece à narrativa com os traços bem marcados na composição das personagens. Os textos são curtos, expressivos e dialogam harmoniosamente com as ilustrações. Tal como os nossos outros “comandantes de viagem”, observamos também nesta obra de Ziraldo a imagem de uma criança com lugar já conquistado, com direito adquirido de virar e revirar o mundo adulto pelo avesso.

(...) Pois é, não bastassem os belos poemas que escreveu, Manoel de Barros nos ilumina com histórias poéticas, tendo como protagonistas crianças. Em O menino que carregava agua na peneira, não temos apenas uma imagem da criança cujo crescimento se consolidou ao longo da trajetória da literatura infanto-juvenil no Brasil.

Acompanhamos alguns autores representativos, que deram continuidade à tendência inaugurada por Monteiro Lobato, nos anos 1920, e os elementos singularizantes dessa produção: a criança elevada a uma condição de sujeito crítico e inteligente; narrativas complexas tanto em sua estrutura quanto no nível das idéias. Podemos concluir que os outros autores com os quais dialogamos – Cecília Meireles, Clarice Lispector, Ana Maria Machado, Ziraldo, Manoel de Barros – revelaram um olhar ainda mais apurado em relação à noção de criança e às possibilidades de dialogar com a sua imaginação criadora, por meio de variados recursos literários: ludicidade, no caso da poesia de Cecília Meireles; temáticas contundentes, na expressão de Clarice Lispector; jogo de temporalidades, na obra de Ana Maria Machado; humor e fantasia, explorados por Ziraldo, e mistura de prosa e poesia, na literatura de Manoel de Barros.


Resumo Lit Fl- aula 26- Aula-síntese (19 a25) – Cláudia Capello

Como pudemos ver até agora, a literatura infanto-juvenil tem uma história bastante peculiar. Dizemos isso porque, ao mesmo tempo que a existência de um tipo de texto claramente dirigido à criança é um evento recente, essa literatura está na base fundadora da própria literatura.
Vários procedimentos vêm sendo estudados por especialistas no assunto, no sentido de caracterizar esteticamente o texto literário dirigido a um LEITOR IMPLÍCITO infantil.
Além disso, há, nesse percurso, todo um esforço no sentido de apartar o texto literário infanto-juvenil de um uso estritamente pedagógico.
Esse uso, como vimos, é fruto da adoção de textos moralizantes pelo público infantil quando da emergência da literatura infanto-juvenil. Assim, o texto dirigido à criança ficou estigmatizado como um veículo puro e simples de ensinamentos.
Sabemos, contudo, que não é essa a única nem a melhor maneira de se abordar um texto literário, seja ele dirigido a que público for.

APRENDENDO E ENSINANDO LIÇÕES
Uma das maiores preocupações de quem lida com o texto literário em sala de aula é tirar o maior proveito possível do que ele tem a oferecer. Contudo, sabemos que, em muitos casos, o uso desses textos é limitado por uma visão viciada que vem acompanhando o trabalho com textos literários na escola. Essa visão é herdeira da crença de que todo texto deve ter uma lição a ensinar.
Não há nenhum mal em aprender e ensinar lições a partir de um texto. É preocupante quando isso passa a ser o único objetivo que rege a abordagem de textos de nossa literatura. Ao deixar de lado suas várias possibilidades significativas, corre-se o risco de neutralizar a própria essência da leitura, que só se faz plenamente quando o leitor participa da geração de sentidos para o que lê.

TEXTOS, TEXTOS, TEXTOS...
Fábulas, contos de fadas, poemas, romances. Um verdadeiro manancial de possibilidades, e todas saborosas. Será que esses textos são mesmo um privilégio restrito às crianças?
Você viu que a fábula, que hoje achamos tão ingênua e simplória, teve uma importância histórica enorme na Idade Média, exatamente como havia acontecido no momento de sua criação, na Antigüidade clássica.
Da mesma forma, os contos de fadas – nomenclatura com que hoje colocamos numa mesma categoria os contos populares maravilhosos de origem celta e os de origem oriental – têm uma relação estreita com as formas ancestrais de narrativas da cultura ocidental.

NOVOS TEMPOS, NOVAS VISÕES
Séculos se passaram desde que Esopo transformou em palavras um sentimento de insatisfação ainda intraduzível. Outros tantos anos nos separam das histórias de príncipes e princesas contadas de geração em geração.
Ainda assim, continuamos não apenas lendo, mas criando releituras desses textos ancestrais. É, como dissemos na Aula 23, a necessidade do homem de preencher as lacunas de seu imaginário com estruturas míticas e arquetípicas. Dessa forma, as fábulas e os contos de fadas vão sendo contados e recontados, resgatados e atualizados, para que continuemos a dar vazão a essa carência de nossa psique.
São infindáveis as possibilidades de textos que temos para trabalhar, e nem precisamos ir muito longe, basta procurar aqui mesmo, entre os autores brasileiros. Textos comoventes, bem-humorados, criativos, engraçados. Um sem-número de idéias nos esperando para pôr mãos à obra.


Resumo Lit FL aula 27 Habilidades,leitura e aplicação textual - parte 1 – Marcela Afonso Fernandez

Nesta aula, daremos ênfase a uma questão que afeta diretamente as práticas de leitura entre aluno-leitor e texto literário, objetivando a formação de leitores maduros e autônomos: o desenvolvimento de habilidades de leitura.
Podemos observar que as concepções de educação, linguagem e leitura constituem alicerces entrelaçados ao ato de planejar, direcionando as práticas de ensino por caminhos bastante diferentes.
Analisando a relação entre educação/transformação, linguagem/ interação e leitura/produção de sentido, observamos que seus desdobramentos tornam-se significativamente diferentes. Nesta perspectiva, a educação assume o compromisso de promover a emancipação dos alunos-leitores, por meio da interação com a linguagem e da atribuição de sentidos em relação aos textos propostos.

Uma das dimensões que parece óbvia, mas que merece ser destacada por ser muitas vezes esquecida pelos professores e pela comunidade escolar, diz respeito ao perfil de nossos alunos-leitores, já que é por meio desse perfil que se podem desenvolver práticas de leitura efetivas, fazendo frente às diferentes demandas sociais.
Essa dimensão está intimamente relacionada ao processo de seleção e apresentação dos textos literários para a leitura na escola.
Muitas vezes ocorre que os textos literários selecionados para os alunos-leitores nada têm a ver com as suas experiências prévias e com o seu repertório de interesses e necessidades. Neste sentido, as dificuldades reveladas pelos alunos no transcorrer de sua escolaridade são vinculadas à falta de referenciais dessas com os textos (sua forma e seu conteúdo temático). Dessa forma, o livro selecionado pelo professor para ser trabalhado em sala de aula encontra-se completamente desvinculado do que foi vivido e desejado pelo aluno-leitor.

O gênero literário possui elementos singularizantes que o caracterizam e identificam, diferenciando-o dos demais gêneros textuais. A identificação e a compreensão de sua natureza deve ser oportunizada no decorrer da escolaridade do aluno-leitor, por meio de práticas leitoras significativas.
Concomitantemente, tais práticas devem estimular o desenvolvimento de habilidades que possibilitem ao aluno-leitor extrair os sentidos latentes presentes no texto literário e, assim, construir sua maturidade e sua autonomia na relação com a leitura.

Para tanto, é preciso romper com os passos predeterminados de encaminhamento e dinamização da leitura literária que, muitas vezes, se restringem às atividades de leitura (silenciosa/em voz alta), aos exercícios com ênfase no vocabulário (tarefa burocrática de procura de palavras soltas no dicionário), à interpretação de texto (“rasa” e pautada na interpretação autorizada pelo professor), ao ensino da gramática
(fragmentada e baseada na norma culta) e ao desenvolvimento de redação (ancorada em temas “artificiais” e descontextualizados). Este modo acrítico de encaminhar a leitura literária é, muitas vezes, incorporado “naturalmente” pelo professor.

Na teoria de leitura crítica proposta pelo autor, o encaminhamento da compreensão do aluno-leitor prevê três habilidades importantes para sua formação: a constatação, o cotejo ou reflexão e a transformação.

A constatação refere-se ao primeiro movimento de interpretação durante a leitura. Nesse movimento inicial, o aluno-leitor lê e tece individualmente uma compreensão preliminar do texto, ou seja, produz um primeiro sentido para o texto proposto.

No cotejo ou reflexão, o aluno-leitor passa a realizar um movimento intermediário, interagindo com pequenos grupos de colegas, a fim de partilhar os sentidos produzidos na primeira etapa de contato com o livro selecionado. O importante, nesse momento, é a troca de idéias, impressões e opiniões em relação ao texto. Para tanto, o professor, como mediador deste processo, pode problematizar o texto, provocando a discussão com perguntas desafiadoras.

O terceiro movimento do aluno-leitor passa a ser, então, o de transformação. Em grupos, os alunos-leitores produzirão outros sentidos para o tema apresentado, por meio de situações desafiadoras propostas pelo professor. A partir dessas situações, serão criados outros textos vinculados às suas experiências de vida, ampliando as possibilidades de significação atribuídas ao texto inicial.

Devemos buscar uma perspectiva de educação que assuma o compromisso de promover a emancipação dos alunos-leitores, por meio da interação com a linguagem e da atribuição de sentidos em relação aos textos propostos.


Resumo Lit FL aula 28 Habilidades-leitura e aplicação textual - parte 2 – Márcia Cabral

De acordo com Ezequiel Theodoro da Silva (2003), o planejamento de práticas de leitura significativas pode estar pautado no desenvolvimento de unidades de leitura delineadas a partir de uma organização articulada, coerente e coesa de textos e atividades, estimulando a produção e a partilha de sentidos em relação ao tema proposto. Contudo, é importante que essas unidades tenham como alicerces uma teoria que sustente o esquema metodológico a ser construído.
Nossa proposta de encaminhamento da leitura e da compreensão do aluno-leitor está baseada em três habilidades, as quais são distribuídas em três etapas de trabalho com o texto literário: a constatação (movimento de produção de um primeiro sentido para o texto selecionado), o cotejo (movimento de troca dos sentidos produzidos na constatação) e a transformação (movimento de criação de outros sentidos em relação ao texto, por meio de situações desafiadoras).

O planejamento de práticas de leitura significativas pode centrar-se no desenvolvimento de unidades de leitura baseadas na seleção de textos e na organização de atividades que estimulem a produção e a partilha de sentidos em relação ao tema proposto. Para concluir, é importante que as unidades de leitura tenham uma teoria que sustente o esquema metodológico a ser construído.

Podemos concluir, então, que se torna relevante planejar o projeto de unidade de leitura, o qual deverá contemplar os objetivos das atividades, a seleção dos livros de literatura que serão utilizados, as atividades que serão desenvolvidas e as formas previstas de avaliação deste processo.


Resumo Lit FL aula 29 -Literatura, formação do leitor e escola: metodologias – parte 1- Márcia Cabral

Quando falamos em metodologia, queremos enfatizar uma reflexão teórico-metodológica por parte do professor e sugerir alguns caminhos possíveis. Sabemos que a prática por si só não tem produzido modificações relevantes na relação ensino-aprendizagem. Tampouco a teoria pura tem indicado direções eficazes. Por isso, propomos o estudo dos principais conceitos desenvolvidos ao longo dessas aulas, em consonância com o dia-a-dia de sua sala de aula e com a percepção do grupo de crianças com o qual você trabalha.
É preciso, portanto, antes de tudo, conhecer a história de leitura de seus alunos e de sua comunidade. É necessário mostrar para eles que literatura é um conceito que existe há milênios e que os homens, nas diferentes sociedades, têm-se apropriado da literatura das mais diversas formas.

1. É fundamental que, no caso da leitura por parte do professor, você a tenha lido algumas vezes e estudado a sua forma de elaboração: a construção da narrativa (linear? fragmentada?); os elementos que a constituem (tempo/ espaço/personagens), observando os elementos singularizantes que tornam esse texto literário.

2. Embora você conheça e possa desenvolver com os alunos alguns desses conceitos, é desejável que, em algum momento, você faça uma leitura visando, apenas, aos aspectos sensoriais do texto, enfatizando as pausas, as ênfases, os momentos de suspense, dentre outros aspectos que você considere importantes.

3. Uma outra forma de apropriação do texto literário é a leitura silenciosa, por parte das crianças.

4. Uma outra sugestão é a leitura compartilhada, em voz alta, por parte das crianças. Essa é uma ocasião em que elas podem trocar pontos de vista, concordando ou discordando de uma interpretação, fazendo perguntas, representando os personagens a seu modo.

Assim, analise muito bem os livros literários destinados ao público infanto-juvenil, antes de torná-los parceiros de trabalho.
Contemporaneamente, o livro infanto-juvenil de qualidade utiliza a linguagem literária, investe na ilustração e no projeto gráfico cuidadosos, além dos aspectos que procuramos desenvolver nas aulas desta disciplina.


Resumo Lit FL aula 30 Literatura, formação do leitor e escola: metodologias – parte 2 – Márcia Cabral

Agora, vamos pensar juntos em um projeto de leitura que desperte o interesse e a criatividade dos alunos, contribuindo para que a leitura literária seja uma aliada em seu trabalho.
PROJETO DE LEITURA LITERÁRIA
Para que este projeto seja fundamentado com rigor, é necessário que alguns pressupostos sejam considerados.
Assim, sugerimos, de início, um levantamento da história de leitura das crianças, de seus pais e da comunidade em que a escola está inserida. É bem possível que algumas dessas pessoas tenham se formado leitores de literatura por meio de histórias ouvidas, de leitura de fragmentos literários extraídos de antigas antologias escolares, dentre outras possibilidades.
Nem sempre se leu da forma que se lê contemporaneamente. Essa descoberta pode significar um momento de muita emoção para as crianças, quando comparada com os modos de leitura no contexto de nossa sociedade atual, onde se lêem livros de formatos variados e, em geral, de forma apressada.

Podemos iniciar o projeto apresentando diferentes histórias de leitura e de leitores significativas.
Dando continuidade ao projeto, podemos propor uma entrevista a ser realizada pelas crianças, contendo algumas relações com o que trabalhamos anteriormente, a partir do roteiro apresentado a seguir

1. Qual o primeiro livro de literatura significativo em sua vida?
2. Por que este livro foi significativo na sua vida? Comente os aspectos mais interessantes da história.
3. Quem foi a pessoa mais importante para criar em você o gosto pela literatura?

A nossa intenção é que, por meio desta entrevista, possamos introduzir as idéias que envolvem o projeto e, assim, contar com o interesse de todos os que dele participam: alunos, professores e comunidade. Apresentamos algumas sugestões e esperamos que você e as crianças as complementem. As crianças poderiam realizar a entrevista entre si, com os pais, com outros professores da escola, na comunidade em que moram e trazer as respostas em um tempo previamente estipulado.

Após a realização da entrevista, é importante organizar as respostas em tabela com as crianças e expor as informações para o conhecimento de todos, divulgando o projeto no âmbito da escola e da comunidade.
Na etapa seguinte, é possível propor um trabalho mais sistematizado, a partir de um dos gêneros literários estudados. Se, por exemplo, optarmos pelo gênero poético, convém escolher um autor representativo
e desenvolver a leitura de sua obra com as crianças. Neste momento, podemos sugerir que as crianças façam um levantamento dos títulos publicados pelo autor escolhido, assinalando as diferentes fases do poeta e de seus poemas mais expressivos.
Em seguida, é preciso estabelecer atividades para cada dia da semana, tendo em vista o desenvolvimento do projeto de leitura literária.
Por fim, consideramos fundamental que você reserve um espaço para a avaliação do projeto. De preferência, envolvendo todos os que dele participaram: alunos, pais, outros professores e a comunidade.
Este é o momento em que podemos constatar o que deu certo, refazer o que ficou pouco desenvolvido e mesmo propor mudanças para o percurso inicial escolhido. Afinal, a atividade educativa requer reflexão e auto-reflexão permanentes, para que possamos ter uma compreensão mais apurada do mundo. A leitura literária, como vimos, tem a possibilidade de nos inquietar e falar à imaginação. Ela pode ser uma dimensão singular para o desenvolvimento do aluno, ainda mais se aliada a um planejamento bem desenvolvido por parte do professor






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CIÊNCIAS NATURAIS NA EDUCAÇÃO 1


Resumo aula 1- Ciências Naturais na Educação 1 - Os diferentes modos de conhecer: o saber popular

O homem é dotado das capacidades de conhecer e de pensar, que constituem também, uma necessidade para ele. Necessidade de sobrevivência. O conhecimento é, pois, uma necessidade humana de compreensão e transformação da realidade circundante.

Diante da preocupação com a sobrevivência, o conhecimento é fator essencial ao desenvolvimento da sociedade. Já nos falava FRANCIS BACON que “saber é poder”, Afirmava
que o saber confere poder ao homem. Não podemos nos esquecer de que todos os animais possuem uma certa capacidade de “conhecer”, daí procurarem alimentos
que lhes convêm e evitarem tudo que não lhes convêm.
O Homem utiliza esse conhecimento dos animais. Entretanto, há uma distinção que deve ser ressaltada. Os animais conhecem a Natureza para subjugar-se a ela, enquanto o Homem conhece a Natureza para subjugá-la, ou então vive numa eterna tentativa de subjugá-la. Uma
tentativa às vezes desastrosa, é verdade, que, com freqüência maior do que desejaríamos, produz desequilíbrios no meio ambiente e conseqüências severas à existência na Terra.

Nós sabemos que existimos porque podemos pensar sobre isso. Será que o universo “pensa” sobre sua própria existência?
A respeito deste assunto, KARL JASPERS, um grande filósofo alemão, escreveu o seguinte:

Nós, porém, sabemos que ele [o universo] existe. Nós somos estes seres extraordinários que sabem que o universo, essa imensidade, existe. E podemos estudá-lo. Nossa consciência do nada que é o ser humano transforma-se no seu contrário. Se nada soubéssemos a respeito do universo, não seria como se ele não existisse? Isso parece absurdo, mas indagamos: que seria o ser que se ignorasse a si mesmo e de ninguém fosse conhecido? Confundir-se-ia com a mera possibilidade de ser conhecido? Algo que esperaria, por assim dizer, a oportunidade de manifestar-se a um ser capaz de percebê-lo? Nós, esse nada no universo, não seremos o ser verdadeiro, o olho que vê o mundo? (JASPERS, 1976, p. 35).

Essa característica básica de pensar e buscar conhecer é um diferencial humano. Ruiz (1978, p.86) nos diz que o Homem vê e conhece, conhece o que vê e pensa no que viu e no que não viu; conhece e pensa, pensa e interpreta. Os animais conhecem as coisas; o Homem, além disso, investiga-lhes as causas. Os animais só conhecem por via sensorial, o Homem conhece e
pensa, elabora o material de seus conhecimentos.
A realidade sensorial é possível de ser captada tanto pelo ser humano como pelos animais. Ambos, em escalas diferenciadas, têm a capacidade de apreender realidades sensoriais, tais como cores, odor, movimento, configurações, dureza, paladar, temperatura, som etc.
Entretanto, o Homem pode ir além da percepção sensorial da realidade material. Ele tem a possibilidade de ultrapassar esses limites,
criando relações formais de comparar, de analisar, de isolar elementos, de abstrair, de generalizar. Quando falamos de conhecimento sensorial, comum aos homens e aos irracionais, pensamos em apreender o fato, a coisa em si, a realidade concreta. Já quando falamos de conhecimento intelectual, pensamos no que é possível ir além das aparências, do fenômeno, da coisa em si mesma. O conhecimento chega a operar sobre as informações obtidas através das imagens sensoriais e, ao ultrapassá-las, tem por resultado a produção de conceitos gerais, abstratos, definições universais, relações ideais. O Homem é dotado da capacidade de abstrair, de generalizar, de definir, de elaborar idéias. O conhecimento intelectual não se limita à captação da imagem sensorial dos objetos; ele atinge o real na sua essência, não fica apenas na aparência.

Aos olhos do leigo, por exemplo, uma pequena mancha escura na pele pode ser apenas um incômodo; se se tratar de uma mulher vaidosa, porém, isso será motivo para perder noites de sono, em virtude da preocupação estética. Mas, para o médico que vê a mancha e interpreta
suas causas, seu estágio de evolução e sua gravidade, pode advir o estabelecimento de um diagnóstico visando a prevenir um câncer de pele. Afinal, pergunta-se, que tipo de conhecimento possui o médico, que o difere do leigo? O conhecimento científico. O conhecimento científico, no qual vamos nos deter mais adiante, pertence ao grande gênero do
conhecimento intelectual.
A Ciência geralmente começa pela observação das coisas e se concretiza quando consegue a demonstração das causas de um determinado fenômeno. Há uma continuidade entre o conhecimento sensorial, o conhecimento intelectual e o conhecimento científico.

Uma consulta ao dicionário pode nos informar que a palavra saber deriva do latim sapere, e significa “ter sabor, ter gosto para”. Saber está no campo semântico do vocábulo paladar; este campo é ampliado para outros sentidos além do paladar, podendo atingir a visão, a audição e o olfato. O saber popular é o conhecimento do povo, um conhecimento sobre os fatos, sem lhes inquirir as causas. No decorrer de nossas vidas, vamos acumulando experiências, vivências, interiorizando tradições. São experiências casuais, empíricas, fragmentadas, sem preocupações com análises ou críticas e sem demonstração. O saber popular é aquele que nasce da tentativa do homem para resolver os problemas da vida diária. Podemos dizer que esse tipo de conhecimento é empírico, porque se baseia na experiência cotidiana e comum das pessoas. É diferente da experiência científica, pois não segue um plano rigoroso descrito pela Ciência.
Vejamos, então, as características do saber popular, segundo
Chauí (2002):
• É subjetivo, composto de expressões de cada “sujeito” ou de “grupos de sujeitos”, podendo variar de uma pessoa para outra ou de um grupo para outro. Uma árvore pode ser vista e interpretada de diversas formas: o artista pode ver a beleza da sua copa, o marceneiro pensa na qualidade da sua madeira.
• É qualitativo, a formulação desse saber se faz a partir do julgamento sobre uma determinada qualidade da coisa em si mesma ou dos fatos que a envolvem. Uma coisa é quente ou fria, é pequena ou grande, é bela ou feia etc.
• É heterogêneo porque no julgamento atribuímos diferenças, isto é, percebemos as coisas ou os fatos como diversos entre si. Um quadrado é diferente de um triângulo, que é diferente de um círculo.
• É individualizador porque, ao julgarmos pelas qualidades das coisas ou dos fatos, estamos tratando cada um deles de forma individualizada, como seres autônomos.
• É generalizador. Passamos a falar de coisas usando um plural do exagerado, como, por exemplo, os homens são machistas, como se todos eles fossem realmente machistas.
• Apresenta relações de causa e efeito entre as coisas e os fatos, exatamente por conseqüência das generalizações. Frases como: “diz-me com quem andas que eu te direi quem és”.
• Não se associa com a regularidade, a constância, a repetição e a diferença das coisas. Apresenta uma tendência maior para a admiração com aquilo que pertence à imaginação, como algo único e extraordinário.
• Identifica-se com a magia. Conhecimento científico e magia tendem a se identificar com o mágico, estão no campo daquilo que surpreende, que espanta.
• Projeta nas coisas e no mundo angústias e medos pelo desconhecido. Quando o homem não conhece algo ou não é capaz de explicar um acontecimento, a conseqüência é o medo. Na Idade Média, as pessoas viam o demônio em tudo.

Somos seres que olhamos o mundo a nossa volta e nos perguntamos sobre nós, sobre o outro ser humano, sobre as coisas que nos cercam, os outros seres vivos e o Universo. Produzimos conhecimento para dar repostas às nossas perguntas.
O conhecimento que produzimos não é todo igual, e há diferentes modos de adquiri-los .
• o conhecimento sensorial;
• o conhecimento intelectual;
• o saber popular.

Se eles são diferentes, logo, têm características distintas. O conhecimento sensorial se baseia no dado empírico. É obtido por meio da realidade sensorial, tal como as cores, o movimento, as configurações, a dureza, o paladar, a temperatura, o odor, o som etc. O conhecimento intelectual opera sobre os dados sensoriais, ultrapassando-os. Formula conceitos gerais, abstratos, definições universais, relações ideais. O saber popular é subjetivo, tende a estabelecer relações diretas de causa e efeito e pode se cristalizar em preconceitos.
– é subjetivo, porque varia de uma pessoa para outra.
– é qualitativo, porque ao julgarmos as coisas, atribuímos qualidades: é pesado
ou leve; novo ou velho; útil ou inútil etc.
– é heterogêneo, porque se refere a fatos que nós julgamos que são diferentes.
– é generalizador porque tende a reunir numa só idéia coisas que julgamos
serem iguais.

1. Caracterize o saber popular.
– é subjetivo, porque varia de uma pessoa para outra.
– é qualitativo, porque ao julgarmos as coisas, atribuímos qualidades: é pesado
ou leve; novo ou velho; útil ou inútil etc.
– é heterogêneo, porque se refere a fatos que nós julgamos que são diferentes.
– é generalizador porque tende a reunir numa só idéia coisas que julgamos
serem iguais.
– tende a estabelecer relações de causa e efeito em decorrência das generalizações entre coisas e acontecimentos.
– tende a identificar as explicações para os acontecimentos com a magia porque ambos
– conhecimento científico e magia se relacionam com o misterioso, o oculto e o incompreensível.
– pode se cristalizar em preconceitos, porque ao serem subjetivos e generalizadores
passam a servir de explicação a toda a realidade a nossa volta.



Resumo aula 2 Ciências Naturais na Educação 1 Os diferentes modos de conhecer: o conhecimento científico

Recente na história da humanidade, o conhecimento científico tem apenas trezentos anos, pois surgiu no século XVII com as idéias de GALILEU. Essa afirmativa porém não significa que até o século XVII não havia um saber pautado em um método. Na Grécia, antes de Cristo, os homens aspiravam a um conhecimento que se distinguisse da magia e do saber comum. A Ciência greco-romana e medieval se encontrava vinculada à filosofia e só se separa dela na Idade Moderna, quando adquire método próprio. Quando passamos a ter um objeto específico de investigação, aliado a um método pelo qual se fará o controle desse conhecimento, temos aí a Ciência moderna.
O fato científico é abstrato, isolado do conjunto dos dados sensíveis que integram a nossa percepção imediata.
A Ciência, antes de tudo, desconfia, põe em dúvida toda e qualquer certeza, ela quer ultrapassar as aparências. E, para isso, o conhecimento que ela persegue tem características que o identificam e que se opõem, em quase todos os aspectos, ao saber popular.
Vejamos, então, as características do conhecimento científico, segundo Chauí (2002):

• É objetivo, isto é, procura as estruturas universais e necessárias das coisas investigadas. Dessa forma, as conclusões podem ser verificadas por qualquer outro pesquisador que repita o experimento nas mesmas condições.
• É quantitativo, isto é, busca medidas, padrões, critérios de comparação e de avaliação para coisas que parecem ser diferentes. Apenas o que puder ser quantificado tem condições de ser um conhecimento científico.
• É homogêneo, isto é, busca as leis gerais de funcionamento dos fenômenos, que são as mesmas para fatos que nos parecem diferentes.
• É generalizador, pois reúne individualidades, percebidas como diferentes, sob as mesmas leis, os mesmos padrões ou critérios de medida, mostrando que possuem a mesma estrutura.
• É diferenciador, pois não reúne nem generaliza por semelhanças aparentes, mas distingue os que parecem iguais, desde que obedeçam a estruturas diferentes.
• Somente estabelece relações causais depois de investigada a natureza ou estrutura daquele fato e suas relações com outros que sejam semelhantes ou diferentes. Assim, um corpo não cai porque é pesado, mas o peso de um corpo depende do campo de gravitação onde se encontra.
• Destaca a regularidade, a constância, a repetição e a diferença das coisas, assim, se opõe ao mágico, apresentando explicações racionais, claras, simples e verdadeiras para os fatos.
• Está preocupado em fazer o homem se libertar do medo e das superstições.
• Procura renovar-se e modificar-se continuamente, evitando a transformação das teorias em doutrinas e destas em preconceitos sociais.

Não há nem nas ciências experimentais, nem mesmo na matemática, posições definitivas e irreformáveis. Toda a verdade científica aparece, em certo sentido, como provisória, susceptível de revisão, de aperfeiçoamento, às vezes mesmo de uma completa reposição em causa. Todos os conhecimentos científicos são aproximados, quer pela imperfeição das observações experimentais em que se fundam, quer pela necessária abstração e esquematização com que são tratados. Os conceitos de adequação total e perfeita devem ser substituídos pelos de aproximação e validez limitada. Esta nova mentalidade científica que deve ser mantida num só equilíbrio é principalmente o fruto de numerosas crises e revoluções da ciência (...) (SELVAGGI, 2004).

As palavras do filósofo Gaston Bachelard abrem um capítulo do livro A Pedagogia da Incerteza, de Hilton Japiassu (1983). “Uma cabeça bem-feita é uma cabeça malfeita que tem necessidade de ser refeita” é exatamente o que a Ciência moderna e contemporânea faz o tempo todo, não aceitando nada como resultado final, pronto e acabado, cristalizado; ao contrário, postula a instalação de uma pedagogia da incerteza, da insegurança e da provisoriedade, que rompe com parâmetros dogmáticos e absolutos ou de verdades definitivas.

Conta a história do Brasil que Pedro Álvares Cabral desembarcou em Porto Seguro, lugar de calmaria, de tranqüilidade e de segurança. Lugar onde as caravelas portuguesas abrigaram-se, ficaram protegidas contra as intempéries do tempo e as borrascas do mar. (...) Ora, quem acredita em certas verdades científicas ou filosóficas como se elas fossem um porto seguro esconde, no fundo, um medo básico não superado e uma angústia não resolvida. Melhor ainda, faz delas um mito (JAPIASSU, 1983, p. 13, grifo do autor).

Assim como a Ciência trabalha com a dúvida, o educador deve duvidar de si mesmo. O mais importante não é levar os alunos a adquirirem uma suposta cultura científica pela repetição com insistência, para reforçá-la, como se chegassem à escola com suas cabeças vazias – quando são cabeças inacabadas – cabeças bem-feitas, que têm necessidade de ser refeitas.

O que de fato diferencia o conhecimento científico é a sua forma, o modo de conhecer, e os instrumentos, as ferramentas para conhecer, ou seja, os seus métodos e suas técnicas.

O conhecimento científico se caracteriza por ser objetivo, quantitativo, homogêneo, generalizador, diferenciador; por estabelecer relações causais depois de investigação árdua e comprovações que as justifiquem. É portanto, resultado da pesquisa científica. Como o trabalho científico é permanente e contínuo, está aberto às mudanças. É um conhecimento em construção, logo, é uma produção histórica e social.

Apresente as características do conhecimento científico.
• é objetivo – independe de opinião pessoal, é válido em todos os tempos e lugares.
• é quantitativo – porque é medido, é expresso em linguagem matemática.
• é homogêneo – busca as leis gerais de funcionamento dos fenômenos, que são as mesmas para fatos que nos parecem diferentes.
• é generalizador – reúne individualidades, percebidas como diferentes, sob as mesmas leis, os mesmos padrões ou critérios de medida, mostrando que possuem a mesma estrutura e, portanto, podem ser generalizadas para um conjunto de fenômeno semelhantes.
• é diferenciador – não reúne nem generaliza por semelhanças aparentes.
• só estabelece relações causais depois de investigação árdua e comprovações que as justifiquem.
• rompe com a magia – porque apresenta explicações racionais para os fatos ou fenômenos.
• resulta do trabalho de investigação.

2. Organize um quadro comparativo com as características do saber popular e do
conhecimento científico.

Saber popular Conhecimento científico
Subjetivo Objetivo
Qualitativo Quantitativo
Heterogêneo Homogêneo
Individualizador Generalizador
Generalizador Diferenciador
Relações de causa e efeito
com base na aparência.
Relações causais com
base na investigação da
natureza ou estrutura do
fenômeno.
Identifica-se com
a magia.
Opõe-se ao mágico.



Resumo aula 3 - Ciências Naturais na Educação 1 Ciência, técnica e tecnologia

No contexto escolar, o conhecimento produzido pela Ciência constitui apenas uma das formas
de conhecer. É importante destacar o que são o conhecimento científico e o conhecimento escolar, e como podemos relacioná-los a fim de produzir práticas escolares de Ciências que sejam realmente significativas. Por isso, precisamos começar pelo entendimento do que vem a ser Ciência, técnica e tecnologia na compreensão da Ciência moderna e Contemporânea, e como a escola é mediadora do processo de aquisição desses conceitos e práticas sociais, principalmente no trabalho que executa em relação ao ensino de Ciências.

O conhecimento científico é como o resultado de uma produção histórica e social, ou seja, de uma criação. Quando vemos o conhecimento científico como algo acima do bem e do mal, isto é, inquestionável, cristalizado, pronto e acabado, é evidente, que a única opção, nessa perspectiva, é reproduzi-lo da mesma forma que fomos apresentados a ele.
Nem os próprios cientistas acreditam mais no conhecimento científico como “a verdade” absoluta. Então, isso é mais um motivo para romper com as práticas do ensino de Ciências centradas na memorização e na repetição mecânica e sem sentido.

Sendo assim, um conhecimento válido em determinada época pode deixar de ser em época subseqüente, porque ele não representa uma verdade absoluta. Pelo contrário, é uma aproximação que pode ser modificada, substituída por outra que se apresente mais consistente ou mais adequada a dado fenômeno.

Trecho do discurso do Professor Moyses Nussenzveig,
saudando os novos membros da Academia Brasileira de Ciências:
Diz-se que, assim como o século XX teria sido o da física, o próximo será o da biologia. Não creio, será o da: BioFisico QuímicaMatemáticaComputacionalTecnoSociologica! A Natureza ignora nossos preconceitos e recortes arbitrários. Também faz parte da mentalidade ‘fin de siècle’ anunciar o Fim da Ciência e o Fim da História. O Projeto Genoma, em que cientistas brasileiros deram uma bela demonstração de nossa capacidade de obter resultados da mais alta relevância quando dispomos de recursos, é apontado como etapa final da biologia. A descrição correta é a de Sydney Brenner: não se trata do começo do fim, mas do fim do começo, o começo de uma grande revolução na biologia e na medicina, que também vai requerer uma intensa participação das ciências sociais para abordar problemas humanos e éticos (webciencia, 2004).

Segundo Chauí (2002), há três principais concepções de Ciência ou de ideais (vejam bem: ideais!) de cientificidade:
• a racionalista – que se estabelece da Antigüidade grega até o final do século XVII;
• a empirista – que vigora desde a medicina grega e Aristóteles até o final do século XIX;
• a construtivista – bem mais recente, pois se inicia no século XX.
Na concepção racionalista, a Ciência é um conhecimento racional dedutivo e demonstrativo e tem a Matemática como exemplo. Portanto, é científico tudo que pode ser matematizado, transformado em fórmulas dedutíveis, calculáveis, passíveis de demonstrações matemáticas.
Para a visão empirista, “a ciência é uma interpretação dos fatos baseada em observações e experimentos que permitem estabelecer induções e que, ao serem completadas, oferecem a definição do objeto, suas propriedades e suas leis de funcionamento” (CHAUÍ, 2002, p. 252).

Já na concepção construtivista, “a ciência é uma construção de modelos explicativos para a realidade e não uma representação da própria realidade” (CHAUÍ, 2002, p. 252). Isso não significa abandonar as concepções anteriores, ao contrário, há uma combinação de ambas.

Enquanto a Ciência antiga teorizava a partir da contemplação da Natureza, sem intervir nela, a Ciência moderna é gerada sob o pensamento oposto, de dominação da Natureza, do seu subjulgamento. Resultante dessa premissa, temos a afirmação de DESCARTES: “a Ciência deve tornar-nos senhores da Natureza”.

RENÉ DESCARTES
(1596-1650)
Seu nome em latim era Cartesius, por isso o seu pensamento ficou conhecido como “cartesiano”. É considerado o pai da Filosofia moderna. Ele converteu a dúvida em método para construir o conhecimento. Começou duvidando de tudo: das afirmações do senso comum, dos argumentos da autoridade, do testemunho dos sentidos, das verdades deduzidas do raciocínio, da realidade do mundo exterior etc.

A Ciência moderna tem seu pressuposto na idéia de intervir na Natureza, de conhecê-la para reapropriar-se dela, numa tentativa de controle. A nova Ciência se associa à técnica.

Na Antigüidade grega, a técnica era considerada uma atividade menor, devido às relações sociais estabelecidas e mantidas na sociedade escravocrata (com mão-de-obra escrava), na qual o fazer manual se dissociava da atividade intelectual. A técnica era menosprezada porque era realizada pelo escravo, era um saber empírico, associado ao cotidiano.

A partir do final da Idade Média se constituiu uma nova concepção sobre a técnica. Ela se torna adequada para transformar o homem em “senhor” da Natureza. O desenvolvimento e valorização das técnicas se farão notar no início da expansão do comércio, a partir do século XIII. A burguesia, com suas práticas de artesanato e comércio, valorizava o trabalho; seu sucesso e enriquecimento passam a exigir mais técnica para ampliar os negócios.

A valorização da técnica transforma a concepção de Ciência. Passamos de uma concepção do saber contemplativo (compreensão desinteressada da realidade) para a busca do saber ativo, aquele conhecimento capaz de atuar sobre o mundo, de transformá-lo. É a nova forma de pensar que possibilita o advento da Ciência moderna. Galileu estabeleceu uma relação estreita entre trabalho intelectual e trabalho manual, o que garantirá a associação entre Ciência e técnica.
Se, por um lado, a técnica torna a Ciência mais precisa, o conhecimento científico rigoroso é capaz de provocar aprimoramento e evolução das técnicas, criando a tecnologia.

Há um limite tênue entre técnica e tecnologia. Segundo Chauí (2002, p. 255), na verdade é mais correto falar em tecnologia do que em técnica. “A técnica é um conhecimento empírico que, graças à observação, elabora um conjunto de receitas e práticas para agir sobre as coisas. A tecnologia é um saber teórico que se aplica praticamente.” A tecnologia moderna é Ciência aplicada.
O que temos na escola é o que chamamos de conhecimento escolar, uma aproximação didática do conhecimento científico. Se o professor trabalha com o conhecimento como algo pronto e acabado, geralmente irá reproduzi-lo. Se o entende como uma produção histórica, social e cultural, fará com que os alunos reflitam sobre o assunto e o discutam.

O conhecimento científico é resultado de uma produção histórica e social, e, nesse sentido, é uma criação.
Principais concepções de Ciência ou ideais de cientificidade:
• racionalista – que se estabelece da Antigüidade grega até o final do século XVII;
• empirista – que vigora desde a medicina grega de Aristóteles até o final do século XIX;
• construtivista – bem mais recente, pois se inicia no século XX.
Características de cada concepção:
• a racionalista vê a Ciência como um conhecimento racional dedutivo e demonstrativo;
• a empirista admite a Ciência como uma interpretação dos fatos a partir de
observação e experimentação;
• a construtivista defende que a Ciência é uma construção de modelos explicativos para a realidade, e não uma representação da própria realidade.
Há uma distinção clara entre técnica e tecnologia. A técnica é um conhecimento empírico, que, graças à observação, elabora um conjunto de práticas. A tecnologia é um conhecimento teórico que se aplica na prática.

1. Caracterize cada uma das concepções sobre Ciência: a racionalista, a empirista
e a construtivista.
– A concepção racionalista vê a Ciência como um conhecimento racional dedutivo e demonstrativo.
– A concepção empirista admite a Ciência como uma interpretação dos fatos a partir de observação e experimentação.
– A concepção construtivista defende que a Ciência é uma construção de modelos explicativos para a realidade, e não uma representação da própria realidade.



Resumo CN1 aula 9 Educação em Saúde
Erivaldo Pedrosa dos Santos

A Educação em Saúde é caracterizada por ser um elo de ligação entre os conhecimentos e as práticas das áreas da Educação e da Saúde.

No campo da Saúde e da Educação, a legislação brasileira é bastante avançada em relação aos demais países em desenvolvimento. Ela foi atualizada no final da década de 1980 e no decorrer da década de 1990, conforme atesta Santos (2001):

No campo da legislação convém reiterar que a Constituição Brasileira consagra no seu artigo 227 o direito da criança e do adolescente à vida, à saúde, à alimentação, à educação etc. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, pode ser resumido em quatro palavras-chave: sobrevivência, desenvolvimento, proteção e participação. Desse modo, o arcabouço legal que consagra os direitos da criança e do adolescente se tornou realidade no final do século XX. Particularmente na legislação que regulamenta
o processo educativo brasileiro, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), no capítulo II sobre o direito à educação e do dever de educar, garante o atendimento ao educando no que se refere ao material didático, alimentação e assistência à saúde (Art. 4). No tocante aos níveis e modalidades de educação na seção do ensino fundamental, a lei estabelece que a formação básica, do cidadão deve considerar “a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores com que se fundamenta a sociedade” (Art.32). No sentido de adequar o sistema de ensino às demandas sociais, o Ministério da Educação (MEC) instituiu os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que procura favorecer a abordagem de novos conteúdos como educação em saúde, educação ambiental, ética etc., nas disciplinas tradicionais como temas transversais.

O crescimento da economia brasileira na década de 1970 (agricultura e indústria) resultou em enorme migração para as cidades, aumento da renda da classe média e ampliação das diferenças entre as classes sociais, além de problemas como epidemias e desnutrição. Na década de 1980, sucessivas crises econômicas reduziram o padrão de vida da população e setores vitais como a Educação e a Saúde entram em colapso. Entretanto, a promulgação da nova Constituição, que incorporou direitos sociais como o acesso à educação e à saúde, favoreceu a implementação de reformas nas políticas públicas, que começaram a aparecer apenas na década de 1990. A globalização tem redefinido a economia e a sociedade brasileiras, acentuando problemas anteriormente existentes como o desemprego, a violência, a favelização etc. A Educação em Saúde, nesse contexto, adquire novas características e possibilidades de atuação.

Concepções de educação em saúde
Acompanhando as transformações do País ao longo do século XX, a Educação em Saúde, teve diferentes concepções e práticas, da parte de governos, instituições e sociedade, conforme veremos em seguida.
a. Educação higienista:
• decorrente do desenvolvimento da bacteriologia (final século XIX).
• objetivo: sanear o ambiente de vida da população urbana;
• característica: enfrentamento de epidemias por meio de campanhas centradas na higiene e na vacinação.
b. Educação sanitária:
• concebida como política social do Estado Novo.
• objetivo: manutenção da saúde da classe trabalhadora em relação à expansão do capitalismo.
• característica: ensino da área de saúde no curso de professores, implantação de centros de saúde, desenvolvimento de campanhas de higiene na escola, vacinação etc.
c. Educação comportamental:
• adoção da concepção americana de educação em saúde, baseada na interiorização das ações de saúde pública;
• objetivo: colaborar com a interiorização do desenvolvimento econômico;
• característica: formação de cientistas, difusão do trabalho comunitário, criação da Fundação do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP, 1942).
d. Educação participativa:
• época desenvolvimentista, revolução de 1964.
• objetivo: instituição de uma nova ordem política, econômica e social;
• característica: elaboração de ações educativas em saúde (compete à equipe de saúde).
e. Educação popular em saúde:
• fi m do milagre econômico, emergência dos movimentos sociais na área de saúde, redemocratização do país (década de 1970);
• objetivo: enfrentar a difícil realidade social representada pelo aumento da miséria, fome, epidemias e mortalidade infantil;
• característica: implementação de ações em saúde e programas de saneamento, reflexão sobre o papel do educador em saúde.
f. Educação em saúde:
• avanço em termos de legislação (Estatuto da Criança e do adolescente, programas de atenção integral à criança), enfrentamento
pela sociedade de graves problemas de educação e saúde;
• objetivo: viabilizar a promoção à saúde por meio da vigilância em saúde;
• característica: dimensão ambiental da saúde, interdisciplinaridade, utilização de metodologias participativas.

a. (1) Ações educativas em saúde ( B ) Educação higienista.
b. (2) Higiene e vacinação ( C ) Educação sanitária.
c. (3) Ensino de saúde para professores ( D ) Educação popular em saúde.
d. (4) Programas de saneamento ( A ) Educação participativa

Os governos da República inicialmente acreditavam que apenas hábitos de higiene e vacinação seriam suficientes para manter a saúde. Apenas na década de 1930 são introduzidas noções de saúde na escola e, no pós-guerra , a implementação de ações educativas em saúde acontece em poucas cidades do interior. A redemocratização do
Brasil, na década de 1980, mostra a face real dos problemas: epidemias, fome, desnutrição etc. A sociedade, então, mobiliza-se para exigir seus direitos e os governos começam a investir em saúde e em educação.

Novo paradigma
Lima e Homem d’el Rey (1991, p. 9) delimitaram quatro dimensões a serem observadas, visando melhor compreender e atender às novas demandas da Educação em Saúde:

Ambiente de vida / Políticas de Saúde e Educação
Crescimento e Desenvolvimento / Políticas pedagógicas em Saúde

O ambiente de vida proposto por esses autores pressupõe incorporar a dimensão ambiental como um novo espaço-limite da escola, em que as relações são modificadas.

O crescimento e o desenvolvimento do sujeito pressupõem compreender os processos biológicos do crescimento a partir de um enfoque mais abrangente, que considere as condições reais de vida, no meio em que a pessoa vive.

As políticas de Saúde e Educação subentendem o envolvimento da comunidade em sua formulação, discussão e implantação, tarefa que envolve a participação de todos, e na qual cada indivíduo colabora com sua formação e visão de mundo.

Já as práticas pedagógicas em saúde pressupõem a inserção da comunidade no processo educativo, modificando-o e direcionando-o para a realidade de vida dos indivíduos, a partir da adoção de metodologias participativas que favoreçam a produção coletiva do conhecimento, com vistas à construção da cidadania.

O paradigma da Educação em Saúde, sugerido por Lima e Homem d’el Rey, legitima duas temáticas emergentes no final do século XX: o ambiente de vida e a garantia do direito à saúde do homem marginalizado. Estudos, livros, cursos, eventos etc. , começaram a tratar desses novos campos do conhecimento e, hoje, já podemos identificar mais claramente o que é Educação Ambiental e Educação Popular em Saúde.

RETRATOS DO BRASIL
O mundo contemporâneo é caracterizado pelo advento de inúmeros problemas relativos à Educação em Saúde como, o crescimento da violência urbana, acidentes de trânsito, estresse que, somados às novas doenças infecciosas e carenciais, e às cardiopatias, diabetes etc., configuram um quadro de desafios às políticas de governos e à sociedade em geral, no que se refere às novas maneiras de enfrentar as questões complexas como essas, fruto tanto de padrões de consumo como de estilos de vida.
As denominadas doenças da modernidade não são “doenças clássicas” (caracterizadas pela presença de vetores transmissores de doenças e hospedeiros) e sim doenças provocadas pela dificuldade de enfrentamento de questões do cotidiano, nas médias e grandes cidades, como o desemprego, moradia, escola, serviço de saúde etc. As doenças da modernidade são resultantes também de estímulos e fatores externos ao organismo do homem. Bloom e Canning, citados por Jobim (1999) no estudo Saúde e Riqueza nas Nações, constataram que, comparando dois países com perfis econômicos idênticos, se a expectativa de vida for cinco anos maior, isso se traduz num crescimento econômico de 0,3 a 0,5 pontos percentuais.

O marco histórico da promoção à saúde foi a Conferência Internacional de Alma-Ata / Cazaquistão, em 1978, que estabeleceu como campos da promoção à saúde a atenção primária à saúde, sua compreensão como fator de desenvolvimento, a inter-setoralidade e o chamamento da responsabilidade do Estado e da sociedade no tocante às conseqüências das políticas sobre saúde da população.
A Conferência de Ottawa / Canadá, em 1986, outro marco referencial, definiu promoção à saúde como “o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo (OMS apud BUSS, p.178)

Visando a atingir tais objetivos, o Brasil necessita investir em duas áreas fundamentais para a promoção à saúde:
a. Capacitação de profissionais de saúde, lideranças comunitárias e conselheiros de saúde nas habilidades de defesa da atenção a ela e mediação/acompanhamento da implantação de políticas de governo nas comunidades, relativas aos campos centrais de promoção à saúde.
b. Disseminação de informações em Educação em Saúde, a partir do sistema de ensino, da comunicação interpessoal e de massas, através de várias mídias, como ferramenta para a promoção da saúde individual e da comunidade; a participação ativa da população é foco central no conceito de promoção à saúde e, nesse caso, o acesso à informação é fundamental para o exercício de cidadania.
A educação surge, nesse contexto, como um valioso instrumento à disposição do homem no sentido de superar obstáculos que têm dificultado a plena atenção à saúde da população brasileira em geral. Nesse sentido, o ensino de Educação em Saúde pode contribuir para a reversão desse quadro.

ENSINO DE EDUCAÇÃO E SAÚDE
O ensino de Educação em Saúde pode ser compreendido como uma teia de relações que envolve o indivíduo quanto à postura em relação ao mundo e ao estilo de vida adotado, resultando numa série de agravos à saúde, ou seja, doenças.

A superação da problemática da saúde no país requer uma série de ações de diversos setores da sociedade. Compete aos governos reformular as políticas públicas, incorporando as novas demandas da sociedade, prestando serviços específicos de tratamento e reabilitação da saúde do indivíduo, bem como realizando ações de promoção à saúde, visando a reduzir os índices dos problemas mencionados. É enorme a responsabilidade dos profissionais de saúde e educação: compete a estes assumir uma postura de compromisso como profissionais e cidadãos, de forma a estarem conscientes quanto à sua responsabilidade de contribuírem, com sua práxis, para a melhoria de vida da população.
O indivíduo também tem uma grande responsabilidade nesse desafio, devendo conhecer os limites e a amplitude da liberdade de que dispõe, exercendo-a com compromisso social.



Resumo CN1 - aula 10 - Educação Ambiental
Erivaldo Pedrosa dos santos

EDUCAÇÃO AMBIENTAL (EA)
A Educação Ambiental é uma área de conhecimento recente no campo da Educação, embora sua área de atuação já tenha sido delimitada, há algumas décadas, por recomendações de conferências internacionais, promulgação de leis específicas e publicação de estudos, pesquisas e materiais instrucionais.

A Conferência de Tbilisi de 1977, registra que: “A EA foi definida como uma dimensão dada ao conteúdo e à prática da Educação, orientada para a resolução dos problemas concretos do meio ambiente, através de um enfoque interdisciplinar, e de uma participação ativa e responsável de cada indivíduo e da coletividade” (Conferência de Tbilisi, apud DIAS, 1999, p. 54). Esta definição foi um marco da história da Educação Ambiental no mundo, pois delimitou seu campo de ação, juntamente com sua natureza, objetivos e princípios, também acordados na referida Conferência.

• Objetivos da EA:
– auxiliar na conscientização sobre a interdependência dos fatos.
– oportunizar a aquisição de saber, atitudes e habilidades, em prol do meio ambiente;
– criar novos modelos de comportamento.
• Princípios de Educação Ambiental:
– visão da totalidade do ambiente;
– processo contínuo e permanente;
– interdisciplinaridade;
– metodologia participativa;
– formação do cidadão.

A Educação Ambiental não se restringe ao espaço da escola; pode e deve ser efetuada
em diferentes espaços, desde que obedeça aos objetivos e princípios acordados na Conferência de Tbilisi. Pequenas adaptações permitem o desenvolvimento da Educação Ambiental nos mais diferentes locais. Ela é realizada por meio de dois processos: A educação formal e a educação não-formal.

Educação formal ou escolar
A Educação formal envolve a rede regular de ensino, através da inserção curricular e sistemática da Educação Ambiental, no âmbito do planejamento e da execução dos currículos. Na rede escolar, vem sendo realizada com mais freqüência, nos últimos anos, e consiste na apresentação de alguns tópicos informativos, na disciplina de Ciências (Ensino Fundamental) e de Biologia (Ensino Médio), principalmente quando são apresentados os conteúdos de Ecologia. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) representam a inserção formal de Educação Ambiental no currículo, de forma transversal.

A EA não-formal
A EA não-formal é complexa e diversificada em função da quantidade de organizações, instituições, empresas, sindicatos, associações etc., envolvidas nos projetos. Deve ser planejada com o conhecimento do perfil ambiental das comunidades envolvidas e com
o devido respeito aos valores e à cultura local. Preferencialmente, deve utilizar metodologias participativas e ações incentivadoras, dinamizadoras da Educação Ambiental nas questões comunitárias. O marco histórico recente em Educação Ambiental foi a Conferência de Tessalônica (1997), que elegeu a diminuição da pobreza como prioridade na reformulação do modelo de desenvolvimento econômico
vigente, com vista ao desenvolvimento sustentado. Neste aspecto, investimentos maciços em Educação Geral, e mais particularmente em Educação Ambiental (formal e não–formal), fazem parte de um projeto maior de mudança global de comportamentos e estilos de vida, rumo à sustentabilidade do planeta.

O lema é disseminar informações, junto à sociedade, a respeito da gravidade da problemática ambiental hoje, visando a congregar esforços de governos, empresas, ONGs, mídia, cientistas, educadores etc., para divulgar projetos de Educação Ambiental com estratégias bem definidas e aporte suficiente de pessoal e recursos financeiros. Desse modo, a Educação Ambiental teria um espaço maior nas instituições e na sociedade em geral, formando uma consciência ambiental nas gerações futuras, conforme prevê o documento Agenda 21.

Conferência Internacional de Educação Ambiental e Sociedade: educação e consciência pública para a sustentabilidade (Tessalônica / Grécia, 1997)
Estratégias:
• Educação e conscientização são pilares da sustentabilidade acrescidos da legislação, economia e tecnologia.
• Redução da pobreza é a meta essencial da sustentabilidade.
• Aprendizado coletivo, parcerias e diálogo entre governos, universidades, empresas, consumidores, ONGs e mídia são condições imprescindíveis para a mudança de comportamentos e estilos de vida.
• Reorientação da educação para a sustentabilidade, envolvendo a educação formal e não formal.
• Áreas de conhecimentos diversas precisam abordar aspectos do meio ambiente e desenvolvimento sustentável por meio da junção de diferentes disciplinas e instituições, conservando suas identidades.
Recomendações:
• Elaboração de planos de ação de governos para a educação ambiental, com metas e estratégias definidas.
• Mobilização de novos recursos financeiros em prol da educação, inclusive através de fundos especiais de governos, instituições financeiras e empresas.
• Participação da comunidade científica na elaboração e atualização dos programas de educação e conscientização públicas.
• Sensibilização da mídia para a difusão de mensagens em linguagem coloquial, que possibilitem o entendimento da complexidade dos problemas ambientais.
• Inclusão nos currículos escolares de questões relativas à sustentabilidade.
• Mobilização de indivíduos para, efetivamente, contribuírem na resolução dos problemas ambientais, através das ONGs e demais entidades representativas da sociedade.
• Reorientação dos programas de treinamento de professores e identificação de práticas inovadoras, assim como incentivo às pesquisas em metodologias de ensino interdisciplinares e avaliações de programas educacionais.

• 1977 – Conferência Internacional de Educação Ambiental (Unesco/PNUMA, Tbilisi/Geórgia): declaração sobre a Educação Ambiental tratando de suas fi idades, objetivos e princípios orientadores.
• 1987 – Conferência Internacional de Educação Ambiental (Unesco/PNUMA, Moscou/Rússia).
• 1992 – Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU (Rio de Janeiro/Brasil) – Declaração dos Princípios sobre Florestas. Convenção de Clima, Convenção de Biodiversidade, Carta da Terra e Agenda 21. A Educação Ambiental está presente, mais especificamente, no capítulo 36 da Agenda 21, que ratifica as recomendações da Conferência de Tbilisi, enfatiza o enfoque interdisciplinar e prioriza a reorientação da Educação para o desenvolvimento sustentado e a disseminação de
informações sobre o meio ambiente, contribuindo, dessa maneira, para a conscientização popular e o treinamento de recursos humanos em Educação Ambiental.
• 1997 – Conferência Internacional de Educação Ambiental e Sociedade: educação e consciência pública para a sustentabilidade (Unesco/PNUMA, Tessalônica/Grécia).

2. Relacione cada Conferência de Educação Ambiental com os seus respectivos resultados.
(1) Conferência de Tbilise. ( 2 ) Estratégias e métodos.
(2) Conferência de Moscou( 3 ) Planos de ação de governos.Acessoàs informações.
(3) Conferência de Tessalônica. ( 1 ) Definição, objetivos e princípios.

As conferências da UNESCO tiveram objetivos e resultados diferentes. É importante contextualizá-las para compreender melhor o significado de cada uma delas naquele momento. A cada dez anos, as mesmas são realizadas e suas recomendações apontam caminhos a serem seguidos pelos educadores ambientais de todo o mundo, influenciando inclusive as conferências nacionais e demais eventos relacionados à Educação Ambiental, que costumam ser realizadas em cada país.

O estudo da WWF aponta para um dado curioso: da população mundial, os 15% mais ricos (inclusive dos países em desenvolvimento) consomem energia e recursos naturais num nível tão elevado que, caso tal padrão fosse estendido para o restante da população mundial, seria necessário, por exemplo, lançar mão dos recursos de 2,6 planetas iguais à Terra.
Esses estudos demonstram o dilema que persiste entre escolher e/ou conciliar desenvolvimento e preservação ambiental. Mostram, também, os desafios que aguardam os educadores, pesquisadores e demais profissionais de Educação Ambiental, no Brasil e no mundo.

No campo da Educação, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) destaca entre os seus artigos (1996):
• quanto ao ensino fundamental, compreensão do ambiente natural e social do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
• incentivo ao trabalho de pesquisa e desenvolvimento de uma melhor convivência entre o homem e o meio em que vive;
• realização de programas de capacitação para todos os professores em exercício.

A implementação da LDB demandou uma série de reformas no sistema educacional brasileiro, como por exemplo, exames de avaliação do ensino, uso das novas tecnologias de informação e comunicação (mídia televisiva e eletrônica etc.).
O Ministério da Educação instituiu os Parâmetros Curriculares Nacionais em 1998 que, entre outros temas como Ética, Pluralidade Cultural, Educação em Saúde etc., abordam a Educação Ambiental como tema transversal, com vista a contribuir para a melhoria do ensino.

Os PCN pretendem atingir segmentos amplos da população em idade escolar.
Os PCN têm como metas:
• a coerência entre ensino e prática escolar;
• a efetiva participação do educando na construção de sua cidadania;
• a valorização do educador;
• o resgate da produção coletiva de conhecimento;
• o estabelecimento de parcerias com as instituições da sociedade e as diversas comunidades.

Lei nº 9795, relativos ao papel do professor na Educação Ambiental.
Capítulo I
Da Educação Ambiental
Art. 1° Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.
Art. 2° A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente de forma articulada em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal.
Capítulo II
Da Política Nacional de Educação Ambiental
Art. 8° As atividades vinculadas à Política Nacional de Educação Ambiental devem ser desenvolvidas na educação em geral e na educação escolar, por meio das seguintes linhas de atuação inter-relacionadas:
I– capacitação de recursos humanos;
II– desenvolvimento de estudos, pesquisas e experimentações;
III– produção e divulgação de material educativo;
IV– acompanhamento e avaliação.

1– Nas atividades vinculadas à política Nacional de Educação Ambiental serão respeitados os princípios e objetivos fixados por esta lei.
2 – A capacitação de recursos humanos voltar-se para:
I – a incorporação da dimensão ambiental na formação, especialização e atualização dos educadores de todos os níveis e modalidades de ensino;
II – a incorporação da dimensão ambiental na formação, especialização e atualização dos profissionais de todas as áreas;
III – a preparação de profissionais orientados para as atividades de gestão ambiental;
IV – a formação, especialização e atualização de profissionais na área de meio ambiente;
V– o atendimento da demanda dos diversos segmentos da sociedade no que diz respeito à problemática ambiental.
Art. 11° A dimensão ambiental deve constar nos currículos de formação de professores em todos os níveis e em todas as disciplinas.
Parágrafo único. Os professores em atividade devem receber formação complementar em suas áreas de atuação, com o propósito de atender adequadamente ao cumprimento dos princípios e objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental.

Histórico da Educação Ambiental
Surgimento da disciplina Ecologia
Conferências Internacionais (Unesco /PNUMA):
– Tbilisi (Geórgia);
– Moscou (Rússia);
– Tessalônica (Grécia);
Legislação brasileira:
– Constituição (1988);
– LDB (1996);
– PCN (1998);
– Política Nacional de Educação Ambiental (1999).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais apresentam as seguintes características:
• Objetivos do ensino de Educação Ambiental
Os objetivos estipulados pelos PCN são:
– Identificar-se como parte integrante da natureza...
– Observar e analisar fatos e situações do ponto de vista ambiental, de modo crítico.
– Adotar posturas na escola, em casa e em sua comunidade que os levam a interações construtivas, justas e ambientalmente sustentáveis.
(MEC, 1998)
• Conteúdos dos PCN
Os conteúdos de Educação Ambiental foram agrupados nos PCN em três blocos distintos.
Blocos de conteúdos de Educação Ambiental / PCN.
• A natureza Cíclica da Natureza:
– ciclos da Natureza;
– alterações de ecossistemas;
• Sociedade e Meio Ambiente:
– uso e ocupação do solo;
– instrumentos de melhoria da qualidade de vida;
– produção de bens e consumo.
• Manejo e Conservação Ambiental:
– manejo sustentável;
– habitação e obras de impacto ambiental;
– saneamento e destinação do lixo;
– Unidades de conservação;
– órgãos responsáveis pelo meio ambiente.
Os objetivos e conteúdos dos currículos de Educação Ambiental são muito abrangentes e sua implementação, ainda em curso, não permite estudos aprofundados sobre seus resultados.

É importante lembrar que a Educação Ambiental, pela complexidade de seu campo de
ação, deve ter uma perspectiva histórica e um enfoque interdisciplinar, fomentar a cooperação e ser direcionada a todos os indivíduos (de modo formal ou não-formal), procurando formar cidadãos atuantes, reflexivos, com senso crítico e que lutem pela melhora da qualidade de vida da população.

A nova concepção de ambiente aqui resgatada, centrada no ambiente de vida das pessoas, propõe-se a romper com a percepção romântica de muitas iniciativas ecológicas, focalizando a questão de forma elaborada e consciente nas suas múltiplas dimensões (...). Na compreensão do ambiente torna-se imprescindível resgatar a relação entre o homem e o seu meio, acabando com as dicotomias homem-natureza, dominador dominado, superior-inferior, melhor-pior (HOMEM D’EL REY, 1989, p. 8).

A Educação Ambiental, por sua vez, deve incorporar valores culturais e saberes populares, visando a contribuir para a formação de uma consciência ambiental. É importante assinalar que a Educação Ambiental, neste século, traz consigo uma simbologia, de certo modo curiosa, dado que os anseios por um mundo justo e solidário são contemplados em seus princípios e objetivos, conforme preconiza a Conferência de Tessalônica (1997).



Resumo CN1 aula 11 Educação, saúde, meio ambiente e qualidade de vida

SAÚDE E EDUCAÇÃO NO BRASIL HOJE
O Brasil mudou, felizmente para melhor, segundo o Censo do IBGE de 2000. Aspectos como renda, educação e saneamento mostraram melhoras significativas, comparando-se esses itens com os dados dos dois censos anteriores, 1980 e 1990. Entretanto, no que se refere à redução da desigualdade social, o índice que mede a concentração de renda, GINI, caiu apenas 4%, o que mantém o Brasil no posto de um dos quatro países com pior distribuição de renda no mundo.
GI N I
Índice que mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de 0, quando não há desigualdade, a 1, quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda da sociedade).
Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

SITUAÇÃO MUNDIAL DA INFÂNCIA
Um relatório do Unicef publicado em 2003, com base na análise de informações de 1,2 milhão de crianças, coletadas em 46 países, no final da década de 1990, demonstrou que cerca de um bilhão de crianças enfrentam problemas advindos da pobreza.
• 134 milhões de crianças e adolescentes (entre 7 e 18 anos) nunca freqüentaram a escola.
• 33% das crianças dividem um quarto com mais de cinco pessoas em suas residências.
• 20% das crianças não dispõem de fontes de água potável.
• 15% das crianças (com menos de 5 anos) sofrem de desnutrição.

De acordo com o Unicef, a pobreza causa uma série de problemas físicos, emocionais e intelectuais, significando uma vida de carência e sofrimento, o que limita o crescimento econômico e social de um país, formando um ciclo inaceitável. Segundo o documento, a erradicação da pobreza é uma possibilidade prática que pode ser atingida em médio prazo e, para alcançar sucesso, deve primeiramente envolver mudanças nas políticas públicas e ações direcionadas à saúde, educação, meio ambiente etc.

O AMBIENTE EM PERIGO
Mudanças no clima (elevação da temperatura, seca, inundação etc.) têm afetado a saúde de milhões de pessoas no mundo, de acordo com denúncias da organização não-governamental Fundo Mundial para a Vida Selvagem (WWF–Brasil). Certas doenças aparecem em locais onde não existiam antes, enquanto outras reaparecem. As doenças mais influenciadas pelas variações climáticas são as transmitidas por vetores como mosquitos e ratos, como dengue e leptospirose, por exemplo.
A água, segundo a Organização Mundial da Saúde, é o principal veículo de transmissão direta e indireta de uma série de doenças que afetam um grande contingente de pessoas em todo o mundo.

LEI DAS ÁGUAS
O Brasil tem uma avançada legislação relativa ao uso da água. Criada em 8 de janeiro de 1997, a Lei 9.433 (Lei das Águas) reitera que água é um bem valioso. Reconhece que ela é finita, tem valor, define que cabe à lei assegurar às gerações atuais e às futuras águas em quantidade e qualidade ideais.
A Lei das Águas representou uma conquista para a população: a criação dos comitês de bacias hidrográficas. E o que vem ser uma bacia hidrográfica? É o conjunto de rios, lagos ou lagoas e afluentes que deságuam num rio principal.
Os comitês de bacias hidrográficas devem contar com a participação dos consumidores de água (indústrias, residências etc.), do poder público (governos federal, estadual e municipal) e das organizações não-governamentais. Esses também são co-responsáveis pelo usufruto da água de uma bacia hidrográfica, zelando pela manutenção de sua qualidade.

(1) Esquistossomose ( 2 ) Agente causador da doença é ingerido
(2) Hepatite ( 1 ) Agente causador penetra na pele ou é ingerido
(3) Tracoma ( 4 ) Doenças propagadas por insetos
(4) Febre amarela ( 3 ) Falta de água ou higiene pessoal

Existem doenças típicas do verão, como a conjuntivite, enquanto outras aparecem no inverno. É importante que você, educador, esteja atento à incidência dessas doenças para alertar seus alunos quanto ao risco que correm de contraí-las. Para tanto, é necessário adotar medidas de prevenção –, como palestras e campanhas –, bem como
vacinação e sugestão à família de encaminhar à unidade de saúde os alunos suspeitos de terem contraído alguma doença.

Educação, ambiente, saúde e doença não podem ser discutidos isoladamente, pois estão relacionados com estilos de vida e não apenas a regras de comportamento. Nesse sentido, é imprescindível investigar as condições de vida, saúde, ambiente e educação da população, bem como a forma de o indivíduo se situar no mundo, o ambiente de vida no qual está inserido e a percepção do mesmo acerca da relação entre saúde e doença.
Conhecer o homem significa também compreender o mundo que o cerca, entendendo suas necessidades básicas de alimento, abrigo e proteção. Desse modo, é mais fácil orientar a sua aprendizagem sobre vida-saúde-doença.

PROMOÇÃO DA SAÚDE
A promoção da saúde deve ser um elemento fundamental das políticas públicas de todos os países, especialmente os latino-americanos, conforme recomendações da Organização Mundial da Saúde em diversas conferências, inclusive a Conferência do México, que em sua declaração, em 2000, afirma:
• A promoção da saúde como prioridade fundamental das políticas e programas locais, regionais, nacionais e internacionais.
• A liderança do setor de saúde para assegurar a participação ativa de todos os setores e da sociedade civil na implementação das ações de promoção da saúde que fortaleçam e ampliem as parcerias nessa área.
• Planos de ações nacionais para promoção da saúde, como identificação das prioridades de saúde, programas para implantá-las, apoio à pesquisa, mobilização de recursos financeiros e fortalecimento das capacidades e competências pessoal e institucional para monitoramento e avaliação dos planos de ação.
• Estabelecer e fortalecer as redes nacionais e internacionais que promovam saúde.
• Defender a idéia de que a ONU seja responsável pela implementação, em termos de saúde, das agendas de desenvolvimento de suas agências e órgãos (OMS, Unicef etc.).

ERVAS “MILAGROSAS”
No Brasil, a fitoterapia (tratamento com remédios à base de plantas medicinais) conquista cada vez mais adeptos entre o público em geral e os profissionais de Medicina. (...) Contudo, é importante afirmar que qualquer planta que não foi estudada em profundidade pode se revelar um perigo para a saúde. Entretanto, o futuro é promissor quanto ao uso, em larga escala, de medicamentos fitoterápicos no Brasil, já que temos a maior biodiversidade do mundo, com um quarto das espécies conhecidas de plantas. Deste total, apenas 2% das 50.000 espécies foram estudadas, e isso significa dizer que a cura para várias doenças pode estar próxima de nós. .

Um dos programas mais inovadores surgidos no Brasil nos últimos anos foi o Programa de Saúde da Família (PSF), que tem concretizado uma antiga reivindicação da população: a atenção básica à saúde.

O trabalho da equipe do PSF
• Elaborar um cadastro das famílias que vivem nas áreas de atuação das equipes, vinculando-as à unidade básica de saúde. São tarefas realizadas pelos agentes comunitários de saúde (cadastramento) e pelos enfermeiros e médicos (coordenação das atividades).
• Efetuar um diagnóstico dos problemas de saúde dessas famílias, preparando a unidade de saúde – enfermeiros e médicos – para atender e acompanhar a população.
• Favorecer o acompanhamento dos grupos da população mais vulneráveis a adoecer e falecer – crianças, mulheres, gestantes, idosos, portadores de doenças crônico-degenerativas ou de necessidades especiais –, com o objetivo de minimizar ou reduzir os riscos.
• Realizar assistência integral, na unidade de saúde ou no domicílio, por meio de consultas médicas e de enfermagem.
• Fornecer dados para alimentar os sistemas de informação sobre os principais indicadores de saúde: mortalidade infantil, incidência de doenças graves, vigilância alimentar e nutricional, imunização etc.
• Desenvolver atividades de educação em saúde – palestras e campanhas, utilizando elementos da cultura local para sensibilizar e mobilizar as comunidades sobre cuidados com a saúde.

O ganho do município com a saúde da família
Os índices positivos dos indicadores de saúde das populações atendidas são listados a seguir:
Reorientação na organização dos serviços. Investimento em ações que levem à redução da procura por pronto atendimento; à redução de internações por causas clínicas e do índice de abandono do tratamento ambulatorial.
Criação de vínculo de responsabilidade entre as famílias e os profissionais de saúde, o que favorece o tratamento e a cura das doenças identificadas.
Aumento do número de pessoas atendidas pelas unidades básicas de saúde.
Acompanhamento constante dos problemas de saúde da população, pelas equipes de saúde.
Redução do número de exames complementares, de encaminhamento de urgência-emergência e especialidades, de internações hospitalares por causas clínicas.

PAPEL DA ESCOLA
A escola se apresenta como o único canal de informações sobre saúde e meio ambiente para as populações carentes. Assim, é fundamental conscientizar os indivíduos sobre seus direitos constitucionais em relação a educação, saúde e ambiente, visando a garantir a sua participação na definição de políticas públicas direcionadas a essas áreas. Compete aos educadores e profissionais de Educação em Saúde e Educação Ambiental um papel importante: desenvolver o pensamento crítico através de ações em entidades, visando a fortalecer os movimentos sociais na luta por
melhores condições de vida, saúde, ambiente e educação.
A escola, que é um local apropriado para a construção e reconstrução do conhecimento em Educação em Saúde e Educação Ambiental, conforme reiteram os PCNs, deve favorecer a abordagem interdisciplinar e transversal dos conteúdos mencionados, utilizando metodologias participativas, caso deseje desempenhar seu papel como instituição reconhecida por suas práticas transformadoras da sociedade.

Promover a saúde significa, no Brasil, fazer contato com a política e a administração pública, que tem uma gestão descentralizada e burocrática.
As ações mais eficazes voltadas para a promoção da saúde são aquelas de cunho participativo e transformador. Trabalhar educação, saúde e ambiente significa atuar com as potencialidades das comunidades, com os valores que permitam uma real transformação de vida e uma nova compreensão sobre o termo cidadania, com enfoque na qualidade de vida.



Resumo CN1 aula 12 Cidadania e ética

Não precisamos apenas de remédios e atendimento médico para sermos considerados saudáveis. O acesso à alimentação, à moradia digna, ao lazer e ao trabalho também são condições fundamentais para se obter saúde. O adoecimento é conseqüência do desequilíbrio entre corpo, mente e ambientes físico e social.

Em seu sentido mais abrangente, a saúde é resultado das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida (BRASIL, MS, 1986).

Na trilha desse pensamento, educação e saúde dizem respeito a uma área interdisciplinar na qual as diversas disciplinas das Ciências Sociais e das Ciências da Saúde estabelecem diálogos, que se ocupam da intervenção prática em ações de promoção e prevenção da saúde.
Podemos afirmar que o direito à saúde pressupõe o atendimento às necessidades básicas do indivíduo e da coletividade. A realização desses direitos se efetiva mediante uma política governamental que preconize a promoção da qualidade de vida para todos.
Exercer a cidadania, nesse contexto, significa construir uma atitude de solidariedade e de participação coletiva na busca da superação dos problemas do país. A luta exige também uma capacidade de compreensão sobre cada problema para intervir de forma responsável em benefício do coletivo.

As propostas da 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986) subsidiaram, significativamente, a elaboração da Constituição Federal de 1988. A garantia de saúde se tornou lei, exposta em dois de seus artigos.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (...)
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I – descentralização, com direção técnica em cada esfera de governo;
II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III – participação da comunidade. (Grifo nosso.) Há várias formas de conceituar cidadania; no entanto, para a compreensão desta aula, basta apenas saber que cidadania é um conjunto de direitos – civis, políticos e sociais – que possui trajetória histórica específica em cada sociedade. São direitos civis: a liberdade de ir e vir, a
liberdade de pensamento (político ou religioso, por exemplo) e o direito à propriedade, dentre outros.
Direitos políticos são aqueles que garantem a participação no poder político; portanto, eleger e ser eleito.
Os direitos sociais se referem a um mínimo de bem-estar econômico e de segurança. A herança social é um direito a ser compartilhado, ou seja, a ter acesso às condições mínimas de vida digna, tais como saneamento básico, transporte, educação, saúde e lazer.

Não podemos compreender cidadania sem resgatar outro conceito importante: a ética. A origem da palavra ética se localiza na Grécia Antiga. Ela vem de éthos, que significa conjunto de costumes e normas de conduta destinados a ordenar a morada dos seres humanos e os modos de convivência. A ética orienta as práticas de cidadania. Sem ética, a cidadania fica corrompida, sem rumo e esvaziada.

A importância dada na lei para a saúde por si só não garante sua efetivação. Nesse ponto, o cenário precisa de atores – nós, cidadãos – que representem o papel de protagonistas das ações de cidadania e ética, na defesa da saúde como um direito do cidadão e um dever do Estado.
Não é um exercício simples ou romântico, ao contrário, exige empenho e firmeza de intenção. O palco do professor é a sala de aula, lugar onde deve apresentar aos alunos a saúde como um valor a ser conquistado. O primeiro passo é a luta pelos direitos sociais, sem os quais não há possibilidade de acesso à saúde.

As estratégias de promoção da saúde já se mostram eficazes. Hoje, o foco central das políticas públicas relacionadas a ela está concentrado no Programa Saúde da Família (PSF), que se iniciou em 1994 com a formação das primeiras equipes de Saúde da Família. O objetivo principal do PSF, segundo o Ministério da Saúde, é “reorganizar a prática de atenção à saúde em novas bases e substituir o modelo tradicional, levando a saúde para mais perto da família e melhorando a qualidade de vida dos brasileiros” (BRASIL, MS, 2004).

A meta é que a unidade básica seja capaz de resolver 85% dos problemas de saúde na própria comunidade, prestando atendimento direto na prevenção, evitando internações desnecessárias e melhorando a vida da população. O PSF atende a todos os integrantes da família, independente de sexo e idade. A equipe é composta de médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agente comunitário de saúde
A saúde é um direito de todos e um dever do Estado, mas que só podemos garantir
a concretização desse preceito legal por meio do exercício consciente da cidadania e da ética. Isso é possível por meio de uma educação que valoriza a importância de atitudes e práticas de cidadanias e ética. obtida pelo atendimento às necessidades básicas dos indivíduos e da coletividade.

A realização dos direitos à saúde acontece quando uma política pública governamental preconiza e concretiza a promoção da qualidade de vida para todos. Cabe a todos o exercício da cidadania e da ética, na luta pela garantia dos direitos sociais, que permitam a promoção da saúde e a preservação ambiental.

Por que o Programa Saúde da Família é o centro das políticas públicas de
saúde?
Desde que foi criado, em 1994, o Programa de Saúde da Família (PSF) vem apresentando resultados positivos porque suas ações são de prevenção, evitando que os problemas de saúde cresçam e cheguem a necessidades de internações, por exemplo. As ações do PSF são educativas e realizadas por equipes multidisciplinares (médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agente comunitário de saúde). Prevenir é melhor que remediar, já diz o ditado popular

No Brasil, que legislação garante o direito à saúde?
O direito à saúde é garantido pela Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 196, que declara que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”.



Resumo CN1 - aula 13 - Ciências e Educação em Ciências

CONHECIMENTO CIENTÍFICO E CONHECIMENTO ESCOLAR
Disciplina científica

É uma maneira de organizar e delimitar um território de trabalho, de concentrar a pesquisa e as experiências dentro de um determinado ângulo de visão. Daí que cada disciplina nos oferece uma imagem particular da realidade, isto é, daquela parte que entra no ângulo de seu objetivo (SANTOMÉ, 1998, p. 55).

É um conjunto específico de conhecimentos que tem suas características próprias no plano do ensino, da formação, dos mecanismos, dos métodos e dos materiais (JAPIASSU, 1992, p. 88).

A reflexão sobre essas duas conceituações nos leva a afirmar que as disciplinas científicas são constituídas por discursos especializados e delimitam um território mantido por mecanismos institucionais bastante específicos, tais como as disputas por recursos financeiros. As disciplinas científicas têm seu próprio campo intelectual de práticas, de regras, de exames, títulos para o exercício profissional, distribuições de prêmios e de sanções. Temos um exemplo disso nas Academias (de Medicina, de Ciências) e nas diversas Associações Científicas. As Ciências se organizam coletivamente, definem espaços de poder, de alocação de recursos, de reprodução de métodos e princípios de construção do conhecimento.

Disciplina escolar

Através de conteúdos, métodos e técnicas específicos que se configuram de maneira própria no espaço escolar. As disciplinas escolares apresentam uma construção social e histórica que se diferencia das científicas, o que não significa afirmar não haver nenhuma relação entre elas. A relação se faz por meio das disciplinas acadêmicas universitárias, também chamadas disciplinas de referência. Um fator que explica, parcialmente, o prestígio e a posição hierárquica que ocupa uma disciplina escolar é sua maior aproximação com uma disciplina acadêmica. Um exemplo que você deve conhecer é o da Matemática. Sabemos e convivemos com o fato de a Matemática conferir prestígio, lugar de destaque na hierarquia entre as disciplinas na escola, muito diferente da Educação Física ou da Educação Artística, por exemplo.
Há uma hierarquia, isto é uma escala de valoração entre as disciplinas que garantem prestígio aos seus professores e aos alunos bem-sucedidos. É o caso da Matemática, da Física e da Química, que ficam à frente de outras, como a Língua Portuguesa, a Educação Física, a Educação Artística, as línguas estrangeiras etc.

O conhecimento escolar é construído por partes que foram aproveitadas, retiradas de diversos setores (cultura, política, economia etc.) do conhecimento humano e ressignificadas, ou seja, ganharam um significado escolar, isto é, receberam algo que diz respeito apenas ao universo da escola.

No cotidiano escolar, as Ciências Naturais com freqüência se dirigem à abstração próxima de um ensino mais acadêmico e se distanciam dos interesses dos alunos e da própria sociedade devido à idéia que se faz de Ciência como algo do alcance apenas dos gênios, e não das pessoas comuns. A conseqüência mais imediata é a falta de participação mais efetiva da população, exatamente pela precariedade de uma Educação em Ciências mais adequada que aguçasse o interesse pelo desconhecido e preparasse para o exercício da cidadania e da ética. Cidadania e ética dependem de um conhecimento sobre cada situação, que forneça motivação às lutas por benefícios para a população.
Por exemplo, se eu não conheço as conseqüências da falta de saneamento básico, como vou reivindicá-lo?

A MEDIAÇÃO DIDÁTICA
A mediação didática é o processo responsável pela produção do conhecimento escolar, com conteúdos, métodos e técnicas específicos, bem diferentes do conhecimento científico. No sentido genérico, mediar se refere à ação de relacionar duas coisas, de ser meio de ligação, de permitir a passagem de um lado a outro. Quando estamos falando de mediação pedagógica, é preciso que fique bem claro o significado de uma via de mão dupla. A escola utiliza as disciplinas escolares como mediadoras do conhecimento para os alunos, estabelecendo a relação entre o conhecimento científico e o aluno.

A escola é uma instituição que difunde o conhecimento científico por meio do conhecimento escolar. É também uma instituição de veiculação do saber cotidiano, da herança cultural que a sociedade seleciona para as gerações mais novas. Entretanto, esse saber selecionado pela sociedade é um saber de classe, capaz de privar as classes exploradas do seu próprio saber.

O primeiro pensamento se volta para a distância existente entre o que a escola ensina e o conhecimento científico: a escola encontra-se sempre alguns anos atrasada em relação à produção científica. Esta, no entanto, não é a questão mais complicada e de conseqüências mais sérias.
O que mais preocupa é a forma como a escola apresenta os conceitos isolados da história; em outras palavras, conceitos desvinculados de seus produtores, que se prendem aos resultados, mas sem dizer em que circunstâncias foram obtidos, ou seja, que o problema a que os cientistas tentaram responder originou o conceito, o modelo, o método, o instrumento etc. Só a partir na década de 1990, os livros didáticos se preocuparam com as referências bibliográficas e históricas, assim como em apresentar seus próprios autores.
É importante afirmar que o esforço dos professores na construção de mediações didáticas termina por constituir uma nova forma de abordagem dos conceitos científicos.

As disciplinas escolares são mediações didáticas entre conhecimento científico e saber do cotidiano. As disciplinas escolares podem se aproximar mais da disciplina de referência (Química, Física, Biologia, dentre outras), ser produto de integração (Ciências, Estudos Sociais) ou se constituir de forma temática (Educação Sexual, Educação Ambiental). A Educação em Ciências se justifica pela possibilidade de formar cidadãos críticos numa sociedade em que o conhecimento científico e tecnológico é cada vez mais valorizado.

Como pode ser explicada a constituição das disciplinas escolares?

As disciplinas escolares se constituem tomando por base as disciplinas de referência (disciplinas acadêmicas universitárias); podem ser resultado da integração de duas ou mais disciplinas de referência, ou representam uma temática criada para responder a uma demanda social.

A disciplina escolar é uma produção histórica e social. É uma nova seleção para responder a um conjunto de demandas sociais, que se expressam na escola. São mecanismos de controle variados. Por isso, Forquin (1993) diz que é um corpo de conteúdos e métodos que compõe uma cultura escolar suigeneris, porque é tipicamente escolar. Não existe em outro lugar, não tem correspondentes. Entretanto, elas guardam alguma proximidade com o conhecimento científico através das disciplinas acadêmicas universitárias e por isso passam a se chamar disciplinas de referência. No currículo escolar, existem disciplinas que são mais próximas de referência, por exemplo, a Matemática, a Química e a Física. Há outras que são o resultado da junção de outras disciplinas de referência, como é o caso das Ciências Naturais, no ensino Fundamental. Por último, ainda existe a possibilidade de surgirem disciplinas que guardam menor relação com as disciplinas de referência porque são grandes temas de discussão, colocados na escola para atender a uma determinada necessidade. É o caso da Educação Ambiental.

Para que serve o conhecimento escolar de Ciências Naturais?

O ensino de Ciências deve proporcionar a todos os estudantes o desenvolvimento de capacidades que despertem o interesse e a inquietação em relação ao desconhecido. Dessa forma, poderão desenvolver posturas críticas e realizar julgamentos diante das produções da Ciência e da tecnologia.

Antigamente, o objetivo de ensinar ciências era preparar futuros cientistas. Ensinava-se Ciências para todos, esperando que alguns fossem os futuros cientistas. Nos dias de hoje, com o avanço da Ciência e da tecnologia cada vez maiores, o domínio dos fundamentos científicos é indispensável como instrumento para que cada cidadão possa realizar tarefas rotineiras como ler um jornal de forma crítica. As informações científicas são cada vez mais importantes para a tomada de todas as decisões coletivas de uma sociedade; por exemplo, o que fazer com os embriões que não foram utilizados nos procedimentos de reprodução assistida, quando casais por diversos motivos não podem ter filhos. Jogar fora ou servir à pesquisa?



Resumo CN1 - aula 14 - A crise na Educação em Ciências


OS ATORES E O CENÁRIO DA CRISE
Forez (2004), ao iniciar seu trabalho sobre a crise no ensino de Ciências no âmbito internacional, lembra-nos uma peça de teatro na qual os interesses dos atores envolvidos são, na maioria das vezes, conflitantes, e alimentam controvérsias quanto aos objetivos e aos meios de educação para as Ciências. Do conjunto de atores que integram a crise, o autor destaca: os alunos e seus pais, os professores de Ciências, os governos e os dirigentes da economia, e todo o conjunto da sociedade civil organizada.

Os alunos não são desinteressados por disciplinas como Física, Química, Biologia ou pelo conjunto das Ciências; ao contrário, consideram tudo isso uma realização humana importante. Entretanto, o entusiasmo dos jovens não vai além da admiração pela Ciência e pelos cientistas. Quando Forez fala dos professores de Ciências, podemos acrescentar no quadro da crise os professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental que também dão aulas de Ciências. Afinal, eles são importantíssimos porque apresentam as Ciências Naturais para crianças muito pequenas. Os professores de Ciências que estão envolvidos na crise da educação como um todo perderam há muito tempo o poder e a consideração profissional. Ao lado disso, enfrentam também questões específicas dos professores dessa área. As práticas do ensino de Licenciatura em Ciências estiveram nos últimos anos muito mais centradas na meta de produzir técnicos de Ciências do que em formar educadores.
No campo das Ciências, para a maioria dos cidadãos, o que merece destaque e valor é o desenvolvimento tecnológico. As pessoas acompanham as novas conquistas, sabem das técnicas médicas, da conquista do espaço e da informática, ainda que essas informações sejam superficiais e fragmentadas. Ou seja, a população em geral se relaciona com a tecnologia, e não com o conhecimento científico.
Professores e alunos são os protagonistas da crise do ensino de Ciências. Entretanto, os demais atores também têm importância que não pode ser esquecida. São os dirigentes políticos que orientam as propostas educacionais em nome do Estado; e também os pais e a sociedade em geral, para quem a educação deveria ser realizada.



Apresente uma síntese sobre o quadro da crise do ensino de Ciências.

A crise tem vários atores, dentre eles os professores (da Educação Infantil e do Ensino
Fundamental), os alunos, os dirigentes econômicos, políticos e empresariais, os pais, enfim todos os cidadãos. Os alunos consideram as Ciências uma realização humana importante; admiram os resultados do avanço científico e tecnológico, mas nem sempre estão muito interessados em acompanhar o avanço científico. Os professores já enfrentam a crise da desvalorização do trabalho e sua formação está em defasagem com as exigências da situação escolar. Os dirigentes, em geral, se preocupam com a produção de riquezas em quantidades suficientes para satisfazer as nossas necessidades crescentes. Os pais estão preocupados com o futuro emprego de seus fi lhos, concordam fortemente com o ponto de vista do mundo econômico. Para grande parte dos cidadãos, o interesse é centrado no desenvolvimento tecnológico. Todos querem saber quais são as últimas novidades científicas e tecnológicas, o que há de mais recente na Medicina e na Informática.
Embora os problemas do ensino de Ciências sejam críticos, há algumas saídas possíveis, que constituem desafios à sociedade.
• superar o senso comum pedagógico;
• atingir a alfabetização científica e tecnológica;
• entender Ciência e tecnologia como cultura;
• assimilar conhecimentos contemporâneos;
• produzir livro didático de qualidade;
• estabelecer a relação entre pesquisa em ensino de Ciência e a prática de ensino de Ciências;
• construir práticas interdisciplinares.

A SUPERAÇÃO DO SENSO COMUM PEDAGÓGICO
Os pesquisadores em ensino de Ciências têm criticado o que chamam de “senso comum pedagógico”, que é a manutenção das práticas rotineiras e vazias de significados, desenvolvidas, na maioria das vezes, na escola. No primeiro descuido, repetimos velhas práticas com base na crença de que a apropriação do conhecimento se faz pela transmissão mecânica de informações (DELIZOICOV; ANGOTTI; Pernambuco, 2002). Paulo Freire denominava essa rotina como EDUCAÇÃO BANCÁRIA, em alusão aos depósitos de valores em contas correntes no banco (FREIRE, 1985). Veja como se pode identificar o senso comum “bancário” exercido nas aulas de Ciências

A ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
Para a formação do cidadão, é proveitoso o estudo do ambiente, da poluição, da Tecnologia, da Medicina, da conquista espacial, da história do universo e dos seres vivos etc. As orientações presentes nessas propostas são totalmente diferentes da prática fechada em Física, Química e Biologia, pois pretendem formar o cidadão para utilizar e criticar a Ciência. A orientação a favor da cidadania tem objetivos humanistas; visa a que todos participem da cultura contemporânea, que tenham capacidade de se situar no universo técnico-científico, possibilitando a cada um se familiarizar com as idéias mais recentes das Ciências.

A proposta da alfabetização científica e tecnológica tem também objetivos relacionados à inserção social, contribuindo para diminuir desigualdades, na medida em que pretende socializar os conhecimentos técnicos e científicos, possibilitando, assim, a participação mais democrática na produção e nos resultados dos avanços científicos e tecnológicos.

CIÊNCIA E TECNOLOGIA COMO CULTURA
Quando defendemos a alfabetização científica e tecnológica no ambiente escolar, o que pretendemos é proporcionar conhecimento científico e tecnológico a toda a população escolarizada. No entanto, com o mesmo objetivo existem trabalhos de divulgação científica em espaços educativos não-formais como museus e espaços culturais, abertos à população. Quer seja na escola ou fora dela, a responsabilidade do

professor, nesse ponto, é propiciar condições para que o aluno se aproprie dos conhecimentos de forma que os incorpore, permitindo que esse saber se constitua uma cultura. Essa característica é uma novidade para a grande maioria das pessoas, que associa cultura à música, ao cinema ou ao Carnaval. Se afirmarmos que ciência e tecnologia são resultado da atividade humana que é uma atividade histórica e socialmente determinada, ficam aí embutidas práticas culturais, em seu sentido amplo de expressão das capacidades humanas.

ASSIMILAÇÃO DE CONHECIMENTOS CONTEMPORÂNEOS
Desde a década de 1980 tem sido produzido um conjunto de materiais didáticos bastante interessantes para a tarefa do ensino de Ciências. Trata-se de livros didáticos e, principalmente, paradidáticos, vídeos, materiais digitais em web e CDROM.
De modo geral, o que diferencia esses materiais dos tradicionais é a forma como eles apresentam os conteúdos, procurando articular os avanços tecnocientíficos com as necessidades da sociedade, ao mesmo tempo que questionam a produção da ciência e da tecnologia ao problematizar, por exemplo, seus impactos sociais e ambientais.

LIVRO DIDÁTICO
Desde a década de 1970, pesquisas apontam as deficiências do livro didático, o que levou o Ministério da Educação, a partir de 1994, à avaliação dos livros didáticos destinados a ser distribuídos nas escolas públicas. A tendência é de que haja melhoria da qualidade dessas publicações. Entretanto, o professor precisa romper com essa camisa-de-força, buscando outros suportes de leitura. O universo se amplia se buscarmos os paradidáticos, como literatura infanto-juvenil, revistas em geral e de divulgação científica; suplementos de jornais (impressos ou digitais), programas de TV (aberta e fechada), web, vídeo etc.

Uma enorme fonte de recursos didáticos está presente nos espaços não-formais de divulgação científica e cultural, como museus, laboratórios abertos à visitação, planetários, exposições e diversos espaços educativos não-formais (Museu da Vida – Fiocruz – e Casa da Ciência – UFRJ – por exemplo). São espaços que devem integrar o processo ensino – aprendizagem de forma planejada, sistemática e articulada.
Entretanto, o mais importante é a qualidade do trabalho do professor com o material disponível. Um livro que chega à escola, ainda que não seja o ideal, pode transformar-se em um grande recurso didático.

A RELAÇÃO ENTRE A PESQUISA EM ENSINO DE CIÊNCIA E A PRÁTICA DE ENSINO DE CIÊNCIAS

Desde meados do século XX, tanto no âmbito internacional quanto no nacional, o ensino de Ciências tem sido objeto de investigação, resultando na criação de uma área de pesquisa, com a realização de encontros entre investigadores para promover divulgação e intercâmbio.

Como acontece com outras áreas da Educação (Sociologia, Currículo e Didática, por exemplo), a disseminação dos resultados entre os cientistas já se faz de forma satisfatória, mas a socialização ampla dessas pesquisas, visando alcançar o professor de sala de aula, ainda é insuficiente. É por isso que o curso de formação do magistério é um espaço privilegiado em que se realiza a divulgação das pesquisas, além de construir competências que proporcionem ao professor o domínio dos instrumentos e meios para manter-se atualizado sobre as investigações no ensino de Ciências. Normalmente, destina-se essa tarefa à formação continuada; porém, acreditamos que o desafio é atuar em todas as dimensões da formação: a inicial, caracterizada pelo curso de graduação; a continuada, que se realiza ao longo da vida profissional e a política, construída através de sua participação nas diversas práticas políticas, sejam elas sindicais, associativas, partidárias ou nos movimentos sociais organizados.

O desafio é produzir estratégias que permeiem as diversas dimensões, incluindo principalmente a inicial ou continuada, presencial ou a distância.
Educar para a cidadania exige muito mais do que simples discursos; também exige recursos e, conseqüentemente, prioridade de investimentos para obtenção da qualidade.

Da crise da Educação em Ciências participam os professores de Ciências, os alunos, os dirigentes da economia, políticos e empresários, os pais e os cidadãos. Os desafios estão na superação do senso comum pedagógico, na alfabetização científica e tecnológica, na admissão da ciência como cultura, no uso crítico do livro didático, no conhecimento das pesquisas em ensino de Ciências e na interdisciplinaridade.


Resumo CN1 aula 23 Bioética – Erivaldo Pedrosa dos Santos

O estudo da Bioética refere-se às inter-relações filosóficas, éticas e legais que se estabelecem na discussão sobre a ética relacionada à vida em geral e sua aplicação no cotidiano, visando à preservação e/ou melhoria da qualidade de vida.
Uma das definições da palavra bioética é ética da vida, ou seja, costumes e regras a serem observados e seguidos, tendo como fundamento o conhecimento biológico e os valores humanos. É o estudo dos problemas éticos, suscitados pelas pesquisas biológicas e suas aplicações por pesquisadores, médicos etc. Hoje, graças às situações vivenciadas e à evolução das Ciências Biomédicas, existem meios que nos levam a escolhas racionais diante das opiniões de cunho moral referentes à vida, à saúde e à morte. São cada vez mais numerosos os conflitos gerados entre o progresso médico-científico e os direitos humanos.
A Bioética, uma disciplina nova no campo da Filosofia, surgiu em função da necessidade de se discutir moralmente os efeitos do avanço tecnológico das Ciências da área de saúde, bem como aspectos tradicionais da relação existente entre os profissionais de saúde e seus pacientes.
O termo bioética surgiu na década de 1970. Os fundamentos da Bioética foram criados por Warren Reich e Leroy Walters (Instituto Kennedy de Ética, Universidade Georgetown, EUA). Em 1988, Van Rensselaer Potter criou a Bioética Global. Esta compreendia o adjetivo “global” como sendo parte de uma proposta que englobasse todos os aspectos relativos à vida, isto é, que envolvesse desde a saúde até as questões ecológicas.
Em 2001, o Programa Regional de Bioética, vinculado à Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), definiu Bioética também de forma ampla, elegendo vida, saúde e ambiente como áreas de reflexão.
Segundo Potter, a Bioética tem como características fundamentais a abrangência, o pluralismo e a interdisciplinaridade, assim como a abertura e a incorporação crítica de novos conhecimentos – em todas as diversas formas de compreensão atual do referido termo.
LEGISLAÇÃO
A legislação brasileira relacionada aos problemas tratados pela Bioética é insuficiente para solucionar as questões pertinentes à área.
O Brasil, atualmente, conta com as seguintes leis:
• Lei n° 8.501, de 1992 – Utilização de cadáver não reclamado.
Dispõe sobre a utilização de cadáver não reclamado pelos parentes, o qual pode ser destinado a faculdades e instituições científicas para a realização de estudos e pesquisas.
• Lei n° 8.974, de 1995 – Norma para o uso das técnicas de Engenharia Genética.
Dispõe sobre as normas para o uso das técnicas de Engenharia Genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados.
• Lei n° 10.211, de 2001 – Remoção de órgãos e tecidos.
Dispõe sobre a remoção de órgãos e tecidos de partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento.
Qual a maneira mais simples e menos burocrática de ajudar alguém, através da doação de um dos órgãos do seu corpo para transplante? Ao confeccionar uma nova carteira de identidade, solicitar que não conste na mesma a seguinte informação: não é doador de órgãos e tecidos, caso contrário, todos são doadores
A Bioética é um termo criado pelo oncologista e biólogo americano Van Rensselaer Potter II e publicado em seu livro Bioethics: bridge to the future, em 1971. Pode ser compreendida como o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da saúde, conduta esta examinada à luz dos valores e princípios morais da sociedade.
Campo novo da ética médica, a Bioética não trata apenas do direito dos indivíduos à saúde e à assistência médica, mas também das responsabilidades sobre as ameaças à vida no planeta. É resultante da evolução do saber e da concepção moderna de como esse tema é tratado pela Medicina, pela Biologia, pela Sociologia do Direito e da Filosofia.
O objetivo de atuação da Bioética surgiu com a tomada de consciência do homem de que ele é parte integrante e atuante do meio em que vive (ambiente de vida), e que portanto, suas intervenções no meio devem ser bem pensadas para que o homem não seja vítima de suas próprias ações.
O campo de ação da Bioética é muito extenso, e abrange questões relacionadas à manipulação genética (animais, vegetais e seres humanos), ao aborto, à eutanásia, ao genoma humano, aos transplantes de órgãos entre vivos e post mortem, à recombinação de genes, à criação e ao patenteamento de seres vivos, à natureza jurídica do embrião, à contracepção, às cirurgias intra-uterinas, aos diagnósticos de doenças incuráveis etc.
A Bioética aborda a ética médica, mas não se limita à mesma. A ética médica discute problemas relacionados a valores surgidos na relação entre médicos e pacientes. A Bioética, por sua vez, é um conceito de grande amplitude, que envolve, quatro aspectos importantes:
• Compreende os problemas relativos a valores existentes entre os profissionais de saúde e nas profissões “afins”.
• Diz respeito às investigações biomédicas e às do comportamento, independentemente de influírem ou não nos procedimentos terapêuticos.
• Engloba uma ampla gama de questões sociais, como as relativas à saúde ocupacional, à ética do controle da natalidade etc.
• Refere-se às questões relativas à vida dos animais e das plantas, no que concerne às experimentações, assim como às demandas ambientais.
Boff (1999), ao discutir os cuidados com o nosso corpo, na saúde ou na doença, aponta para uma visão globalizante do corpo, conforme assinalamos a seguir:
Resumindo, podemos dizer que o corpo é aquela porção do universo que nós animamos, informamos, conscientizamos e personalizamos. É formado pelo pó cósmico, circulando pelo espaço interestelar há bilhões de anos, antes da formação das galáxias, das estrelas e dos planetas, pó esse provavelmente mais velho que o sistema solar e a própria Terra. O ferro que corre pelas veias do corpo, o fósforo e o cálcio que fortalecem os ossos e os nervos, os 18% de carbono e os 65% de oxigênio mostram que somos verdadeiramente cósmicos.
Corpo é um ecossistema vivo que se articula com outros sistemas mais abrangentes. Pertencemos à espécie homo, que pertence ao sistema Terra, que pertence ao sistema galáctico e ao sistema cósmico. Nele funciona um sistema interno de regulação de frio e de calor, de sono e da vigília dos fenômenos da digestão, da respiração, das batidas cardíacas, entre outros (BOFF, 1999, pp. 142-143).
Bioética é o estudo dos problemas éticos resultantes das pesquisas biológicas e das situações vivenciadas pelo homem no que se refere à evolução das Ciências Biomédicas e discute a conduta do homem à luz dos valores e princípios morais da sociedade. A temática analisa, de forma ampla, a vida, a saúde e o ambiente no que se refere às inter-relações existentes entre os mesmos. No Brasil, existe uma série de leis que regulam a remoção de órgãos e tecidos do homem e o uso de técnicas de engenharia genética. Questões controversas a respeito da vida humana são também abordadas pela Bioética, especialmente no que se refere a escolhas pessoais a respeito da vida e da morte.
Há um número pequeno de textos e livros que tratam da Bioética em português, o que significa que ainda há muito a ser discutido.


Resumo CN1 aula 24 Biossegurança – Erisvaldo Pedrosa dos Santos

Como o Brasil ainda não dispunha até meados de 2004 de uma lei de Biossegurança, ainda há uma série de conflitos não solucionados.
BIOSSEGURANÇA significa segurança biológica relacionada à prevenção, minimização ou eliminação dos riscos inerentes à exposição, manipulação e utilização de organismos vivos, os quais podem comprometer a saúde do homem, das plantas, dos animais e do meio ambiente. Diz respeito, também, à segurança da vida e constitui uma denominação genérica das atividades relativas à manipulação de organismos vivos.
O objetivo principal dos procedimentos adotados no campo da Biossegurança é minimizar e evitar riscos das atividades humanas realizadas em laboratório ou centros de pesquisa e controle de substâncias e organismos vivos, cuja manipulação é potencialmente prejudicial à vida.
Segundo o dicionário Aurélio, BIOSSEGURANÇA é o conjunto de estudos e procedimentos que visam a evitar ou controlar os eventuais problemas suscitados por pesquisas biológicas e/ou por suas aplicações.
Biossegurança significa obedecer a normas de segurança relativas à prevenção, à minimização ou à eliminação de riscos relacionados à exposição, à manipulação e à utilização de organismos geneticamente modificados. Compete à Biossegurança minimizar e evitar riscos para a saúde do homem e a integridade do meio ambiente.
A análise de riscos na área de projetos de pesquisa envolvendo Biossegurança deve prever, necessariamente, de acordo com Boschilia (2003), a adoção de medidas de contenção de riscos no desenvolvimento, por exemplo, de pesquisas, as quais devem apresentar as seguintes etapas:
• fase laboratorial, que consiste em organizar os experimentos;
• implementação dos experimentos no interior de laboratórios;
• realização dos experimentos de campo em condições controladas;
• liberação de organismos ou substâncias no meio ambiente, em larga escala.

LEGISLAÇÃO
A Lei 8.974/95 criou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), com o objetivo de assessorar e prestar apoio técnico-consultivo ao Governo Federal na formulação e implementação da Política Nacional de Biossegurança.
A Lei 8.974/95 estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização no uso das técnicas de Engenharia Genética, no que se refere ao cultivo, à manipulação, ao transporte, à comercialização, ao consumo, à liberação e ao descarte de organismos geneticamente modificados no sentido de proteger a vida e a saúde do homem, dos demais seres vivos e do meio ambiente.
A clonagem com utilização de células adultas implica uma série de riscos. O material genético tem um marcador de tempo de vida na ponta dos cromossomos. A cada divisão celular, o marcador torna-se mais curto, e as células vão envelhecendo rapidamente, até o ponto em que não há mais divisão. Com isso, os clones podem nascer com células sem capacidade de reprodução. Ainda não se tem certeza da ocorrência desse processo devido ao pequeno espaço de tempo decorrido desde o nascimento dos primeiros clones, os quais provêm de experimentos recentes no campo da Engenharia Genética.
Já é possível antever que a clonagem terá uma aplicação prática imediata a partir da criação em laboratório de animais cujos órgãos podem vir a ser utilizados em transplantes nos seres humanos, sem o risco de rejeição.
Os clones podem também transformar-se em verdadeiras fábricas de proteínas humanas, medicamentos e vacinas, eficientes e de reduzido custo. Por exemplo:
• As ovelhas Molly e Polly, irmãs da Dolly, trazem consigo genes humanos, que favorecem a produção de uma proteína utilizada no tratamento da hemofilia.
• Os bezerros Charlie e George são geneticamente programados para produzir substâncias medicinais, transformando-se em verdadeiras farmácias ambulantes.
• As vacas que estão sendo clonadas em laboratório podem tornar-se os próximos clones a fabricar substâncias medicinais, como o leite rico em albumina humana, a ser utilizado em pacientes com grande perda de sangue.
Uma das grandes questões ainda não respondidas pela Engenharia Genética diz respeito à criação de populações inteiras de plantas e animais clonados a partir de uma mesma espécie. Além de problemas já detectados quanto à fragilidade da saúde de alguns animais clonados e o seu envelhecimento precoce, ainda não sabemos como eles irão comportar-se diante de agentes patógenos como vírus e bactérias. Cientistas acreditam que qualquer um desses agentes pode, caso infecte uma espécie clonada, dizimar toda a população de clones, mesmo que esta esteja distribuída por várias partes do mundo. Portanto, todo cuidado é pouco quando se pensa em ampliar os experimentos relativos à criação, em larga escala, de clones.
Todo cuidado nesta área é pouco diante dos problemas que podem surgir, mas as mudanças na legislação, que estão em curso, podem trazer maior segurança para os profissionais que trabalham na área e para a população em geral.



Resumo CN1 aula 25 Ensino de Ciências metodologias e práticas – Dayse Martins Hora

A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS Se fosse possível colocar todo o conhecimento humano na cabeça de uma pessoa, ainda assim, no dia seguinte, ela precisaria voltar à escola.
Não adianta receber o conhecimento pronto, é preciso ter capacidade de se adaptar às alterações sociais, culturais e tecnológicas que estão acontecendo, bem como manter o senso crítico e ético nesse cenário de transformação. Diante dessa realidade, o ensino de Ciências tem um papel fundamental na formação do cidadão, pois colabora na compreensão do mundo, situando o homem como indivíduo participativo e integrante do universo.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), numa sociedade em que se convive com a supervalorização do conhecimento científico e com a crescente intervenção da Tecnologia no dia-a-dia, não é possível pensar na formação de um cidadão crítico à margem do saber científico (BRASIL, MEC, 2000).
O ensino não pode ser interpretado como uma simples transmissão dos conhecimentos humanos. Ao lado do ato de ensinar existe a preocupação de educar, que é mais ampla e significa unir a informação à formação
Segundo o relatório da Comissão Internacional sobre Educação da Unesco (Relatório Dellors), produzido em 1996, os pilares para a educação do século XXI são constituídos de quatro aprendizagens fundamentais: aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a viver junto e aprender a ser (DELLORS, 1996).
O trabalho de Bodanese e Bernatt (2004) nos traz um resumo sobre essas quatro aprendizagens fundamentais:
1. Aprender a aprender – significa dominar os instrumentos para a produção do conhecimento a partir das necessidades que surgem na vida. Com isso, espera-se o aumento das capacidades profissionais e de comunicação no mundo.
2. Aprender a fazer – refere-se à necessidade de unir trabalho prático e intelectual, ou seja, unir, sabe e fazer. Aprender a fazer está intimamente relacionado ao aprender a aprender, ressaltando que a aprendizagem ocorre ao longo da vida toda. Com as mudanças tecnocientíficas é preciso manter-se atualizado, aprendendo sempre algo novo.
3. Aprender a viver junto – é o grande desafio da Educação hoje em dia, pois é necessário trabalhar em conjunto. Para isso é preciso entender as diferenças e saber administrar conflitos. No mundo atual, a interdependência de todas as nações vem aumentando e cada vez mais as diferenças aparecem. É preciso aprender a viver junto, descobrindo e valorizando o conhecimento do outro, de sua história, de suas tradições.
4. Aprender a ser – implica o desenvolvimento da capacidade de discernimento e autonomia que torne o indivíduo capaz de passar da responsabilidade pessoal à realização do destino coletivo. Esse pilar é a síntese dos três primeiros, ou seja, aprender a ser significa aprender a aprender, aprender a fazer e aprender a viver junto.
Os PCN estruturam o ensino de Ciências nos seguintes blocos temáticos: Ambiente; Ser Humano e Saúde; Recursos Tecnológicos; Terra e Universo (BRASIL, MEC, 2000). Entretanto, no primeiro segmento do Ensino Fundamental (antigas 1a à 4a séries) são trabalhados apenas os três primeiros blocos. Terra e Universo foi dirigido ao segundo segmento do Ensino Fundamental (antigas 5a à 8a séries).
No que se refere à Educação Infantil, o Ministério da Educação publicou um documento chamado Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Esse material é composto de três volumes. O primeiro faz a introdução ao documento, apresentando uma reflexão sobre creches e pré-escolas no Brasil; o segundo trata da formação pessoal e social; o terceiro se refere ao conhecimento de mundo.
O último volume, que é o que nos interessa no momento, contém seis eixos de trabalho: Movimento; Música; Artes Visuais; Linguagem Oral e Escrita; Natureza e Sociedade e, por fim, Matemática. Segundo esse documento, o eixo de trabalho Natureza e Sociedade reúne temas pertinentes ao mundo social e natural, propondo atividades integradas de Ciências Naturais e Ciências Humanas e Sociais.
METODOLOGIAS E PRÁTICAS
Ambiente
Este é um bloco temático muito amplo que envolve desde o ambiente natural até o ambiente construído pelo homem. Tem por objetivo desenvolver o respeito pelo ambiente de vida, considerando não somente o que está longe de nós, como a floresta Amazônica ou o mico-leão-dourado, mas também o que está perto como a rua, a cidade, o despejo irregular de lixo, o desperdício de água, dentre outros.
SER HUMANO E SAÚDE
Esse bloco temático trabalha conteúdos relativos ao corpo humano, não apenas em relação aos aspectos biológicos, mas também quanto às suas relações com o ambiente e à manutenção da saúde, concebendo o corpo humano como um sistema integrado. Além dos conteúdos de Biologia, é necessário desenvolver hábitos saudáveis que permitam uma vida com equilíbrio físico, psíquico e social.



Resumo CN1 aula 26 - Ensino de Ciências - metodologias e práticas - Dayse Martins Hora

Os Temas Transversais, como o próprio nome indica, são conteúdos que atravessam o currículo sem se caracterizarem como uma disciplina isolada. Os educadores devem encontrar modos de trabalhar os temas transversais em cada disciplina junto aos conteúdos programáticos específicos de cada conhecimento escolar.
Os conteúdos do bloco temático Ambiente permitem inúmeras conexões com os temas Meio Ambiente, Saúde e Orientação Sexual. O bloco temático Ser Humano e Saúde relaciona-se diretamente com a Ética, a Saúde, a Orientação Sexual, a Pluralidade Cultural e o Meio Ambiente. Por último, os conteúdos do bloco temático Recursos Tecnológicos estão estreitamente ligados aos temas Meio Ambiente, Saúde, Ética e Pluralidade Cultural.
No bloco temático Recursos Tecnológicos encontra-se temas e conteúdos relacionados às transformações dos recursos naturais tais como energia, máquinas, instrumentos, alimentos, bem como às conseqüências do desenvolvimento tecnológico na sociedade em geral. É um espaço adequado para discutir a relação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), levando em conta as diversas culturas, as questões éticas, os valores e as atitudes dos seres humanos, além de desenvolver habilidades para utilizar a tecnologia e compreender seus impactos na sociedade.
OUTRAS PROPOSTAS METODOLÓGICAS
Na década de 1920, FREINET criou a aula-passeio para o trabalho com seus alunos, filhos de camponeses. A metodologia é uma das bases de sua proposta pedagógica.
Uma aula-passeio possui quatro etapas:
• Motivação – com atividades que levem o aluno a se interessar pelo passeio que vai fazer. Por exemplo: assistir a um vídeo sobre o assunto que é motivo do passeio.
• Preparação – conteúdos prévios para que o passeio seja produtivo. Por exemplo: uma aula que o professor ministra depois do vídeo de motivação.
• Ação – é a aula-passeio propriamente dita.
• Comunicação – momento em que os alunos elaboram o que viram ou fizeram durante o trabalho. Por exemplo: a produção de relatórios, de jornais de divulgação do que foi realizado, oficinas de arte etc.
A aula-passeio é uma proposta metodológica muito rica para o ensino de Ciências e pode ser utilizada em todos os níveis de ensino. Freinet já afirmava que a vida tem que entrar para a sala de aula. Portanto, é possível realizar aulas desse tipo em diversos lugares. Visitas a fábricas, jornais, empresas e repartições públicas podem enriquecer muito o trabalho pedagógico, abrindo possibilidades para o desenvolvimento de conteúdos de diversas disciplinas escolares.
Para as Séries Iniciais do Ensino Fundamental, os Parâmetros Curriculares Nacionais recomendam o trabalho com os blocos temáticos Ambiente; Ser Humano e Saúde; Recursos Tecnológicos.
As aulas 25 e 26 sugerem várias atividades relacionadas com o estudo dos blocos temáticos. É bom dar uma “olhadinha” para responder possíveis perguntas na Avaliação Presencial.



Resumo CN1 aula 27- O laboratório de Ciências-- Erivaldo Pedrosa dos Santos

O ensino de Ciências deve, necessariamente, contar com um laboratório para o bom andamento da aprendizagem. Apenas a explanação de conteúdos presentes nos livros didáticos é insuficiente para demonstrar a riqueza de possibilidades inerentes ao ensino desta disciplina.
A existência de um laboratório de Ciências facilita muito o aprendizado do aluno, embora haja dificuldades para sua criação ou manutenção nas escolas. O laboratório de Ciências na escola pode ser definido como o espaço para a realização e o desenvolvimento de experiências controladas, que explicam fenômenos e fatos do cotidiano, possibilitando, no indivíduo, o surgimento de questionamento, investigação e análise crítica dos fatos.
O laboratório de Ciências é um espaço importante para a escola e deve ter como objetivos:
• incentivar a curiosidade da criança sobre novas descobertas;
• despertar o gosto pela Ciência na criança, pois fazem parte de sua natureza a curiosidade, a investigação e a observação;
• facilitar a pesquisa científica;
• possibilitar a formação crítica da criança diante das descobertas científicas presentes no seu cotidiano.
A montagem de um laboratório, segundo Weissmann (1998), requer o cumprimento de uma série de requisitos fundamentais ao seu perfeito funcionamento:
Espaço físico
É recomendado prever um mínimo de 3m² por aluno para a área de experimentação. Acrescentar 1m² por aluno para guardar material portátil, além de 1,5m² para estantes, mesas e área de circulação. No total, teremos 4,5m² por aluno.
Materiais empregados na construção
É imprescindível utilizar como critério para a escolha de materiais de construção a resistência destes aos ácidos, alcalinos e solventes, bem como a capacidade de isolamento acústico. As paredes devem ser construídas com materiais que sejam resistentes a substâncias corrosivas, que exijam manutenção simples e sejam de fácil limpeza.
Posto de serviço
O posto de serviço deve conter as seguintes instalações:
• água
• drenagem
• energia elétrica
• gás

Equipamentos de segurança
São necessários dois exaustores para cada 100m². A sala deve dispor de duas saídas de emergência. É fundamental providenciar, também, extintores de incêndio em plenas condições de uso e um estojo de primeiros socorros completo. Procurar, também, instruir os demais profissionais que trabalham na escola sobre como agir em caso de acidentes.
Mobiliário
É recomendado seguir a tendência atual de selecionar mesas móveis de múltipla posição, fáceis de serem acoplados aos postos de serviço. As estantes devem ser de material resistente à corrosão e de alturas diferentes, sendo que algumas devem facilitar o acesso dos alunos e outras devem dificultar o acesso a materiais frágeis ou perigosos. É importante escolher estantes fechadas para o material de drogaria. Os bancos devem ser individuais e com a altura compatível com a das mesas.
Equipamentos e materiais
Os equipamentos e materiais devem ser classificados e armazenados segundo critérios funcionais, como por exemplo:
• temática: flutuação, circuito elétrico, som etc.
• função: microscópio, lupa, instrumentos de medida etc.
• material: plástico, vidro, metal, madeira, tecido etc.
É recomendada a utilização de caixas com rótulo para guardar os materiais nas estantes, sendo que para os produtos que tendem a ficar úmidos, recomenda-se o uso de caixas plásticas; para os demais, caixas de papelão ou de madeira podem ser utilizadas.
Nesta aula existem 4 atividades de experimentos que vale a pena conferir no livro.
Uma série de providências pode ser tomada caso você deseje transformar a sala de aula em laboratório, como por exemplo:
• armário com cadeado para guardar os materiais frágeis ou perigosos;
• estantes para o equipamento e os trabalhos dos alunos;
• recipiente com torneira sobre um balde como fonte de água.
O Ministério da Educação, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), divulgou uma pesquisa em 2002, assinalando que, entre as instituições de 1ª à 8ª séries, apenas 4,2% possuem laboratório de Ciências, 27,9% possuem bibliotecas e 23,9% possuem quadras de esporte. Isso nos permite verificar a pequena importância que as autoridades da área da Educação dão ao fato: a falta de investimento na construção de laboratório de Ciências nas escolas de Ensino Fundamental. Não pretendemos formar cientistas ao defendermos a necessidade de as escolas terem laboratórios de Ciências, mas indivíduos que reconheçam os fenômenos da Natureza, saibam explicá-los e consigam transformar o cotidiano com seus experimentos.


Resumo CN1 aula 28 - As instituições culturais e a escola: parceria – Erivaldo Pedrosa dos santos

Nas últimas décadas, a divulgação do conhecimento científico, tem sido objeto de preocupação em instituições científicas e em organismos nacionais e internacionais. Existe um descompasso entre os avanços da Ciência e a compreensão da sua importância no dia-a-dia da população.
Nesta aula, a relevância da utilização de um espaço não-formal de ensino de Ciências na aprendizagem de conteúdos científicos: o centro cultural e/ou o museu, no sentido de melhor explorar essa modalidade de ensino.
Na década de 1980, um grande número de países assumiu um compromisso com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), no sentido de implementar uma nova meta para a educação em Ciências, sob o slogan “Ciência para todos”. Essa diretriz dizia respeito à popularização da Ciência, como forma de favorecer a compreensão da importância do conhecimento científico para o progresso da humanidade.
Hoje, o professor de Ciências não deve utilizar apenas o livro didático como instrumento de trabalho, mesmo que seja de qualidade e elaborado por estudiosos da área de ensino de Ciências, pois os inúmeros questionamentos sobre o significado da Ciência e os limites do avanço científico não são respondidos somente pelo livro didático.
É cada vez maior a utilização de materiais paradidáticos como jornais, revistas, vídeos, CD-ROM, televisão educativa e rede de computadores (Web). Entretanto, faz-se necessário o estabelecimento de critérios para o uso de tais instrumentos, no sentido de otimizá-los.
O que é um Centro Cultural?
Os centros culturais são espaços abertos à cultura em geral, que não dispõem de acervo próprio, diferentemente de um museu. As exposições realizadas são montadas a partir do empréstimo de objetos pertencentes a indivíduos e instituições como museus e centros culturais, mantidas por empresas e governos. Essas exposições têm um caráter temporário, limitando-se a algumas semanas ou meses.
O que é um Museu?
Segundo Almeida (1997), o museu é uma instituição permanente que adquire e preserva objetos e documentos, bem como efetua pesquisas a esse respeito. Os museus podem ser classificados de diversas maneiras mas, geralmente, podemos agrupá-los da seguinte forma:
• Tipo de acervo – belas artes, arte contemporânea, biológico, histórico etc.
• Área de pesquisa – antropologia, arte, saúde pública etc.
Geralmente, os museus são agrupados em dois grandes conjuntos: museus de Arte e museus de Ciências.

Aponte as diferenças existentes entre um museu e um centro cultural.
As duas instituições se diferenciam por dispor ou não de acervo permanente de obras de arte e objetos diversos.

Koptcke (2003) afirma que uma visita a uma instituição cultural é composta por três etapas: o momento anterior à chegada na exposição, a visita à exposição e o retorno à escola. O sucesso do trabalho vai depender da sintonia entre esses três momentos.
O professor deve visitar a exposição antes da organização da visita com os alunos; deve conhecer e trocar idéias com os responsáveis pelo setor educativo, os quais podem ajudar a definir estratégias eficazes para atingir os objetivos propostos.

O professor de Ciências, preferencialmente, deve procurar localizar na sua cidade e/ou região os centros culturais e museus existentes. Ao localizá-los, é importante fazer um levantamento das atividades regulares disponíveis na instituição, bem como a programação de eventos abertos ao público. A partir de então, o docente deve planejar visitas à instituição, assim como participação nos eventos oferecidos.

A visita a uma instituição cultural, no caso de um museu ou centro cultural, exige bastante esforço do professor, pois uma série de providências são necessárias, caso desejemos que a visita seja bem-sucedida.
Instituições culturais no Rio de Janeiro
– Museu Nacional/UFRJ. Site: www.museunacional.ufrj.br
– Museu da Vida/FIOCRUZ. Site: www.museudavida.fiocruz.br
– Museu de Astronomia. Site: www.mast.br
– Casa da Ciência/UFRJ. Site: www.cciencia.ufrj.br
– Museu do Índio. Site: www.museudoindio.org.br
– Centro Cultural da Saúde. Site: www.ccs.saude.gov.br
– Jardim Botânico. Site: www.jbrj.gov.br
– Rio Zôo. Site: www.rio.rj.gov.br/riozoo

Como não tivemos nessa disciplina uma aula específica sobre jogos educativos e oficinas de arte, vale a pena você conhecer alguns sites que trazem informações adicionais, de forma lúdica, sobre uma série de temas abordados na disciplina.
www.uol.com.br/ecokids
www.uniagua.org.br
www.on.br
www.tomdamata.org.br
www.canalkids.com.br

O ensino de Ciências, hoje, requer a utilização de diversos recursos didáticos. O centro cultural e o museu são espaços de divulgação científica que devem ser visitados pelos professores e alunos. As instituições oferecem inúmeras atividades culturais que complementam os eventos em cartaz. O professor deve seguir uma série de procedimentos antes de visitar uma instituição com seus alunos, pois isso define o sucesso da visita. A instituição cultural não deve ser vista como substituta da escola. O aprendizado de Ciências acontece principalmente na sala de aula. O educador torna-se cada vez mais presente no quadro de pessoal das instituições culturais e seu trabalho tem adquirido grande relevância.

Uma visita às instituições mencionadas nesta aula proporciona ao aluno aprendizagem cognitiva e afetiva; destacam-se os ganhos afetivos, pois a visita pode motivar os alunos a conhecer melhor os temas que estão sendo abordados, buscando informações adicionais em pesquisas extra-classe, bem como interpretando melhor os fatos do cotidiano. A partir de então, esses alunos estarão mais aptos a desenvolver a capacidade de compreensão da história do homem e de suas realizações ao longo do tempo, nas mais diversas áreas como, por exemplo, Arte, Ciência e Tecnologia, História, Sociedade etc.









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5 - TÓPICOS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL


Resumo TEE- Aula 1 - Inteligência: história e concepções
Maria Ângela Monteiro Corrêa

A inteligência tem valor não apenas para a sobrevivência, mas também como patrimônio social.
Ver a inteligência como patrimônio social nos remete a ser responsáveis pelo uso e desenvolvimento da potencialidade de todos, inclusive a nossa (METTRAU, 2000).

Definir inteligência é uma tarefa difícil. Para alguns, diz respeito à capacidade de se adaptar ao ambiente; para outros, está relacionada ao pensamento abstrato e, ainda, há aqueles que dão destaque ao fato de que solucionar problemas com rapidez e originalidade é uma característica importante. Outras definições dão ênfase, ainda, à facilidade em adquirir novos conhecimentos.
Dentre a gama de entendimentos existentes, optamos, então, por definir inteligência a partir de quatro renomados teóricos
Capacidade do organismo para se adaptar convenientemente a situações novas (STERN, 1914).
Conjunto de processos de pensamento que constituem a adaptação mental (BINET, 1916).
Propriedade de combinar de outro modo as normas de condutas, para poder atuar melhor em situações novas (Walls, 1917).
Capacidade agrupada ou global para agir intencionalmente, para pensar racionalmente, para lidar de modo efi caz com o meio ambiente (WECHSLER, 1958).

WILLIAN STERN (1871-1938)
Psicólogo alemão que sugeriu o índice de inteligência (Quociente de Inteligência, mais conhecido como QI).

A inteligência parece quase sempre estar relacionada à nossa esperteza ou à forma rápida com que damos soluções às dificuldades apresentadas no dia-a-dia ou, ainda, à nossa habilidade para avaliar as situações novas e nos adaptarmos a elas. Também podemos relacionar a inteligência à nossa capacidade de aprender com erros e acertos do passado.
Alfred Binet definia inteligência como a capacidade de efetuar juízos corretos. Dizia ele que ajuizar bem, compreender bem e raciocinar bem são aspectos essenciais da inteligência.
Uma pessoa pode ser atrasada ou imbecil se lhe faltar a capacidade de julgar, mas com bom julgamento não será nem atrasada nem imbecil.
Binet começou a usar o conceito de idade mental para cotar o teste, isto é, criar uma
média de itens que uma criança de seis anos de idade pudesse realizar, por exemplo. A partir daí, qualquer outra criança que fosse bem-sucedida no mesmo número de itens recebia a idade mental de seis anos.
A Escala de Binet tinha o propósito de identificar as crianças com problemas e ajudá-las a melhorar, mas nunca de atribuir-lhes um rótulo e/ou impor-lhes limites.
Ele acreditava que, ainda que as crianças tivessem incapacidade inata para obter resultados normais, todas poderiam melhorar se recebessem assistência adequada.

Binet dizia que o rótulo rígido poderia condicionar a atitude do professor. Ele era contrário à concepção hereditária,de Francis Galton, (Eugenia, gênio hereditário) pois acreditava, antes de tudo, que a educação especial deveria se ajustar às necessidades individuais de cada criança ou, nas palavras dele, “devia basear-se no seu caráter e nas suas aptidões, bem como na exigência de nos adaptar às suas necessidades e capacidades” (BINET, apud GOULD, 1991, p. 157).
Binet defendia a utilização de métodos educativos especiais, dentre os quais um programa que ele chamava ortopedia mental:

O que elas devem aprender em primeiro lugar não são os materiais normalmente ensinados, por mais importantes que possam ser; devem receber aulas de vontade, de atenção e de disciplina; em vez de exercícios de gramática, precisam de exercícios de ortopedia mental; em poucas palavras, têm de aprender a aprender (BINET, apud GOULD, 1991, p. 157).

Nesse programa, Binet propunha um conjunto de exercícios físicos para aprimorar a vontade, a atenção e a disciplina, condições básicas, segundo ele, para o estudo das matérias escolares.
Finalmente, qualquer que fosse a causa das dificuldades que as crianças tivessem, a ênfase deveria recair nas possibilidades de aprimoramento de sua capacidade por meio da educação especial (GOULD, 1991).
Contrariamente, suas recomendações e preocupações foram desconsideradas, quando seus testes chegaram à América do Norte. As escolas norte-americanas passaram a usar os testes de QI para qualificar as crianças. A utilização indevida dos testes gerou graves conseqüências à medida que foi explorada para reforçar as distinções e as hierarquias sociais, reafirmando o uso da inteligência como REIFICAÇÃO (como se a inteligência fosse uma entidade), com ênfase na hereditariedade.

Em 1916, LEWIS M. TERMAN, que introduziu na América o conceito de Quociente Intelectual (QI), considerava que os resultados de quase todos os testes de inteligência poderiam ser apresentados na forma de QI. Esse quociente era obtido relacionando a idade da criança com seu desempenho no teste. Com isso, poderia ser verificado se a criança estava no nível de desenvolvimento intelectual considerado normal para
sua idade.
Francis Galton (1860) tinha dois objetivos: a aplicação da teoria darwiniana da sobrevivência do mais apto e a ratificação da importância da hereditariedade na determinação da inteligência.
A partir desses conceitos, procurava provas para demonstrar a supremacia de algumas raças sobre outras, dando origem à eugenia. Para ele, reagir a um estímulo com rapidez é uma forma de manifestação da inteligência. Alfred Binet, quase quarenta anos depois, deu início ao estudo da identificação de crianças mentalmente atrasadas, para ajudá-las com programas especiais. Acreditava que a inteligência se manifestava
na capacidade de fazer juízos corretos. Contrário à concepção hereditária, acreditava que a inteligência poderia ser desenvolvida por meio de educação adequada.

Outra teoria mais recente sobre inteligência é a chamada Teoria das Inteligências Múltiplas, de Howard Gardner. A partir de um estudo que teve início em 1979, Gardner e um grupo de pesquisadores tinham a tarefa de esclarecer como as ciências humanas entendiam a natureza da cognição humana. Alguns anos depois de concluído esse trabalho, em 1983, com uma visão mais abrangente sobre o tema, o teórico publicou o livro Estruturas da Mente, no qual discutia os estudos cognitivos da época de forma mais ampla que na pesquisa anterior.
Enquanto Spearman entendia a inteligência como constituída de um fator geral como força impulsionadora de aptidões específicas, a Teoria das Inteligências Múltiplas tinha outra compreensão. Ela identificava sete tipos de inteligência:

1 – Lingüística – destacada capacidade de fazer uso da linguagem. É a capacidade exibida em sua forma mais completa. Talvez os poetas sejam os principais representantes deste tipo de inteligência.
2 – Lógica-matemática – capacidade de resolver problemas complexos de forma rápida. Freqüentemente rotulada como pensamento científico; pode ser entendida como inteligência pura ou faculdade de lidar com muitas variáveis ao mesmo tempo. Os cientistas são os que mais fazem uso dessa condição.
3 – Espacial – notável capacidade para resolver problemas espaciais, assim como se orientar no espaço. É a inteligência que possibilita a formação de um modelo mental de mundo espacial e a capacidade de manobrar e operar, utilizando este modelo. Os marinheiros, engenheiros, escultores e pintores são considerados exemplos nesta área.
4 – Musical – capacidade musical diferenciada. Os grandes músicos são excelentes representantes desta inteligência.
5 – Corporal-cinestésica – capacidade de usar o próprio corpo como forma de exprimir a emoção, de criar, de jogar. Dançarinos, atletas, cirurgiões e artistas apresentam uma inteligência corporal-cinestésica altamente desenvolvida.
6 – Interpessoal – saber lidar com os outros. Capacidade para compreender pessoas, entender como elas trabalham, o que as motiva, como trabalhar com elas. Vendedores, políticos, professores, terapeutas, líderes religiosos são alguns exemplos neste campo.
7 – Intrapessoal – conhecimento sobre si próprio. É o que podemos chamar de capacidades voltadas para dentro. A pessoa que tem desenvolvida esta inteligência tem um modelo acurado e verídico de si mesma e capacidade de saber usar este modelo para operar efetivamente na vida.
Um dos principais problemas causados pela utilização dos testes de inteligência é que eles foram usados de forma indiscriminada durante muito tempo, servindo, principalmente, à tarefa de rotular e classificar as pessoas como deficientes, normais, limítrofes, superdotados etc.
Com tal prática de rotulação, encerravam-se as possibilidades de muitos indivíduos. Assim, grande quantidade de crianças foi separada em classes de alunos considerados menos capazes, e a elas foi ensinado um conteúdo igualmente medíocre, pois se acreditava que não seriam capazes de aprender.
Ao classificarmos o desempenho de alguém, geralmente o rotulamos, e, ao fazermos isso, selamos seu destino.
Ao professor interessa saber como seu aluno pensa, que estratégia utiliza para resolver um problema, qual é a dificuldade que tem, e não seu índice de inteligência.
Contribuição de vários teóricos sobre o tema inteligência:
Francis Galton (1856), preocupado com o início dos estudos sobre a eugenia, considerava que a inteligência e a rapidez em reagir a um estímulo eram determinadas pela hereditariedade, além de ser uma forma de manifestá-la. A principal contribuição que este pesquisador deixou diz respeito à importância da estimulação sensorial no desenvolvimento cognitivo.

Alfred Binet (1905), preocupado em identificar na escola crianças com atraso, para ajudá-las com programas especiais, considerava a inteligência como a capacidade em fazer juízos corretos. A principal contribuição desse importante pesquisador foi acreditar e demonstrar que a inteligência pode se desenvolver por meio de uma educação adequada, pois ela não é uma qualidade fixa e herdada.

Howard Gardner (1983), preocupado em esclarecer a natureza da cognição humana, desenvolveu uma teoria em que discute a inteligência como pluralidade do intelecto. Relaciona sete tipos de inteligência e acredita que elas funcionem sempre combinadas, mas são independentes entre si. A principal contribuição desse autor foi trazer para o ambiente acadêmico novas e vibrantes discussões sobre a inteligência.



Resumo TEE - Aula 2- Inteligência: fatores de influência e determinantes - Maria Angela Monteiro Corrêa

Quando se trabalha ou se estuda o desenvolvimento das pessoas que têm deficiência ou alguma necessidade especial, com repercussões no campo educacional, é preciso entender claramente o que é inteligência e quais os fatores que a influenciam ou a determinam.
Quando tratamos com uma pessoa deficiente e/ou com necessidades especiais, é preciso entendê-la em todas as suas manifestações, inclusive cognitivas. Assim, uma criança com deficiência motora, por exemplo, pode não ter qualquer prejuízo em suas funções intelectuais.

Ao relacionar o rendimento escolar com o resultado de testes – após centenas de estudos e quase noventa anos depois de Binet ter elaborado seu primeiro teste de inteligência e usá-lo de forma eficaz na predição de rendimento escolar – podemos dizer que, de fato, esses testes, na maioria das vezes, conseguem identificar aqueles alunos que terão sucesso na escola. Entretanto, em alguns casos, isso não se configura, porque o sucesso escolar também é influenciado por outros fatores como doenças, problemas emocionais, falta de motivação, dentre outros.
Estudos recentes têm sugerido, inclusive, que o desempenho acadêmico é o resultado de um fator de orientação para a realidade que é conhecida como a força do ego.

O “ego”, junto com o “id” e o “superego” formam as três instâncias da personalidade, segundo Sigmund Freud. O “ego”, dentre outras características, dá o juízo da realidade (por exemplo: quais os caminhos que poderemos percorrer para satisfazer os nossos desejos). Ele é o setor mais organizado e atual da personalidade (é o que torna o indivíduo único e original e o que permite sua adaptação ao mundo presente).

Essa força do ego seria entendida como a capacidade que o aluno tem de adiar o prazer; de se dedicar mais às tarefas; de organizar melhor o seu tempo para realizar as atividades propostas; bem como de não se distrair com facilidade.

Um dos AXIOMAS (verdade indiscutível) básicos da Psicologia diz que todo comportamento humano, inclusive o comportamento inteligente, é produto da hereditariedade e da interação com o meio e com o tempo.

Assim, se tomarmos a altura de uma pessoa para exemplificar essa construção teórica, apesar de sabermos que a altura é determinada por muitos genes, ela também pode ser influenciada por fatores do meio, como a nutrição, por exemplo. Entretanto, se essa pessoa pertencer a um grupo cuja altura média é sempre baixa como os pigmeus, o meio, neste caso específico, terá pouca influência sobre esse aspecto.

Atualmente, sabemos que o lugar onde a criança cresce, o tipo de estímulo que ela recebe e a forma como as pessoas interagem com ela podem ser determinantes para a inteligência.
Uma pergunta mais objetiva poderia ser feita: quais são os aspectos específicos do meio que parecem afetar a inteligência? A resposta, de acordo com N. SPRINTHALL & R. SPRINTHALL (1997), seria a nutrição, a variedade de estímulos e a experiência anterior que constituem os três fatores mais importantes para o desenvolvimento intelectual.

Qual é o papel da hereditariedade e do meio no desenvolvimento intelectual?
Sabemos hoje que a inteligência tem um componente genético e que este estabelece os limites dentro dos quais outros fatores irão influenciar na vida do indivíduo.
O meio é o lugar onde se cresce e se vive. É também onde se recebe a nutrição e os estímulos e onde se tem as primeiras experiências.
Este conjunto de fatores possibilita o desenvolvimento intelectual. Junto com o aspecto genético, o fator meio possibilitará ou dificultará a forma como o equipamento genético irá se expressar.

Atualmente, a grande maioria dos psicólogos reconhece que a experiência precoce desempenha uma grande influência no desenvolvimento cognitivo. A esse respeito, os teóricos são unânimes em afirmar que os efeitos do meio sobre a inteligência atingem sua máxima expressão durante os primeiros anos de vida (principalmente nos quatro primeiros anos) pois, à medida que a idade avança, o desenvolvimento intelectual se torna cada vez mais lento.
Aos quatro anos de idade, nossa inteligência já alcançou 50% e aos oito anos atingirá 80%. Na medida em que a idade aumenta, diminui o potencial para a mudança da inteligência. Portanto, nos primeiros anos de vida, um meio favorável terá influência máxima no desenvolvimento intelectual e, à medida que esse tempo passa, o ambiente terá cada vez menos efeito (SPRINTHALL, 1997).

Para compreender os parâmetros globais do comportamento humano, devemos entender a complexa interação entre os fatores hereditários, fatores do meio e do tempo. Todos eles não desempenham seus papéis no vazio ou de forma totalmente independente.

Collares & Moysés (1996) ainda complementam que, de todos os trabalhos realizados, pode-se concluir que a desnutrição grave, no início da vida e de longa duração, teoricamente pode comprometer o potencial intelectual do homem afetando as funções intelectuais superiores mais complexas, principalmente o raciocínio abstrato superior.
No âmbito escolar, podemos afirmar que o discurso de que o fracasso escolar é decorrente da desnutrição não tem qualquer fundamento científico e essas autoras ainda acrescentam que
• a grande maioria das crianças que desenvolvem a desnutrição grave, provavelmente, morre antes dos cinco anos, não estando na escola.
• as funções intelectuais superiores de maior complexidade (que poderiam ser comprometidas pela desnutrição) não são requisitos para a alfabetização. Aliás, aos sete anos, nem mesmo estão presentes (p. 96).

O que encontramos na escola, normalmente, são alunos com fome, crianças que não se alimentaram desde o dia anterior e contam com a merenda escolar pois, caso contrário, poderão ficar mais um dia sem fazer uma refeição. Sabemos, que quando uma necessidade básica como a alimentação não é atendida, a capacidade de se manter a atenção em uma determinada atividade diminui muito.
Assim, antes de depositar na desnutrição as principais causas do fracasso escolar, outros aspectos devem ser observados como o estado de fome dos alunos; as relações estabelecidas entre o professor e o aluno; a freqüência do aluno à escola; a ausência de vínculos entre o professor e os alunos; o preconceito para com os alunos; o desempenho da direção da escola no envolvimento com o trabalho e problemas escolares, enfim, são múltiplas as causas do insucesso escolar (CORRÊA, 1995).
Em síntese, em relação à desnutrição, o preconceito surge com a deturpação do conhecimento científico.

As famílias mais carentes vivem, normalmente, em lugares mais propícios à aquisição de doenças. A situação econômica precária exige que os pais trabalhem fora a maior parte do dia, deixando os filhos sozinhos ou sob cuidados dos próprios irmãos mais velhos ou, ainda, de vizinhos.
Esta situação de dificuldades se reflete no ambiente, que restringe tanto o tempo de convivência entre os membros da família, como também os estímulos oferecidos à criança e a exposição dela a novas experiências.
Discutir a pobreza envolve, como assinala Lowy (1987), considerar que “ser pobre é conseqüência de um modelo de desenvolvimento político imposto ao país; ser pobre é nascer numa casa em que já se era pobre” (LOWY apud COLLARES; MOYSÉS, 1996, p. 189).
A concepção que se tem da pobreza, assim como de todos os outros processos que ocorrem na sociedade depende, segundo Lowy, do ponto a partir do qual se olha a sociedade.

A maneira como os fatores hereditariedade, tempo e meio interagem e influenciam o ser humano é uma abordagem dinâmica de se entender a inteligência.
O indivíduo pertence a um meio e sobre ele age, transforma e o desenvolve ao mesmo tempo em que desenvolve suas estruturas psíquicas.



Resumo - Aula 3 - Plasticidade neuronal - Maria Angela Monteiro Corrêa

Podemos entender desenvolvimento como o conjunto de processos de transformações que ocorrem ao longo da vida de um indivíduo. Sempre que pensamos sobre o desenvolvimento humano, temos uma tendência de vê-lo como uma seqüência organizada de etapas, períodos, fases ou tópicos, que cada indivíduo irá passar de forma sucessiva, ao longo da vida. O desenvolvimento remete, portanto, a diferentes idades. O ciclo de vida de um indivíduo é normalmente dividido em quatro grandes tópicos: infância, adolescência, idade adulta e velhice.

As etapas em que a vida humana tem sido dividida compreende a infância, a adolescência, a idade adulta e a velhice, que têm sido apresentadas como etapas universais e associadas a características comuns a todas as pessoas. Esses períodos são rigorosamente marcados por mudanças, até certo ponto drásticas, tais como a infância, tida como uma época em que ocorrem experiências com efeito determinante sobre o desenvolvimento posterior; a adolescência, como um período de mudanças drásticas e turbulentas; a idade adulta, como um período de ausência de mudanças importantes e um momento de estabilidade. A velhice, o último dos períodos, é marcada pela diminuição da produtividade e deterioração dos processos psicológicos (PALACIOS, 1995).

Quando nos referimos ao desenvolvimento como um conjunto de transformações, esses processos estão relacionados a três fatores descritos por Palacios (1995):
1. etapa da vida em que a pessoa se encontra;
2. circunstâncias culturais, históricas e sociais nas quais sua existência transcorre;
3. experiências particulares privadas a cada um e não-generalizáveis a outras pessoas (p. 9).
Mas a maturação biológica, apesar de essencial ao processo de desenvolvimento, não representa a totalidade dele, pois, segundo os autores, “as transformações mais relevantes para a constituição do desenvolvimento tipicamente humano não estão na biologia do indivíduo, mas na psicologia do sujeito”.
Durante muito tempo, acreditou-se que o cérebro não possuía capacidade para regenerar suas células nervosas. Hoje sabe-se que o cérebro muda durante a vida e que essa mudança é benéfica.
Atualmente, entende-se que o psiquismo humano tem uma plasticidade que permite, na maioria das vezes, em situações mais propícias, superar ou minimizar histórias de condições difíceis e/ou adversas.

Entende-se por plasticidade cerebral a capacidade de o sistema nervoso alterar o funcionamento motor e perceptivo baseado nas mudanças do ambiente, através da conexão e (re)conexão das sinapses nervosas, organizando e (re)organizando as informações dos estímulos motores e sensitivos.

(...) a plasticidade é mais comum em crianças, porém também ocorre nos adultos, por isso os exercícios psicomotores são importantes e fundamentais na recuperação de sujeitos que sofreram acidentes. Nestes casos, os exercícios orientados têm por finalidade estimular as sinapses nervosas para que ocorra um (re)arranjo dessas informações neurais, sejam elas sensitivas ou/e motoras. É a busca de um novo caminho desse circuito neural (...) pela alteração qualitativa de uma via nervosa íntegra, controlando uma função que antes não era de sua propriedade e é, utilizando
de estratégias motoras diferentes, que recupera-se uma atividade que esteja perdida (RELVAS, 2004, p. 67, grifo nosso).

O desenvolvimento biológico é um processo feito passo-a-passo e está intimamente ligado à maturidade do sistema nervoso central.
As unidades básicas do sistema nervoso são os neurônios. Cada neurônio é uma célula viva, com um núcleo e outras partes comuns a todas as células. Ele está dividido em três partes principais – corpo da célula, que contém o núcleo, os dendritos e o axônio.
Para que um impulso passe bem rápido pelos neurônios, é preciso que haja uma ligação entre eles. Essa ligação, chamada junção SINÁPTICA ou conexões sinápticas, irão permitir a facilitação, a inibição, a coordenação ou a integração desses impulsos.
Então, podemos dizer que o neurônio, unidade sinalizadora do sistema nervoso, é uma célula de transmissão e processamento de sinais. o cérebro é um órgão extremamente complexo e delicado e, tem uma importância indiscutível para o indivíduo, pois ele é responsável pelas emoções, pelas reações, pelos pensamentos e pela linguagem. A partir do nascimento, e respeitando uma programação biológica geneticamente determinada, o bebê vai gradativamente aperfeiçoando suas habilidades. Essas conquistas se dão em função do desenvolvimento cortical (CÓRTEX CEREBRAL).

As pesquisas também têm mostrado que o cérebro é uma estrutura que tem PLASTICIDADE e esta é maior no início da vida. Desta forma, tanto a plasticidade como a recuperação funcional são mais efetivas em etapas mais precoces (BRAGA, 1995).
Duas tendências descrevem o desenvolvimento motor da criança durante os primeiros anos de vida. O desenvolvimento ocorre em seqüência e direção estabelecida, vai da cabeça para os pés, chamado cefalocaudal, e do tronco para as extremidades, chamado próximo-distal.
A criança, inicialmente, sustenta a cabeça, depois controla os braços e as mãos e, posteriormente, as pernas e os pés.
As aquisições são graduais, enquanto o bebê de seis meses pode pegar algumas coisas, mas só aquilo que tiver um tamanho que se ajuste de imediato à sua mão; o que for grande demais ou muito pequeno, ele não consegue pegar. Aos nove meses, já segura coisas maiores com mais facilidade, mas, só por volta dos dois anos, a criança conseguirá virar maçanetas, desenroscar tampas e, em torno de dois anos e meio, irá
segurar um lápis e rabiscar com um pouco de habilidade.
Na medida em que a criança é capaz de sentar, engatinhar, andar e correr, melhor ela poderá explorar o ambiente ao seu redor.

a. O recém-nascido passa a maior parte do tempo dormindo e, quando acordado, dá respostas à luz e ao som, suas mãos agarram um objeto quando lhe colocam na palma, emite sons, suga quando lhe tocam os lábios, agita os braços em resposta a qualquer estímulo forte, entre outras reações.
b. A criança com 1 ano de idade, aproximadamente, é capaz de ficar em pé apoiado em móveis (42 semanas); rastejar/ engatinhar com certa agilidade (44 semanas); anda quando ajudado (45 semanas) e anda sozinho (62 semanas).
c. Uma criança de pré-escola, apresenta uma sofisticação motora, ela anda, corre e salta sem dificuldade. Todos os avanços em relação aos recém-nascidos e aos bebês de 18 meses, são significativos em termos, principalmente, de destreza. A criança se agrupa e brinca com outras crianças. Primeiro brincam juntas, depois se separam
e voltam a se juntar. As aquisições motoras são significativamente maiores ao se comparar as três idades. Este desenvolvimento é progressivo, isto é, nos primeiros anos de vida, a cada semana o ser humano adquire novas capacidades e aprimora as já existentes. Isto acontece, principalmente, em conseqüência das transformações que ocorrem no processo de desenvolvimento com relação à área motora; ao crescimento do sistema nervoso; ao processo de maturação e, também, às circunstâncias histórico-sociais em que vive, e as experiências particulares que experimentou.

PLASTICIDADE NEURONAL
O cérebro humano tem uma camada externa, de cor cinzenta, formada principalmente por corpos celulares, denominada córtex cerebral, que cobre os dois hemisférios cerebrais.
Os neurônios do córtex cerebral são responsáveis pelo processo cognitivo e possuem uma grande maleabilidade. Tal plasticidade acontece como resposta ao ambiente e está relacionada, segundo Cury (2004), “às alterações na efi ciência das sinapses que podem aumentar a transmissão dos impulsos nervosos, modelando assim o comportamento” (p. 105).
Após inúmeros experimentos, podemos reafirmar a plasticidade do cérebro no início da vida. Por exemplo, quando ocorrem lesões do hemisfério esquerdo nos períodos pré e perinatal, raramente essas lesões produzem AFASIA (perturbação da linguagem) permanente na criança, enquanto que, se ocorrerem lesões na mesma área no indivíduo adulto, essas, freqüentemente, concorrerão para um quadro de afasia (BRAGA, 1995
LUCIA W. BRAGA (1995), quando estudou a plasticidade relacionada às lesões cerebrais, concluiu que, mesmo na infância, a plasticidade é geralmente limitada e está relacionada à importância da localização e extensão da lesão.
Quando isso acontece, diz a autora, o cérebro pode se utilizar de alternativas como estratégias de condutas distintas para atingir os objetivos funcionais. Um exemplo disso pode ocorrer quando uma pessoa tem uma das mãos paralisada e passa a utilizar a outra mão ou a boca para pegar o objeto que deseja. Outro exemplo é o caso das lesões degenerativas, lentamente progressivas, que são normalmente silenciosas durante muito tempo, porque os pacientes vão aprendendo a aperfeiçoar novas estratégias, na medida em que vão perdendo as antigas, ou novas conexões se realizam enquanto as velhas desaparecem. A diversidade nas trajetórias de desenvolvimento observadas nas pessoas idosas é, segundo a autora, uma conseqüência da plasticidade das relações da pessoa, do contexto e do seu desenvolvimento cognitivo.
O cérebro, segundo Vygotsky, deve ser entendido como Um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento individual (...) o cérebro pode servir a novas funções, criadas na história do homem, sem que sejam necessárias transformações no órgão físico (citado por Oliveira, 1995, p. 24).
A possibilidade de se criar novas rotas de desenvolvimento, com base na compreensão da plasticidade do cérebro, associada à importância do papel da interação social, sinaliza para outras formas de se estudar e entender o processo de desenvolvimento das pessoas com deficiência.
Essa possibilidade, permite também vislumbrar novos arranjos de orientações no âmbito do processo de desenvolvimento e, conseqüentemente, no trabalho pedagógico.

Um ano e sete meses depois de um acidente de ultraleve (...), Herbert Viana vive um milagre. Seu empenho para cumprir a rotina de tratamento, a capacidade de regeneração do cérebro e os grandes avanços da medicina podem ser as causas de tanto progresso.
(...) — O que mais impressiona a equipe médica é a plasticidade neuronal de Herbert, ou seja, a capacidade que o cérebro dele tem de se recuperar e achar novos caminhos através de outros neurônios que não foram afetados no acidente. Ele é uma pessoa muito inteligente e criativa e tinha um cérebro muito exercitado antes do acidente. Isto facilitou a sua recuperação – diz a neuropsicóloga Lucia Willadino Braga, diretora executiva da Rede Sarah de Hospitais, que atribui ao estímulo da família e dos outros músicos dos Paralamas a rápida recuperação de Herbert.
(...) Atualmente, segundo ela, ele tem apenas problemas ligados à memória. O neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho, da equipe que operou o músico, concorda:— Herbert é muito inteligente, fluente em línguas, músico e tinha áreas cognitivas muito desenvolvidas. Isso foi essencial na sua recuperação. Alguns circuitos do cérebro assumiram o papel dos outros lesionados. A música foi determinante para estimular a memória.
(...) É na Rede Sarah que Herbert faz acompanhamento neuropsicológico e atividades de reabilitação neuropsicológica. Para se sair melhor nas tarefas do dia-a-dia e ganhar mais independência, Herbert tem uma rotina intensa de atividades, entre fisioterapia, hidroterapia e terapia ocupacional. – Ele faz pelo menos uma dessas atividades de segunda a sexta – explica o fisiatra Luiz Alexandre Castanhede da Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR).
(...) Segundo Niemeyer, as falhas de memória do músico são decorrentes de microlesões em todo o cérebro. A maior seqüela hoje de Herbert é a paraplegia (MARINHO & INTRATOR, 2003, p. 6).

A partir do conteúdo da aula, comente a notícia considerando os seguintes temas:
desenvolvimento, sistema nervoso e mosaico de regiões, mielinização, plasticidade neuronal e novos caminhos para superar os obstáculos.
Desenvolvimento: Herbert Viana é uma pessoa que teve um processo de desenvolvimento marcado por uma multiplicidade de experiências históricas, sociais, culturais e psicológicas em que teve a oportunidade de construir uma complexa configuração de processos de desenvolvimento com características absolutamente singulares (inteligente, fluente em línguas, criativo, músico). Tinha, portanto, áreas cognitivas muito desenvolvidas.
Sistema nervoso e mosaico de regiões: Se as funções mentais são resultado da atividade coordenada de neurônios agrupados em certas regiões do cérebro, no caso do Herbert, a capacidade de cantar novamente, de lembrar as letras das músicas, de usar corretamente a linguagem e de pensar, entre outras coisas, demonstra a intensa
atividade de diferentes regiões do cérebro.
Mielinização: A lesão medular provocou a paraplegia, isto é, há um impedimento, na medula, da passagem dos impulsos nervosos para os membros inferiores; por este motivo, ele está impossibilitado de mexer as pernas.
Plasticidade neuronal: os exercícios propostos ao cantor têm a finalidade de estimular as sinapses nervosas para que ocorra um (re)arranjo dessas informações neurais. Aos poucos ele foi recuperando as habilidades e as capacidades que possuía anteriormente.
Novos caminhos para superar os obstáculos: gradativamente, o cantor foi dando mostras de que estava superando as dificuldades. O excelente estado de recuperação de Herbert Viana demonstra que o cérebro é um sistema aberto, com grande plasticidade, tanto que, depois do acidente, eram poucas as suas chances de sobreviver.
As respostas consideradas corretas serão aquelas que, ao contemplarem os conceitos encontrados no texto, balizarão sua compreensão da notícia.



Resumo TEE Aula 4 Caminhos isotrópicos do desenvolvimento
Maria Angela Monteiro Corrêa

O conceito de MATURAÇÃO foi se transformando ao longo do tempo. Anteriormente, ele era entendido como predominantemente ou exclusivamente relacionado ao aspecto biológico (neurológico). Mais recentemente as abordagens sobre maturação incluem, também, aspectos psicológicos e neuropsicológicos.
Atualmente, ao se compreender a maturação, considera-se também a presença, com relativa importância, da aprendizagem no desenvolvimento, bem como a idade cronológica, como um referencial obrigatório.

Podemos exemplificar algumas influências da maturação:
• seqüência de mudanças durante o desenvolvimento pré-natal, como o tamanho do corpo, o crescimento dos órgãos;
• crescimento físico durante a infância;
• seqüência no nascimento dos dentes na infância;
• mudanças puberais na adolescência, inclusive, alterações nos testículos e no pênis, começo da menstruação e desenvolvimento das características secundárias;
• mudança no sistema muscular e circulatório na adolescência;
• mudanças físicas associadas ao climatério (menopausa) durante a meia idade;
• mudanças na forma do globo ocular que produzem a hipermetropia durante a meia-idade (BEE; MITCHELL, 1986, p. 9).

O que significa maturação?
Maturação se refere aos programas genéticos que produzem padrões semelhantes de crescimento e mudanças. São instruções para o desdobramento das seqüências do desenvolvimento.

Qual é o papel da prática no processo de maturação?
O processo de maturação estabelece limites sobre o ritmo de crescimento físico e desenvolvimento motor, mas o ritmo pode ser retardado pela ausência de prática ou de experiências adequadas.

Há alternância de influências genéticas, experiências e aprendizagens, tanto específicas como acidentais, e que a maturação deve ser entendida como uma disposição, tornase mais flexível a importância do ambiente no desenvolvimento,
restringindo-se os momentos iniciais do desenvolvimento ao âmbito do aspecto maturativo biológico.

Vygotsky, em seu trabalho “Fundamentos da DEFECTOLOGIA”, admite que as leis fundamentais do desenvolvimento são as mesmas, tanto para as crianças normais quanto para as defi cientes, muito embora, para ele, a criança deficiente tenha seus próprios caminhos para processar o mundo.
A obra de Vygotsky foi traduzida para diversos idiomas, e a versão inglesa dos “Fundamentos de Defectologia” traz algumas expressões que, segundo Tunes e Braga (1995), em português, ficam difíceis de aproximar da idéia central do autor. Para isso, as pesquisadoras sugerem algumas expressões como “caminhos isotrópicos do desenvolvimento” e “processos comutativos” como sendo aquelas que mais se aproximam das expressões utilizadas originalmente (“Roundabout paths” e “Compensatory processes”, respectivamente).
O termo “isotrópico” significa que há uma mudança (um desvio, um contorno) mesmo se mantendo a direção e as propriedades, enquanto a palavra “comutativo” traz o sentido de permutação, substituição, equalização.

Uma Pedagogia para o deficiente com base na concepção qualitativa geraria um sistema de conhecimentos científicos, e não um compêndio eclético e desordenado de dados e técnicas empíricas, como no caso da abordagem quantitativa.

Outro apoio teórico de Vygotsky está em Adler (1928), que afirma que uma deficiência física é, para o indivíduo, uma constante estimulação para o desenvolvimento mental. Se um órgão, devido a uma deficiência funcional ou morfológica, não é capaz de enfrentar uma tarefa, o sistema nervoso central e o aparato mental compensam a deficiência pela criação de uma superestrutura psicológica que permite superar o problema. O autor afirma ainda que os conflitos surgem a partir do contato da deficiência com o meio exterior e aí podem criar os estímulos para a sua superação.
A deficiência física e mesmo a deficiência mental poderiam causar limitações e oferecer obstáculos para o desenvolvimento da criança, mas também estimulariam outros processos criativos comutativos.
Os efeitos positivos da deficiência, ou seja, os caminhos isotrópicos durante o desenvolvimento que permitem atingir determinados objetivos ou funções, segundo Vygotsky, marcam a singularidade do desenvolvimento da criança deficiente.
A existência de obstáculos seria, então, uma condição principal para se atingir esses objetivos.

O impacto do defeito sobre o equilíbrio das funções adaptativas do sujeito é explicado por Braga (1995):
Quando um defeito destrói o equilíbrio existente entre as funções adaptativas, o sistema adaptativo é completamente reestruturado em novas bases. Todo o sistema caminha em direção a um novo equilíbrio. A criação de rotas isotrópicas seria a reação do indivíduo ao defeito, que iniciaria um caminho novo para o processo de desenvolvimento (p. 66).

A deficiência, vista sob a ótica de Vygotsky e dos teóricos em que esse autor se apoiou, pode ser entendida não como um problema, mas como um desafio, na medida em que superar as limitações impostas pelo defeito pode se tornar um processo criativo no qual a criança poderá encontrar novos caminhos de desenvolvimento.
Ao se conceber o processo de desenvolvimento, visto sob este enfoque, espera-se que a escola, os professores, os métodos, os currículos, a abordagem sobre o ensino e a aprendizagem sejam revisitados, com o propósito de torná-los mais flexíveis e adequados ao desafio do trabalho com a diversidade.

Imagine quais rotas de desenvolvimento poderiam ser substituídas quando, por
exemplo:
a. se engessa o braço direito;
tenta-se usar o braço esquerdo;
b. se venda um dos olhos;
usa-se com mais freqüência os movimentos da cabeça, para compensar
a visão do olho vendado ou procura-se enxergar com o olho
sem venda;
c. se deixa de ouvir temporariamente;
presta-se atenção nos movimentos labiais e nas expressões faciais
daquele que está falando;
d. se é impedido de falar.
usam-se gestos para se comunicar;

O estudo sobre o processo de maturação e, principalmente, sobre as possibilidades de se criar novos caminhos de desenvolvimento e de aprendizagem, a partir das dificuldades impostas pelas deficiências, oferece a oportunidade para que as pessoas deficientes também possam tentar encontrar formas alternativas de superação ou, pelo menos, formas de minimizar as condições instaladas.



Resumo TEE - Aula 5 - Deficiência mental : parte 1
Maria Angela Monteiro Corrêa

O termo deficiência mental está quase ultrapassado na linguagem contemporânea. Nesse sentido, os termos que poderiam ser adotados seriam déficit cognitivo ou déficit intelectual, por exemplo. O conceito de deficiência mental sofreu inúmeras modificações ao longo dos séculos, mas a compreensão de sua essência se manteve.

Pessoas com dificuldades significativas para entender e se fazer entender sempre existiram. A discriminação e o preconceito também sempre estiveram presentes no convívio com os deficientes. Os romanos, na ANTIGÜIDADE, no início da Era Cristã, segundo SÊNECA apud Misés (1977, p. 14), estabeleciam as seguintes práticas:

Nós matamos os cães danados, os touros ferozes e indomáveis, degolamos as ovelhas doentes com medo que infectem o rebanho, asfixiamos os recém-nascidos mal constituídos, mesmo as crianças, se forem débeis ou anormais, nós as afogamos: não se trata de ódio mas da razão que nos convida a separar das partes sãs aquelas que podem corrompê-las (Sobre a ira, I, XV).

As leis romanas, àquela época, proibiam a morte intencional de crianças menores de três anos de idade, exceto no caso de a criança ter nascido com alguma mutilação ou ser considerada monstruosa. Para esses casos, a lei previa a morte ao nascer (SILVA, 1987).

Apenas no século XVI, com os médicos Cardano e PARACELSO, teve início a defesa da idéia de que as pessoas com deficiência mental eram um problema médico e que isso acontecia por uma fatalidade hereditária ou congênita.
Segundo esses médicos, caberia à Medicina, e não ao clero, a decisão sobre a vida e o destino dessas pessoas.
Por volta da virada do século XX, 1900, vivemos a época em que tiveram início os testes psicológicos e a busca pela identificação dos alunos que precisavam de auxílio especial para aprenderem. Alfred Binet foi o precursor desse movimento no campo da Psicologia.

Destino dos deficientes em determinados períodos da história

1.a. Os romanos na Antigüidade.
Com Sêneca, eles eram mortos (asfixiados ou afogados) pois, acreditava-se que, separando os sãos dos anormais ou débeis os primeiros seriam preservados.

1.b. As leis romanas.
Mesmo que as leis proibissem a morte intencional antes dos três anos, aqueles que nasciam com deficiência ou anormalidade poderiam ser tratados como exceção. Os anormais ou doentes que sobreviviam eram abandonados em cestas nas margens do rio e criados por pessoas pobres para pedir esmolas.

1.c. Roma no tempo dos Césares.
A Roma dos Césares tratava os deficientes como bobos. Eles faziam serviços simples e muitas vezes humilhantes.

1.d. Grécia Antiga.
Na Grécia Antiga, o culto ao corpo, à perfeição e aos ideais atléticos. Os deficientes eram sacrificados ou escondidos

1.e. Atenas.
Em Atenas, os nascimentos eram comemorados com muita festa e rituais de celebração. Quando nascia um deficiente, não havia qualquer manifestação de alegria. A ele cabia a morte ou o abandono.

1.f. Cristianismo.
Com o Cristianismo, os deficientes passaram a ter alma, não poderiam mais ser abandonados, maltratados, nem mortos. Com os novos valores éticos, eles mereciam viver e ser tratados com tolerância e caridade.

1.g. Idade Média.
A Idade Média trouxe a ambigüidade de sentimentos: proteção e segregação, cuidados e abandono, perseguição e proteção.

1.h. Inquisição Católica
Com a Inquisição Católica os deficientes foram sacrificados aos milhares, junto com os loucos e os adivinhos. Eles eram tratados indistintamente e sempre de forma preconceituosa.

1.i. Pelos médicos Cardano e Paracelso.
Com Cardano e Paracelso, tem início a defesa de que a deficiência mental era um problema médico.

CLASSIFICAÇAO PEDAGÓGICA
O aspecto pedagógico que leva à classificação diz respeito ao rendimento e ao desenvolvimento educacional do indivíduo. Os termos utilizados são, respectivamente, educável para os deficientes mentais leves, treinável para aqueles com deficiência mental moderada, semidependente para os deficientes mentais severos e dependente para os deficientes mentais profundos.

CONCEITO DE DEFICIÊNCIA MENTAL
A partir de 1992, a definição de deficiência mental (DM) foi proposta pela Associação Americana de Retardo Mental (AAMR) e aceita internacionalmente. Este conceito faz parte dos nossos textos e documentos oficiais, inclusive da Política Nacional de Educação Especial do MEC (1994).

A deficiência mental é definida como:
Funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da média, oriundo do período de desenvolvimento, concomitante com limitações associadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa ou da capacidade do indivíduo em responder adequadamente às demandas da sociedade, nos seguintes aspectos: comunicação, cuidados pessoais, habilidades sociais, desempenho na família e comunidade, independência na locomoção, saúde e segurança, desempenho escolar, lazer e trabalho (BRASIL, 1994, p.15).

A definição de deficiência mental adotada hoje deslocou a ênfase dada anteriormente ao aspecto puramente intelectual ou cognitivo.
Antes bastava um baixo índice no quociente intelectual (QI) para que a pessoa fosse classificada como deficiente. Atualmente, o aspecto adaptativo-funcional predomina na construção teórica do conceito.

Quociente intelectual (QI) resulta da divisão da idade mental pela idade
cronológica (IC) multiplicado por 100.

QI = IM x 100
IC

Sob o ponto de vista educacional, o enfoque psicométrico, que é a medição da inteligência, não proporciona indicações proveitosas sobre o que fazer, como intervir, reabilitar ou mesmo educar uma pessoa. Dessa forma, o caráter multidimensional do conceito de DM possibilita uma ampliação significativa na compreensão sobre os aspectos qualitativos da deficiência e não apenas a visão quantitativa que o índice de QI fornece.

Enquanto as pessoas com deficiência profunda, severa e moderada são facilmente identificadas e diagnosticadas, uma vez que apresentam problemas orgânicos e comprometimento do Sistema Nervoso Central (SNC), aqueles que têm deficiência mental leve são os mais difíceis de serem diagnosticados. Até o momento da escolarização, eles normalmente vivem entre os adultos sem despertar muita atenção. No entanto, quando esses alunos se vêem diante de conteúdos escolares ou de raciocínios mais elaborados, eles apresentam dificuldades de aprendizagem e compreensão.

Devido à existência de tais casos, é preciso ter o máximo de cuidado para não rotular indiscriminadamente todos os alunos que apresentem dificuldades, como sendo deficientes mentais leves.

Considera-se deficiência mental quando, em termos de classificação psicométrica (medição da inteligência), se obtém valores de quociente intelectual (QI) situados abaixo de 70/75 pontos.
Entender que as pessoas podem apresentar diferentes níveis de comprometimento intelectual possibilita redimensionar o aspecto pedagógico da Educação e, com ele, novas formas de atuar com vistas ao desenvolvimento do aluno.

A partir das descrições a seguir, localize, no conceito de deficiência mental, quais são as áreas de conduta adaptativa ou de habilidades comprometidas.

1.a. QI inferior a 70/75 pontos, em avaliação psicométrica.
funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da
média.

1.b. Desde o nascimento, apresentou déficits no desenvolvimento em relação às pessoas de mesma idade.
oriundo do período de desenvolvimento;

2. Dificuldade para se expressar e compreender as mensagens e informações das pessoas.
Comunicação.

3. Fraco desempenho acadêmico, dificuldades acentuadas para ler e escrever e fazer cálculos.
desempenho escolar.

4. Não consegue cumprir tarefas, resolver problemas, atender aos próprios
interesses, buscar ajuda, planejar.
Autonomia.

5. Não tem comportamentos adequados no ambiente doméstico, não tem
cuidado com seus pertences nem com os dos outros, não participa das atividades familiares.
vida familiar.

6. Não sabe cuidar de si mesmo, nem tem habilidade para vestir-se, alimentar-se, cuidar da sua própria higiene.
cuidados pessoais.

7. Dificuldade nas trocas sociais, impulsividade, não respeita limites e normas, não
sabe resistir às frustrações.
vida social.

8. Dificuldade para cuidar de si mesmo, evitar perigos, desenvolver hábitos pessoais
adequados, comunicar necessidades, pedir ajuda.
saúde e segurança.

9. Inadequação com relação às atividades de entretenimento de acordo com a
idade. Comporta-se de forma inadequada nas atividades individuais e coletivas.
Lazer.
10. Inadequação para tomar iniciativas, respeitar hierarquias, realizar trabalhos
em tempo parcial ou total, administrar salário.
Trabalho.



Resumo TEE - Aula 6 - Deficiência mental: parte 2
Maria Angela Monteiro Corrêa

A deficiência mental não tem uma causa única, ela é sempre multicausal, pelas mais diferentes razões. As anomalias são de natureza distintas e de origem também diversa. Nem sempre é possível identificar uma única causa como responsável. Mais da metade dos casos se devem a mais de um fator e, às vezes, a deficiência mental ocorre em função da interação ou adição de vários fatores biológicos e psicossociais.
Estudos que tratam de conhecer a etiologia da deficiência mental costumam dividir as causas em duas grandes categorias: a biológica e a psicossocial. Outra forma clássica é a distinção entre as causas pré, Peri e pós-natais. Temos ainda uma outra maneira de estudá-la por meio dos fatores chamados endógenos e dos fatores exógenos: as causas que estão dentro das pessoas ou são de origem hereditária ou congênita são consideradas endógenas e aquelas vindas de fora do indivíduo, mas que influem em sua saúde, exógenas.

Podemos classificar a prevenção da deficiência em três grandes categorias.

PREVENÇÃO PRIMÁRIA
É a que previne a ocorrência de deficiências de qualquer natureza. São aquelas decorrentes dos programas de combate ao uso de álcool, drogas e vacinação das mães contra certas doenças. Esse tipo de prevenção traz medidas que visam a evitar o aparecimento da deficiência de maneira geral.
PREVENÇÃO SECUNDÁRIA
A partir dos problemas identificados ou instalados, a prevenção secundária visa a buscar o diagnóstico precoce na tentativa de evitar que ocorram limitações permanentes, ou controlar ao máximo as suas conseqüências. Programas de dietas especiais para as crianças que nascem com fenilcetenuria, (identificado no teste do pezinho), e programas de estimulação precoce para os bebês que apresentam algum déficit de desenvolvimento ao nascer são alguns exemplos de prevenção secundária.
As ações, nesse sentido, podem reduzir ou reverter os efeitos dos problemas já descritos que conduziriam à deficiência.
PREVENÇÃO TERCIÁRIA
É aquela em que as ações são realizadas com o objetivo de atender, de forma adequada, à pessoa deficiente com vistas à redução das conseqüências dos problemas gerados pela deficiência.
Os programas de reabilitação, programas de educação especial e qualificação profissional são alguns exemplos desse tipo de prevenção.

A deficiência mental se caracteriza, principalmente, pelas limitações generalizadas relativas aos processos básicos de pensamento, de conhecimento e de aprendizagem.

Do ponto de vista cognitivo, um marco significativo na compreensão da deficiência mental foi o trabalho de Barbel Inhelder (IDE, 1993; BRAGA, 1995) sobre o diagnóstico do raciocínio dessas pessoas, aplicando os pressupostos básicos da teoria de Jean Piaget.

A pesquisadora submeteu crianças deficientes às mesmas provas aplicadas em crianças normais, para conhecer o desenvolvimento da inteligência.
Os resultados encontrados revelaram que os estágios observados nas crianças normais com relação à resolução de tarefas operatórias foram também verificados com regularidade nos deficientes mentais.
Esse trabalho tem seu mérito reconhecido por ter demonstrado que os deficientes mentais são capazes de raciocinar, pensar logicamente, muito embora só consigam fazer isso em um momento posterior e só conseguem agir logicamente quando os objetos são percebidos, manipuladose representados.
A criança com deficiência mental, segundo a pesquisadora, passa pelos estágios de desenvolvimento em um ritmo mais lento que as crianças ditas normais e depois, por um período de flutuações. É como se houvesse
uma lentidão progressiva na evolução intelectual, que caminha para um estado de estagnação, caracterizado por uma imobilidade e instabilidade do pensamento.
Explicando melhor, enquanto as crianças, de maneira geral, evoluem intelectualmente de forma progressiva, alcançando patamares cada vez mais elevados e evoluídos de pensamento, com características de mobilidade sempre presentes (o que aprende em uma situação é usado em outras, mesmo que tenham origens diferentes) e com característica de estabilidade (mantêm a aprendizagem), com o deficiente mental não há essa evolução constante, mas uma lentidão progressiva, uma imobilidade e instabilidade de pensamento.

Outro aspecto interessante nos estudos mais recentes sobre a inteligência dos deficientes mentais diz respeito aos processos metacognitivos.
Entende-se por metacognição o conhecimento acerca do próprio conhecimento. É a capacidade de ter consciência do funcionamento de nosso conhecimento, em particular da nossa memória, e compreender os fatores que expliquem se os resultados alcançados na solução de uma tarefa são favoráveis ou desfavoráveis (MARTIN e MARCHESI, 1995; FIERRO, 1995).
As crianças com atraso mental parecem não estar conscientes da limitação que têm em memorizar. Em função da ausência de consciência e de conhecimento acerca das próprias funções e capacidades cognitivas, dificilmente conseguem controlar, de maneira flexível e adequada, as estratégias, os processos e os planos de controle sobre a execução das atividades.

Por terem dificuldades em generalizar e transferir situações e tarefas, os indivíduos com atraso mental conservam bem as aprendizagens, enquanto a tarefa permanecer a mesma e a situação se mantiver constante. Dessa forma, a Prática de Ensino deverá despertar a curiosidade, o interesse, a significação do objeto de conhecimento de forma a mobilizar o sujeito a pensar, a descobrir, a criar para alcançar seus objetivos
(MANTOAN, 1997; FIERRO, 1995).

Características básicas dos processos cognitivos do deficiente mental
Dificuldades básicas para pensar, conhecer e aprender coisas novas, lentidão no raciocínio e no processamento das informações, assim como dificuldades ou déficits nas estratégias para processar os conhecimentos e aprender. Dificuldade para generalizar e transferir aprendizagens para novas situações; demora maior que as outras pessoas para pensar logicamente, mesmo quando os objetos são manipulados e representados; passar pelos mesmos estágios do desenvolvimento só que num ritmo mais lento; imobilidade e instabilidade do pensamento.
Existem, ainda, outras características cognitivas da deficiência mental como: a viscosidade genética, a falta de dinamismo da inteligência; a pouca curiosidade e questionamento; o fato de não ter consciência sobre seu próprio conhecimento e sobre
suas dificuldades de memória; o fato de os deficientes mentais não conseguirem, portanto, atuar com auto-regulação em suas próprias estratégias e comportamentos.

INFÂNCIA ETERNA
Muitos autores, entre eles Fierro (1995), chamam a atenção para a idéia popular de que a criança com deficiência mental é uma “eterna criança”.
Essa é uma idéia equivocada, diz o autor. O fato de o adulto ter uma idade mental equivalente à de uma criança pequena, não quer dizer, sob todos os aspectos, que seja como uma criança dessa idade.
Não se pode considerar um deficiente mental como se fosse uma criança com o corpo desenvolvido. O fato de ter vivido experiências diversas, mesmo que tenha dificuldade em processá-las, além da experiência acumulada, determinam mudanças na personalidade, no comportamento e, também, nas estruturas cognitivas.
A sexualidade do deficiente mental, por exemplo, é muito semelhante à das pessoas consideradas normais. Eles têm necessidades afetivas, capacidade e desejo sexual, e são capazes de fazer escolhas e de manter relações relativamente estáveis.
As limitações impostas pela deficiência impedem a pessoa de alcançar níveis de abstração da maioria dos adultos, mas não incapacitam os deficientes de atingir uma certa maturidade humana e social.

Um dos traços mais visíveis nos deficientes mentais além do atraso, da imaturidade evolutiva e do déficit mental é a rigidez comportamental, isto é, eles tendem a: manter sempre os mesmos comportamentos; a reagir sempre da mesma forma; a fazer o que aprendem, sempre da mesma maneira.
Em função desta característica, as pessoas com deficiência mental são capazes de persistirem muito mais tempo que os outros em tarefas repetitivas. Eles gostam da rotina e da repetição, dizem aqueles que os conhecem bem. Podemos entender isso porque as pessoas com baixa capacidade intelectual encontram dificuldades para se adaptar novas situações e, por esse motivo, elas podem apresentar ansiedade e insegurança.

Outra característica interessante dos deficientes mentais é uma forte “exterioridade” nos acontecimentos e suas causas. Assim, os fatos que aconteceram em seu passado e os que vão acontecer em seu futuro estão fora de seu controle, pois para ele dependem muito mais das outras pessoas ou de fatores do destino, do que de sua própria ação ou escolha.
Uma pessoa com deficiência mental tem dificuldade para desenvolver comportamentos relativos a si mesmo, auto-referidos, alguns exemplos seriam autoconhecer-se, cultivar a autoconsciência. Normalmente, os indivíduos ajustam ou corrigem a sua própria conduta a partir dessa auto-regulação. As pessoas com deficiência mental, não têm essa possibilidade ou, pelo menos, apresentam significativas dificuldades para se auto-ajustarem.

Os procedimentos mais eficazes adotados nos processos de intervenção e educação do deficiente mental estão relacionados ao ENFOQUE COMPORTAMENTAL, complementado pelo enfoque educacional em que são favorecidas as aquisições de hábitos básicos de autonomia, assim como uma educação que possa mobilizar os processos cognitivos de maneira geral.
Explicando melhor, em função das características cognitivas e principais dificuldades dos deficientes mentais, as estratégias de reforço a cada aquisição ou a cada aproximação gradual do objetivo proposto são uma forma eficiente de se ensinar.

Outros aspectos também devem ser observados:
• conhecer o nível de competência de cada indivíduo – Toda instrução deve ser gradual, passo a passo, pois os deficientes aprendem devagar, e uma coisa de cada vez. Quanto mais a tarefa for dividida e seqüenciada, tornando-se o menos complexa possível, melhor a aprendizagem;
• ensinar uma mesma coisa de diferentes formas - Esse procedimento poderá ajudar o deficiente, pois nem sempre a estratégia adotada pelo professor foi suficientemente adequada àquela pessoa.
• a gradação ou o nível de dificuldades deverá ser apresentada a cada passo conquistado - Sempre que possível, deve-se retornar aos estágios anteriores, repetindo os procedimentos para que as aquisições se fortaleçam.

Os educadores precisam do apoio e da colaboração da família para desenvolverem os programas educacionais. Portanto, parceria, colaboração e cooperação entre família e educadores, devem fazer parte de um só projeto de ação educativa.

A deficiência mental hoje é entendida sob um enfoque muito mais funcional e adaptativo do que psicométrico. Tratamos a pessoa com deficiência mental como alguém que tem limitações reais mas estas não podem ser vistas como impedimentos para o desenvolvimento e para a aprendizagem.
Quanto mais se conhecer as especificidades da deficiência, melhores serão as estratégias educacionais adotadas.



Resumo TEE - Aula 7 - Síndrome de Down
Maria Angela Monteiro Corrêa

Em 1866, LANGDOW DOWN publicou a obra Observations on Ethnic Classification of Idiots. Esta publicação o tornou célebre por descrever um grupo distinto de pessoas portadoras de um comprometimento intelectual, caracterizando detalhes FENOTÍPICOS (traços hereditários) clássicos de uma doença chamada mongolismo ou idiotia mongólica. Essa referência era devida à grande semelhança existente entre as pessoas que tinham a síndrome e as pessoas da raça mongólica.
Na obra, Down descreve todas as características que auxiliam na identificação da síndrome:
O cabelo não é negro como o dos mongóis, mas de cor castanha, liso e escasso; a face é plana, alongada e sem proeminências, as bochechas redondas e estendidas lateralmente e, assim, ele continua a descrever os olhos, a pálpebra, a pele, a língua e os lábios (CORRÊA, 2003, p. 24).

Nosso corpo é formado por pequenas unidades chamadas células. Dentro de cada célula estão os cromossomos, que são responsáveis por todo o funcionamento das pessoas e determinam suas características.
Cada célula tem 46 cromossomos, que são iguais dois a dois. Existem 23 pares de cromossomos. Desses 23 pares, 22 são chamados autossômicos e são semelhantes no homem e na mulher. Esses pares autossômicos são designados por meio de um número, por exemplo, cromossomo 2, cromossomo 15, cromossomo 21, e assim por diante.
Além desses pares, existem mais dois que são chamados cromossomos sexuais e que são designados por letras. A mulher tem dois cromossomos X e o homem tem um cromossomo X e um Y. Assim, dos 46 cromossomos que existem em cada célula, 44 são chamados cromossomos autossômicos e 2 são chamados cromossomos sexuais.
Todo o material genético é indispensável para o funcionamento normal. Qualquer perda ou acréscimo desse material muda completamente o seu funcionamento.

A síndrome de Down (SD) foi a primeira associada a uma ABERRAÇÃO CROMOSSÔMICA e é a principal causa genética da deficiência mental.
Podemos descrever a SD como uma cromossopatia, ou seja, uma síndrome cujo quadro clínico pode ser explicado por um desequilíbrio na constituição cromossômica. Nesse caso, há um cromossomo a mais no par 21, caracterizando, portanto, a trissomia do cromossomo 21.
O termo trissomia faz referência a um cromossomo a mais no CARIÓTIPO (arranjo dos cromossomos) de uma pessoa que, em vez de ter 46 cromossomos, tem 47 (BRUNONI apud VOIVIDIC, 2004).

A SD pode ser causada por três tipos de comprometimentos cromossômicos: trissomia simples, translocação e mosaicismo.
A trissomia simples acontece por acidente, ocorre uma não-disjunção do cromossomo 21, ou seja, há um cromossomo extra no par 21, causando essa síndrome, que é a mais comum e ocorre em mais ou menos 96% dos casos.
A trissomia por translocação se dá quando um cromossomo do par 21 e um outro, o qual se agrupou, estão unidos pelos dois braços mais longos e perderam os dois braços mais curtos em função da quebra que sofreram na região central. Não há diferenças clínicas entre as crianças com trissomia simples ou por translocação, e ela ocorre em 2% dos casos.
O mosaicismo ocorre quando há a presença de um percentual de células normais (com 46 cromossomos) e outro percentual de células trissômicas (com 47 cromossomos). A incidência é de 2% e tem causa desconhecida, além de pequena probabilidade de reincidência em uma mesma família.
A SD pode ser diagnosticada no nascimento, pela presença de uma série de características e alterações fenotípicas( qtraços hereditários) ue, quando consideradas em conjunto, permitem a suspeita do diagnóstico.

Gibson, Polosy e Zarfas (apud TELFORD; SAWREY, 1978) reduziram o número de sinais diagnósticos a treze. São eles:
1. Crânio achatado, mais largo que comprido.
2. Narinas anormalmente arrebitadas, por falta de desenvolvimento dos ossos nasais.
3. Intervalo anormal entre os dedos dos pés (maior espaço, principalmente entre os primeiros segmentos dos dedos).
4. Quinto dedo da mão desproporcionalmente curto.
5. Quinto dedo da mão com apenas uma articulação, em vez de duas normais.
6. Quinto dedo da mão recurvado para dentro.
7. Mãos curtas e sobre o quadrado.
8. Prega epicântica nos cantos inferiores dos olhos.
9. Grande língua fissurada.
10. Prega única no sentido transversal da mão (prega siamesa).
11. Ouvido anormalmente simplificado.
12. Lóbulo auricular aderente.
13. Coração anormal.

Outras características podem ser observadas, como o peso menor ao nascer se comparado à criança sem a síndrome; os bebês costumam ser bastante sonolentos e, em geral, têm dificuldade na sucção e deglutição (VOIVODIC, 2004). Outros autores incluem, principalmente, hipotonia e déficit no desenvolvimento motor, estatura baixa e excesso de peso em relação à altura (MANDARINO; GAYA, 1999).

No entanto, o comportamento dessas crianças não segue um padrão estereotipado e previsível, pois tanto o comportamento quanto o desenvolvimento da inteligência não dependem exclusivamente da alteração cromossômica.

No que diz respeito ao desenvolvimento motor da criança com SD, ela mostra um atraso significativo nas aquisições como sentar, ficar em pé e andar. A HIPOTONIA (diminuição do tônus muscular) muscular contribui para esse atraso.

Normalmente, são impulsivas e desorganizadas e mantêm, por mais tempo, comportamentos repetitivos, estereotipados e inúteis.
No que se refere ao aspecto cognitivo, a deficiência mental é a característica mais constante da SD, com atraso em todas as áreas do desenvolvimento. O comprometimento intelectual é, para muitos autores, a conseqüência mais prejudicial da SD.
Com relação ao quociente intelectual (QI) alcançado nos testes de inteligência, este está situado entre 20 e 85 pontos.

Com base em diferentes autores, Voivodic (2004) fez um levantamento muito interessante sobre as relações da criança com SD. Destacamos alguns aspectos que demonstram como os fatores estão interrelacionados.

• As crianças com SD apresentam reações mais lentas do que as outras, o que pode alterar sua relação com o ambiente.
• Os bebês com SD são menos responsivos em suas relações
• O sorriso do bebê com SD é, em geral, mais curto e menos intenso, e a relação afetiva, mais tênue.
• O contato de olho começa mais tarde que nas outra crianças.
• A linguagem é outro aspecto em que a criança com SD demonstra grandes atrasos. Ela tem mais facilidade para compreender do que para falar.
• A atenção é outra área em que as pessoas com SD apresentam déficit desde os primeiros anos de vida, e esse fator pode comprometer seu envolvimento nas atividades e na sua forma de explorar o meio.
• A memória também apresenta déficit. A criança com SD tem dificuldade para acumular informações na memória auditiva imediata. Há déficit também na memória a longo prazo

Para Winnicott (1975), o brincar precisa ser vivenciado, pois se trata de algo essencial para o desenvolvimento humano e para a descoberta de sua individualidade.
A brincadeira é, para a criança, uma coisa muito séria, e observando a maneira como ela brinca podemos perceber o seu desenvolvimento.

A criança com SD tem mais ou menos os mesmos padrões de brincadeira que as outras crianças. Os estudos realizados demonstram que as diferenças estão relacionadas à forma de manipular e explorar o ambiente.
As crianças com SD exploram menos, talvez em função de a habilidade ser menor; mesmo assim, demonstram uma atividade lúdica adequada ao seu nível cognitivo.
As crianças com SD tendem a brincar muito sozinhas e assistir à televisão por longos períodos.

A maioria dos pais de crianças com SD, principalmente as mães, destaca que a maneira como receberam a notícia foi crucial.
De qualquer forma, a notícia sobre o nascimento de uma criança com deficiência desperta nos pais o sentimento de perda do fi lho esperado, de luto pela morte das expectativas depositadas nele, pois,

(...) perder um tio, uma tia, um pai, uma mãe, um irmão é perder o passado, perder um fi lho (mesmo que seja um fi lho esperado) é perder o futuro (MUSTACHI, 2000, p. 32).

Destacamos os três autores: Buscaglia (1993); Krynski (1983) e Miller (1995). Esta última construiu um modelo teórico dividido em quatro fases sobre os momentos que a família passa: sobrevivência, busca interna e externa, ajustamento e separação.
Sobrevivência significa lidar com uma multidão de sentimentos desconfortáveis, que envolvem desde a culpa até a raiva e a vergonha.
Dizer “sobrevivi” significa, para a autora, que superei o problema, posso prosseguir a vida com um novo propósito” (p. 40). Esta fase é distinta para cada um e pode durar meses ou anos.
Busca é o segundo momento. É quando os sentimentos que emergiram da primeira fase serão investigados e resolvidos. É como se procurasse uma nova direção. A busca inclui dois movimentos, um interno e um externo.
A busca interna diz respeito ao que Miller (1995) chama trajetória de autodescoberta. É quando se descobre que a vida será diferente do que planejara, tenta-se entender a situação e procurar explicações.
A busca externa é a vivência da família para encontrar um diagnóstico. É quando se tenta entender as necessidades do fi lho, procuram-se especialistas, novos caminhos, novos conhecimentos e perspectivas sobre a deficiência. Nesse momento, entende-se que não há curas, nem soluções fáceis.
Ajustamento é quando a família recupera o sentido de controle e equilíbrio sobre a vida diária. Esse período pode durar meses ou anos.
É a fase em que as necessidades especiais do filho serão integradas às necessidades do resto da família.
Separação é a última fase, a família prepara o filho para que, na vida adulta, ele viva da melhor forma que puder, o mais independente possível.

Apesar de a síndrome de Down ser uma condição irreversível, em que a deficiência mental é o principal comprometimento, com o avanço dos estudos sobre esta alteração cromossômica têm-se maiores possibilidades de proporcionar a estas crianças condições mais favoráveis de desenvolvimento.
No entanto, a educação delas é um desafio complexo. A informação e o conhecimento poderão se tornar aliados importantes, tanto das famílias, quanto para aqueles que trabalham em benefício do desenvolvimento das crianças com SD.

Resumo TEE - aula 12 - Currículo e suas adaptações para uma escola inclusiva - Maria A. de M. Ramos
A concepção de currículo inclui desde os aspectos básicos que envolvem os fundamentos filosóficos e sociopolíticos da educação, até os marcos teóricos, referenciais técnicos e tecnológicos que a concretizam na sala de aula. Relaciona princípios e operacionalização, teoria e prática, planejamento e ação.
A aprendizagem escolar está diretamente vinculada ao currículo, organizado para orientar os diversos níveis de ensino e as ações docentes.
O currículo deve ser construído a partir do projeto pedagógico da escola e deve viabilizar a sua operacionalização, orientando as atividades educativas, as formas de executá-las e definindo suas finalidades. Assim, pode ser visto como um guia sugerido sobre o que, quando e como ensinar; o que, quando e como avaliar.
A história do currículo apresenta diferentes concepções segundo a corrente em que ele se fundamenta. Podemos organizá-las em quatro grandes linhas:
• Tradicional: ênfase no conteúdo.
• Escolanovista: ênfase nas experiências e atividades.
• Tecnicista: ênfase no processo e no planejamento.
• Crítica: ênfase no enfoque social e político; valorização do conteúdo.
Quanto aos modelos de currículo fechado e aberto, o primeiro diz respeito à concepção centralizadora, sendo que a idéia básica é unificar e homogeneizar o currículo para toda clientela escolar, e o segundo diz respeito a uma concepção descentralizadora que renuncia ao objetivo de homogeneizar.
No modelo disciplinar, o núcleo de organização é a disciplina.
Todo o processo de seleção (da abrangência, da dosagem e da seqüência) ocorre a partir da disciplina, do conteúdo escolhido. Subjacente a esse modelo está a concepção tradicional de currículo, a de currículo como fato, que concebe a educação como transmissão, para as novas gerações, do acervo cultural acumulado pelas gerações anteriores.
São características dos modelos não-disciplinares:
• a abordagem interdisciplinar dos conteúdos;
• ênfase no ensino ativo;
• a aprendizagem por descobertas;
• a ênfase na seqüência psicológica;
• a ação integrada.

Modelo disciplinar Modelo não-disciplinar
A compartimentação do saber em
disciplinas estanques
Ênfase no ensino ativo
A aprendizagem por descobertas
Transmissão do saber com ênfase na
exposição de conhecimentos
A ação integrada

Com a Lei nº. 9394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, fica definida a nova proposta da educação especial, no seu artigo 58:
Entende-se por educação especial, para os efeitos desta lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais. § 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiariedades da clientela de educação especial.
É nesse contexto que a educação especial passa a ser uma modalidade de educação escolar, ou seja, hoje ela é parte integrante do sistema educacional brasileiro, em todos os níveis de educação e ensino. Daí a necessidade de buscarmos uma nova proposta de currículo, pois não podemos mais trabalhar com a idéia de um mesmo currículo para todos.
Não existe uma receita pronta para dizer que adaptações curriculares serão necessárias para podermos trabalhar com uma determinada turma. Só a troca, as conversas e observações constantes é que nos levarão a elaborar as adaptações necessárias.
Adaptações curriculares propriamente ditas
São modificações ou ajustes que realizamos em um ou vários dos elementos curriculares: objetivos, conteúdos, metodologias, critérios e procedimentos de avaliação. Podem ser mais ou menos significativas em função do grau de ajuste que efetuamos nos elementos anteriormente mencionados. Podemos dividir em dois grupos:
a) Adaptações curriculares não-significativas
São mudanças que não afetam o currículo prescrito pela unidade escolar. Estas adaptações podem ser feitas para qualquer aluno em um momento determinado de sua escolaridsade: conseguir um objetivo em mais ou menos tempo, ampliação de atividades para aprender determinados conteúdos dentre outras.

b) Adaptações curriculares significativas
São modificações que chegam a afetar o currículo prescrito pela Unidade Escolar, como por exemplo a eliminação de algum objetivo, de alguma etapa, área ou bloco de conteúdos.
Para Blanco, podem ocorrer adaptações do currículo de forma individual.
O fato de se tratar de um planejamento individual não significa que seja um currículo paralelo ou separado daquele seguido por seus colegas, já que é feito em estreita relação com o planejamento de seu grupo e da escola que freqüenta (p. 296).

Qual o principal objetivo ao elaborar uma adaptação curricular?
Deve ter claro que todos os alunos devem desfrutar da mesma oportunidade para obter o êxito em sua aprendizagem e que você vai utilizar várias estratégias para que ele progrida no sistema educativo em igualdade de condições.

O que se deseja com esta aula é fazer você entender que um currículo é mais do que listas de conteúdos e de atividades. Ele define o cotidiano escolar e as suas decorrências. Implica a preparação do indivíduo para a sociedade existente. Deve estar preocupado com a diversidade e, antes de tudo, deve ser flexível, passível de adaptações, sem perda de conteúdo.
Sua elaboração deve ter como objetivo geral a redução das barreiras atitudinais e conceituais, e se pautar em uma ressignificação do processo de aprendizagem na sua relação com o desenvolvimento humano.
Daí se deduz que a maior inclusão, não só a escolar, mas também a social, dos alunos com necessidades educacionais especiais passa pela máxima participação destes alunos nos momentos educativos comuns, sem deixar de atender suas necessidades específicas. Cabe às adaptações curriculares a difícil tarefa de manter o equilíbrio entre os ajustes que estes alunos precisam, de modo a não se distanciarem do currículo comum.

Ao se analisar o percurso realizado pelo currículo ao longo do tempo, vemos que a aprendizagem não se realiza mediante simples adição ou acumulação de novos elementos à estrutura de conhecimento do aluno. As pessoas constroem esquemas de conhecimento cujos elementos mantêm entre si numerosas e complexas relações.
Assim, a aprendizagem significativa é uma aprendizagem globalizada, na medida em que supõe que o novo material de aprendizagem relaciona-se de forma substantiva, e não arbitrária, com aquilo que você já sabe.
Nessa perspectiva, currículo é ação, é trajetória, é percurso, é caminhada que se constrói para cada grupo e em cada realidade escolar de forma diferenciada. É um processo dinâmico, mutante, sujeito às inúmeras influências, portanto aberto e flexível. Essa concepção de currículo veicula uma concepção de pessoa, sociedade, conhecimento, cultura, poder e destinação das classes sociais às quais os indivíduos pertencem: está referida sempre a uma proposta político-pedagógica, explicitando intenções, revelando graus diferenciados da consciência e do compromisso social.


Resumo TEE - aula 13 - Sala de recursos e professor itinerante – Maria A. de M. Ramos

Uma escola preocupada com a diversidade tem de fornecer meios para que todos os seus alunos tenham as mesmas oportunidades de aprendizagem.
Isso significa ter uma flexibilidade para dar conta dos diferentes interesses, motivações e capacidade de aprender que circulam pelo seu espaço escolar. Portanto, a aprendizagem deve ajustar-se às necessidades de cada criança, em vez de cada criança se adaptar à dinâmica do processo educativo. Essas condições exigem “a atenção da comunidade escolar para viabilizar a todos os alunos, indiscriminadamente, o acesso à aprendizagem, ao conhecimento e ao conjunto de experiências curriculares disponibilizadas no ambiente educacional, a despeito de necessidades diferenciadas que possam apresentar” (PCN). A criação das salas de recursos e o atendimento prestado pelo professor itinerante visam a atender tanto ao aluno, que precisa de uma ação pedagógica diferenciada; como ao professor, que está recebendo esse aluno em sua sala de aula.
Receber e incluir em sala regular de ensino alunos que apresentam diferentes tipos de necessidades especiais ainda é um desafio, poucas são as experiências e práticas de fato bem conhecidas e estudadas.
Em 1985, foram criadas as primeiras salas de recursos tendo como objetivo principal auxiliar tanto o aluno, que era incluído numa sala de aula regular, quanto o professor, que recebia esse aluno, na maioria das vezes, sem nunca ter trabalhado com um aluno com necessidades educacionais especiais. A compreensão e aceitação das diferenças sempre foi uma barreira muito forte a ser transportada também pela área educacional.
Garantir a inclusão do aluno com alguma necessidade educacional especial não é apenas oferecer um espaço físico dentro da sala de aula, mas sim criar estratégias de modo a proporcionar uma dinâmica em que todos possam interagir.

As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica definem, assim, a sala de recursos:

Serviço de natureza pedagógica, conduzido por professor especializado, que suplementa (no caso dos superdotados) e complementa (para os demais alunos) o atendimento educacional realizado em classes comuns da rede regular de ensino. Esse serviço realiza-se em escolas, em local dotado de equipamentos e recursos pedagógicos adequados às necessidades educacionais especiais dos alunos, podendo estender-se a alunos de escolas próximas, nas quais ainda não exista esse atendimento. Pode ser realizado individualmente ou em pequenos grupos, para alunos que apresentem necessidades educacionais semelhantes, em horário diferente daquele que freqüentam a classe comum (p. 50).

As salas de recursos são preparadas por área de atendimento:
• Sala de recursos para deficiência auditiva (RS/DA)
Objetivos
– auxiliar o professor de turma regular na busca de recursos pedagógicos que melhor atendam às necessidades educacionais dos alunos (no planejamento de atividades, formas de avaliação, metodologias etc.);
– auxiliar o aluno no processo de constituição da língua portuguesa em suas modalidades oral e escrita a partir do desenvolvimento de conceitos trabalhados em sala de aula e relacionados a temas vividos;
– aproveitar o resíduo auditivo visando a melhorar compreensão e expressão da linguagem oral através da educação auditiva.

• Sala de recursos para deficiência visual (SR/DV)
Objetivos
– dar ao aluno acesso à utilização de material específico (BRAILE e SOROBÃ);
– transcrever material escrito utilizado na turma regular para o braile e vice-versa;
– confeccionar material multissensorial (mapas, maquetes, adaptações para jogos etc.), que auxilie o trabalho desenvolvido na turma regular, facilitando a construção de conceitos por parte do aluno;
– trabalhar a orientação espacial, auxiliando o aluno a ter maior autonomia na locomoção e mobilidade;
– auxiliar o professor da turma regular na busca das adaptações não só de acesso como curriculares propriamente ditas mais adequadas para o desenvolvimento do aluno cego ou de baixa visão, como por exemplo: o uso de lupa manual, lápis ou canetas fluorescentes, controle de iluminação do ambiente.

• Salas de recursos de deficiência física (SR/DF)
A professora Valéria Maria M. Cruz de Souza, do Instituto Helena Antipoff, apresentou durante uma capacitação oferecida pelo próprio instituto aos seus professores, vinte e sete recursos utilizados para atender aos diferentes quadros de deficiência física apresentados pelos alunos.
– cadeiras de rodas
– assento de contorno
– andador
– extensor de perna
– extensor de braço
– colar cervical
– estabilizador de cabeça
– cinto de contenção
– faixa torácica
– faixa restringidora de braço
– estabilizador de punho e dedos
– engrossadores
– plano inclinado
– material antiderrapante
– material imantado, com velcro ou tapete: são recursos auxiliadores do processo de escrita e leitura
– rouba letras

• Sala de recursos de altas habilidades (SR/AH)
Objetivo
– enriquecimento curricular, através do oferecimento de diferentes situações e desafios para que o aluno descubra suas aptidões e potencialidades. Dentre os vários objetivos a serem alcançados pela sala de recursos podemos destacar como principal a colaboração que dá a escola de origem do aluno ao favorecer o desenvolvimento adequado para a melhoria da qualidade de ensino, não só do aluno atendido, mas de todos os alunos da turma.
No município do Rio de Janeiro, o ensino itinerante foi implementado como modalidade de atendimento de Educação Especial, em dezembro de 1996. De acordo com a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ), por meio do Instituto Helena Antipoff (IHA) o professor tem como objetivo:
Prestar assessoria às escolas regulares que possuem alunos portadores de necessidades educacionais especiais incluídos. Trata-se de uma modalidade diferente da sala de recursos, pois a assessoria prevê o acompanhamento dos alunos e professores dentro da sala de aula regular, estendendo-se à direção e outras equipes da escola, bem como aos responsáveis pelos alunos. Também é atribuição dos professores itinerantes a produção de materiais pedagógicos necessários ao trabalho com estes alunos. Os professores itinerantes são requisitados pelo IHA e lotados nas escolas, mas seu trabalho não fica restrito à Unidade Educacional de sua lotação, ampliando-se para outras escolas (1999a, p. 15).

O professor itinerante atua também na modalidade de atendimento em domicílio, que se caracteriza pelo ensino proporcionado ao educando com necessidades educacionais especiais em sua própria casa. O objetivo a ser alcançado pelo professor itinerante não difere do da sala de recursos: buscar métodos, estratégias de modo a garantir ao aluno com necessidades educacionais especiais o desenvolvimento adequado para a melhoria da qualidade de ensino, não só para ele como para todo o grupo do qual ele faz parte. O professor itinerante não tem como objetivo fiscalizar o trabalho do professor da turma, mas sim promover uma relação de participação, de envolvimento e de responsabilidade compartilhadas em busca de soluções conjuntas para as necessidades de seu aluno.
O trabalho do professor itinerante é sempre em parceria com o professor da turma e, na maioria das vezes, com a própria família. O atendimento às necessidades especiais envolve a dimensão do desenvolvimento integral: psicoafetivo, cognitivo, sensório-motor, enfatizando os aspectos da sociointeração, da comunicação e linguagem no contexto escolar, familiar e cultural.

Alguns alunos que não possuem COMUNICAÇÃO FUNCIONAL, devido a transtornos diversos, encontram-se impossibilitados de se comunicarem através da linguagem oral, o que diminui, consideravelmente, suas oportunidades de interação quando são incluídos em classes regulares. Como fazer para que haja uma comunicação real de modo a possibilitar a interação entre professor/aluno e aluno/aluno? A comunicação não se dá só através da fala. Há outras formas de comunicação como o uso de gestos, línguas de sinais, expressões faciais, o uso de prancha de alfabetos ou símbolos pictográficos, até o uso de sistemas sofisticados de computador. O termo Comunicação Alternativa Ampliada (C.A.A.) é utilizado para definir essas diferentes formas de comunicação. A comunicação é considerada alternativa quando o indivíduo não apresenta outra forma de comunicação e, considerada ampliada quando o indivíduo possui alguma comunicação, mas esta não é suficiente para as suas trocas sociais.
Diferença entre o atendimento do professor da sala de recursos e o do professor itinerante
A principal diferença que podemos destacar é que o professor itinerante vai até o aluno em sua sala regular. Não que o professor de sala de recursos não possa fazê-lo mas, na prática, é quase impossível que isso ocorra. Até mesmo a C.A.A. pode ser desenvolvida e trabalhada na sala de recursos e posteriormente levada para a sala de aula. Muitas vezes o contato entre professor de sala de recursos e o professor da classe regular do aluno só é feito a partir do relatório que cada professor elabora.

Resumo TEE- aula 14 - Classes hospitalares - Maria A. de M. Ramos

A classe hospitalar é uma das modalidades da chamada Educação Especial, destinada às pessoas que precisam de métodos e recursos educativos diferenciados no processo de ensino-aprendizagem. Sua importância foi reconhecida no documento Direito da Criança e do Adolescente Hospitalizados, aprovado em 1995 pelo Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), órgão ligado ao Ministério da Justiça. Elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o texto assegura, dentre outros pontos, o direito de a criança “desfrutar de alguma forma de recreação, de programas de educação para a saúde e de acompanhamento do currículo escolar durante a sua permanência hospitalar” (Brasil,1995).

Segundo ENEIDA S. FONSECA (PhD em desenvolvimento e educação de crianças hospitalizadas. Professora da UERJ e da Classe Hospitalar Jesus), num trabalho apresentado no I Simpósio de Classes Hospitalares no INCA (17/11/2005), com dados de maio de 2005, temos, no Brasil, aproximadamente 6.000 hospitais, sendo que só 92 oferecem essa modalidade de ensino.
O levantamento realizado mostra a existência de classes hospitalares nos diversos estados do país, pontuando que, até dezembro de 1997, havia 30 classes hospitalares em funcionamento nas diferentes regiões. Suas pesquisas revelam que, desse total, apenas quatro classes hospitalares foram criadas antes de dezembro de 1980 e que, a partir da década de 1980, inicia-se a expansão dessa modalidade de atendimento educacional, sendo que, de janeiro de 1981 a dezembro de 1997, foram criadas 17 classes hospitalares em diferentes estados. A constatação do crescimento do número de classes hospitalares demonstra que essa modalidade de atendimento educacional se fortalece no bojo da luta pelo direito à educação e pela humanização no atendimento hospitalar.
O Ministério de Educação, por meio de sua Secretaria de Educação Especial, criou um documento que, além de regulamentar a implantação das classes hospitalares, visa também, a orientar o atendimento pedagógico tanto em ambientes hospitalares, como em ambientes domiciliares.

O documento define classe hospitalar como:
(...) o atendimento pedagógico-educacional que ocorre em ambientes de tratamento de saúde, seja na circunstância de internação, como tradicionalmente conhecida, seja na circunstância do atendimento em hospital-dia e hospital-semana ou em serviços de atenção integral à saúde mental (p. 5).

Coloca como seu objetivo:
(...) elaborar estratégias e orientações para possibilitar o acompanhamento pedagógico-educacional do processo de desenvolvimento e construção do conhecimento de crianças, jovens e adultos matriculados ou não nos sistemas de ensino regular, no âmbito da educação básica e que encontram-se impossibilitados de freqüentar escola, temporária ou permanente e, garantir a manutenção do vínculo com escolas por meio de um currículo flexibilizado e/ou adaptado, favorecendo seu ingresso, retorno ou adequada integração ao seu grupo escolar correspondente, como parte do direito de atenção integra (p. 5).
Fonseca define esta modalidade como:
(...) o atendimento pedagógico-educacional no ambiente hospitalar deve ser entendido como uma escuta pedagógica às necessidades e interesses da criança, buscando atendê-las o mais adequadamente possível nestes aspectos, e não como uma suplência ou ‘massacre’ concentrado do intelecto da criança (FONSECA, 2003, p.14).

Para qualquer criança, deixar de ir à escola é um sinal de que alguma coisa não está bem. Ela ouve sempre a fala “só não vai para a escola quem está doente”. Se, mesmo estando em um hospital, tem de ir para a escola as coisas não devem estar tão mal assim. Partindo da idéia de que o conhecimento é a principal ferramenta para o futuro, só estuda quem tem futuro. O estudo desvincula a criança da doença e isso é muito importante, porque ela tem um sentido de esperança de que a vida transcorre normalmente, já que a escola faz parte da vida normal. E quando da sua alta hospitalar, fica mais fácil a sua reintegração à escola sem defasagem na aprendizagem.

Para Ceccim e Fonseca (2000) a redução é de 30% no número de dias de internação quando há atendimento pedagógico.
Em resumo, a classe hospitalar se apresenta como uma oportunidade extra de resgate da criança para a escola, a partir da qual terá condições de, exercendo o seu direito de cidadã, aprender, contribuindo ao mesmo tempo para a diminuição tanto do fracasso como da evasão escolar.

O DIA-A-DIA DA SALA DE AULA NA CLASSE HOSPITALAR
Dentro das práticas educativas, inicialmente temos que entender que cada dia de trabalho numa classe hospitalar é totalmente diferente do outro devido ao movimento de internações, saídas para exames, visitas etc. O planejamento deverá, por este motivo, estar sempre voltado para um grupo de alunos novos e com atividades que tenham início, meio e fim naquele dia. Se possível, o professor deverá ter um olhar investigativo para descobrir alguma dificuldade apresentada pelo aluno que está atendendo.
Assim ele poderá criar estratégias que possam facilitar a aprendizagem não alcançada. Já no caso de internações recorrentes e/ou prolongadas, a atenção estará mais focada no planejamento mais detalhado, se possível com um contato com a escola de origem do aluno, com vistas a proporcionar a continuidade da vida acadêmica do estudante.

OBJETIVOS DAS ATIVIDADES PROPOSTAS
Devem fazer parte das intencionalidades das atividades propostas na classe hospitalar, como colocado por Ortiz e Freitas (2005, p. 55-56), as seguintes finalidades:
• priorizar o resgate do poder infantil de conhecer e apreender o contexto vivido;
• implementar a continuidade ao ensino dos conteúdos da escolarização regular ou mesmo investir no trabalho escolar com conteúdos programáticos próprios à faixa etária da criança, buscando sanar dificuldades de aprendizagem e propiciar a aquisição de novos saberes;
• promover a apropriação de habilidades e aprendizagens escolares, fortalecendo o retorno e a reinserção da criança no contexto do ensino regular;
• disponibilizar a proteção à afetividade como fenômeno garantidor de aceitação e respeito à singularidade do paciente-aluno;
• fortalecer a construção subjetiva de viver, respaldada por superação psicológica do adoecimento e fomentar as relações sociais como veículo de instrumentalização do aprendiz;
• ser agente sociointerativista e estimulador do desenvolvimento socioafetivo.

ROTINA E PROCEDIMENTOS
Mesmo sabendo que seu grupo de alunos pode ser diferente a cada dia, o professor deve criar uma rotina de afazeres para que os objetivos sejam alcançados pelo grupo. Seu planejamento deve incluir atividades para todos os níveis que seu grupo possa apresentar. Deve estar preparado para a entrada e saída a qualquer momento de um dos integrantes. Quando da saída de um dos alunos antes do término da tarefa proposta, o profissional deve explicar ao mesmo que ficará aguardando seu retorno. Caso o aluno não possa voltar ao final da aula, o professor passará em seu leito para levar sua tarefa corrigida ou para que ele a termine. No caso daquele que chega com as atividades já em andamento deverá colocá-lo a respeito do que está sendo feito pelos colegas e tentar, de alguma forma, incluí-lo no grupo. Vale ressaltar que, se por alguma razão, o professor não consegue dar o fechamento ou a abertura adequada para cada criança, isso não inviabiliza o seu trabalho. Sua observação constará da ficha individual do aluno, o que lhe permitirá retornar ao trabalho com esse aluno em um outro momento. A freqüência do aluno e o seu tempo de permanência no atendimento diário estarão relacionados a sua condição clínica e ao tipo de atendimento que recebe no hospital, podendo comparecer diariamente ou não. O professor deverá ter o compromisso diário de registrar as suas observações, nem que seja o mínimo, sobre o desempenho de cada criança no espaço escolar. Só assim o professor conseguirá elaborar um relatório com o desempenho mais detalhado após a alta hospitalar.

DEPOIS DA INTERNAÇÃO – A ALTA
Esse relatório poderá ser solicitado pela escola de origem do aluno, o que exige do professor da classe hospitalar “certa ética” ao preenchê-lo, pois deve tomar cuidado para não ultrapassar os limites das observações de caráter pedagógico, pois aqueles de caráter clínico cabem à equipe médica. Caso o aluno não esteja matriculado em uma escola, a classe hospitalar informará à Corregedoria Regional de Educação (CRE), referente ao bairro onde o aluno mora, sobre o atendimento oferecido, com o pedido de matrícula em uma escola próxima à moradia do mesmo.
Em alguns casos, os responsáveis não sabem que a criança tem direito ao atendimento domiciliar, o que é feito também pelo professor ou pelo coordenador da classe hospitalar, de modo a esclarecer qualquer dúvida quanto ao procedimento que deverá ser feito para que não seja interrompido o ano escolar da criança.

PROPOSTA DE ORGANIZAÇÃO DE UMA CLASSE HOSPITALAR
Podemos dividir as crianças em grupos para o atendimento fora das enfermarias da seguinte maneira:
1º grupo: de 0 a 2 anos e 9 meses;
2º grupo: de 3 anos a 5 anos e 9 meses;
3º grupo: a partir de 6 anos: crianças que estejam em qualquer ano do ciclo;
4º grupo: crianças que freqüentem as 3ª e 4ª séries;
5º grupo: crianças que serão atendidas no leito, por professores que também os colocarão em grupos levando em consideração a idade escolar.
As classes hospitalares do Município do Rio de Janeiro não oferecem atendimento específico para alunos das séries do segundo segmento do Ensino Fundamental (de 5ª a 8ª séries). Normalmente, esses alunos participam das aulas como convidados.

A classe hospitalar tem como objetivo principal levar a criança hospitalizada a participar da vida escolar, pois, sem dúvida, era onde deveria estar se não estivesse em um hospital. Veicular uma aparência de normalidade na anormalidade insinua a existência do mundo fora do hospital – a escola – como responsável pelas relações de aprendizagem, encontros de afetos, aproximação de saberes interdisciplinares e mediação entre o hospital e a escola, assumindo assim, postura de resistência à doença.


Resumo TEE- aula 15 - Inclusão escolar – Maria A. M. Corrêa

O movimento para a inclusão escolar nos permite olhar a escola de maneira mais criteriosa; permite olhar para trás e reconstituir o percurso que fizemos na história da deficiência. Por meio dessa retrospectiva, percebemos o presente de forma mais objetiva, identificando nossas fragilidades potenciais para a implementação das mudanças tão necessárias nessa área.
A primeira grande mudança na ordem estabelecida na Educação Especial tem início com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Apesar de não ser uma lei, ela norteou a tomada de decisões na comunidade internacional.
A Declaração surgiu, então, da união dos governos para a criação de mecanismos capazes de “proteger o homem contra o homem, as nações contra as nações e sempre que o homem e as nações se arrogarem o poder de violar os direitos” (BRASIL, citado por CORRÊA, 2003).
Outro marco foi a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 1989, que explicitou, dentre outros direitos, aqueles referentes aos portadores de necessidades especiais, levando os educadores a assumirem a responsabilidade pela valorização da criança como indivíduo e ser social.
O último referencial que se pode registrar é a Declaração de Salamanca (1994), que foi levada a efeito na Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais, consubstanciando os princípios, a política e as práticas da integração das pessoas com necessidades especiais.
As modificações vêm ocorrendo de forma muito rápida, e a escolarização do deficiente torna-se tema permanente de debates e de estudos.
Nesse contexto, a discussão sobre a integração ou a inclusão foi alvo de calorosos debates teóricos durante anos. Perguntava-se: “Quem deve ser preparado? O deficiente para viver em sociedade ou a sociedade para receber o deficiente?”
O movimento da inclusão defende a última posição citada, pois a sociedade deve se transformar para receber o indivíduo e a escola deve fazer o mesmo para acolher o aluno. Assim, de forma breve, considerando apenas os pontos históricos mais importantes, chegamos ao movimento de inclusão escolar da atualidade.
A inclusão não faz parte do cotidiano. É preciso que se enfrente o tema com seriedade e profundidade, pois ele desafia a nossa crença sobre a humanidade. Para Forest e Pearpoint (1997) “inclusão trata de como nós lidamos (ou evitamos lidar) com a nossa
moralidade” (p. 138).
Nesta nova ordem social, em que a inclusão coloca a diversidade em um lugar de destaque, o preconceito, os juízos provisórios e as resistências que fazem parte da vida de todos nós serão, a todo momento, colocados à prova, pois diferentes manifestações sociais estarão sempre atentas às demonstrações de exclusão, mesmo aquelas mais sutis.
Como você pode perceber pelos autores citados, a inclusão deve ser feita com o envolvimento de toda a comunidade escolar. Cada escola condicionará algumas orientações que poderão facilitar as práticas educativas na sala de aula e no espaço escolar. Outras irão, por exemplo, requerer mais adaptações e ajustes nas estratégias para uma cultura inclusiva. Vale lembrar que a transformação da escola incluirá mudanças de atitudes e de valores das pessoas.

Para Marchesi (2004),
O movimento das escolas inclusivas propõe-se a impulsionar uma mudança profunda nas escolas, permitindo que todos os alunos, sem discriminação, tenham não só acesso a elas como também a uma resposta educatica adequada as suas possibilidades (...). Esta tarefa não recai apenas ao sistema educacional (...). Supõe um enorme esforço conjunto da sociedade.(...). É preciso compreender a realidade educacional como um processo de mudança para formas mais completas de integração de e de participação (...). O objetivo de criar escolas inclusivas de qualidade, atrativas e valorizadas (...) exige um esforço conjunto da sociedade, escola, professores (pp. 29 e 30).

Assim, a inclusão pressupõe um aumento vocabular em que a palavra eqüidade tem lugar destacado. Eqüidade significa, segundo Carvalho (2005, p. 35) “educar de acordo com as diferenças individuais, sem que qualquer manifestação de dificuldade se traduza em impedimento à aprendizagem”. Para a autora, eqüidade diz respeito “ao reconhecimento das diferenças individuais e à importância do trabalho na diversidade” (p. 17).
A transformação da escola regular em escola inclusiva deve ser um trabalho lento, responsável e coletivo, que encontra nas leis o amparo para sua realização. Entretanto, esse trabalho depende, principalmente, da mudança de atitudes frente à diversidade, da formação contínua dos professores, do apoio das famílias e do envolvimento de todo o sistema educacional, pois mesmo que a inclusão seja um projeto da escola, sem
o apoio e a orientação de órgãos superiores e de parcerias, a inclusão não acontece.
A escola inclusiva é um prolongamento de uma sociedade também inclusiva. Um segmento realimenta o outro em uma nova ordem de relações.
Saber identificar as principais dissonâncias ao longo do processo de transformação da escola e trabalhar para superá-las pode encurtar o caminho.